Nesta quinta-feira (14), a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por 3 votos a 2, que não houve estupro de vulnerável no caso de relação sexual entre um homem de 20 anos e uma menina de 12.
O caso aconteceu em Minas Gerais e foi denunciado pela mãe da menor. Na Justiça mineira, o homem foi condenado a 11 anos e 3 meses de prisão. No entanto, em segunda instância, ele conseguiu afastar a presunção do crime, tese que foi confirmada pelo STJ.
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A decisão causou revolta, uma vez que a legislação brasileira, no artigo 217-A do Código Penal, afirma que basta que a pessoa tenha relação sexual com menor de 14 anos para o caso ser considerado crime de estupro.
No entanto, o relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, defendeu, durante voto contrário à condenação, a aplicação de um conceito jurídico chamado “erro de proibição”, que acontece quando a pessoa praticou um ato sem saber que era crime, tendo sua culpabilidade anulada.
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Para o relator, o caso deve ser analisado de acordo com sua gravidade concreta e sua relevência social, "não apenas pela mera subsunção ao tipo penal". Ele argumentou que o homem construiu uma união estável com a menor, ainda que de forma indevida e precoce, e que juntas tiveram um filho que seria prejudicado pela condenação.
O advogado e especialista em direitos da infância e juventude, Ariel de Castro Alves, em entrevista à Fórum, afirma que acha muito difícil se sustentar a tese do erro de proibição, de que o acusado não sabia que a relação sexual com menor de 14 anos se constitui um crime, "ainda mais diante de todo acesso às informações e das campanhas contra o abuso e à exploração sexual na atualidade".
Segundo Ariel, a jurisprudência do STJ pode abrir um precedente perigoso e legitimar a violência sexual contra crianças e adolescentes, gerando impunidade em diversos outros casos. "Condenados em situações parecidas podem usar essas jurisprudências para pedirem revisões criminais de seus casos para serem absolvidos. E nos casos atuais e futuros, a decisão também pode ser utilizada", afirma.
O temor de quem atua na área de defesa da criança e do adolescente com decisões desse tipo, que geram jurisprudência, é que se torne uma espécie de 'licença' para a violência sexual contra crianças e adolescentes, que já é um dos problemas mais graves do Brasil, diante do altíssimo número de estupros de vulneráveis.
O advogado também reafirma a importância da educação sexual para evitar esses casos. "Mas quando defendemos a necessidade de educação sexual em escolas, os setores conservadores reagem para proibir. A educação sexual é fundamental para a prevenção de abusos, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência e 'casamentos infantis'".
Ministra se posicionou contra a decisão
A única pessoa a abrir divergência e se posicionar contra a decisão do relator foi a ministra Daniella Teixeira. Ela rejeita a tese de "erro de proibição", afirmando que que o agressor tinha consciência de fazer algo proibido, pois não seria o “‘matuto' exemplificado nas doutrinas de Direito Penal ou o ermitão que vive totalmente isolado, sem qualquer acesso aos meios de comunicação ou à sociedade”.
"O fato de terem um relacionamento amoroso apenas reforça a situação de violência imposta à adolescente, que deve ser protegida pelo Estado até mesmo de suas vontades. Ninguém acharia lícito dar a ela bebida alcoólica ou substância entorpecente apenas porque manifestou vontade”, defendeu a ministra.