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"Ainda Estou Aqui" inspira proposta de mudanças na Lei da Anistia

STF discute limites da legislação de 1979 e ministro Flávio Dino cita filme brasileiro que concorre a Oscar e Globo de Ouro, principais prêmios da indústria cinematográfica

"Ainda Estou Aqui" inspira proposta de mudanças na Lei da Anistia.STF discute limites da legislação de 1979 e ministro Flávio Dino cita filme brasileiro que concorre a Oscar e Globo de OuroCréditos: Fotomontagem (Divulgação e STF)
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O filme "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles, vem causando grande impacto nacional e internacional desde sua estreia. Ovacionado no Festival de Veneza, onde recebeu aplausos por quase 10 minutos, o longa já conquistou indicações importantes, como Melhor Filme Internacional no Critics Choice Awards, ampliando suas chances no Oscar e no Globo de Ouro.

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A atuação de Fernanda Torres, elogiada pela crítica especializada, é apontada como um dos pilares do sucesso do filme. O New York Times destacou sua performance como "profunda e comovente", enquanto o Deadline a considerou uma forte candidata em premiações. Para o Guardian, que atribuiu três de cinco estrelas ao longa, a atuação de Torres é "incrível", reforçando a relevância da obra.

Além de seu impacto cinematográfico, "Ainda Estou Aqui" reacende o debate sobre o legado da ditadura militar no Brasil e a aplicação da Lei da Anistia de 1979, tema central do julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF).

STF avalia alcance da Lei da Anistia no caso de crimes permanentes

O STF está analisando a possibilidade de excluir da Lei da Anistia os crimes de ocultação de cadáver cometidos durante a ditadura militar. O ministro Flávio Dino reconheceu, neste domingo (15), a repercussão geral de um recurso do Ministério Público Federal (MPF), que questiona a aplicação da anistia para crimes considerados permanentes, como a ocultação de restos mortais.

O caso envolve denúncias contra os ex-militares Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió, e Lício Augusto Ribeiro Maciel, acusados de envolvimento na Guerrilha do Araguaia. Ambos são apontados como responsáveis pela ocultação de cadáveres de opositores do regime.

Apesar de rejeitada em instâncias inferiores, a denúncia do MPF foi levada ao STF, que agora analisa se a ocultação de cadáver, por sua natureza permanente, deve ser tratada fora do escopo da anistia.

"O crime de ocultação de cadáver não ocorre apenas quando a conduta é realizada no mundo físico. A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver configura crime permanente, além de impedir o direito ao luto dos familiares", afirmou Dino.

O impacto de Ainda Estou Aqui na decisão judicial

Durante sua fundamentação, Flávio Dino citou o filme "Ainda Estou Aqui"como exemplo do sofrimento prolongado causado pela ausência de respostas sobre desaparecidos políticos.

Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, o longa retrata a história do desaparecimento de Rubens Paiva, ex-deputado federal morto durante a ditadura, cujo corpo jamais foi encontrado.

"O filme tem comovido milhões de brasileiros e estrangeiros. A história do desaparecimento de Rubens Paiva sublinha a dor imprescritível de milhares de famílias que nunca puderam velar e sepultar seus entes queridos", declarou Dino.

A menção ao filme enfatiza a importância de revisitar crimes como a ocultação de cadáver à luz da justiça e da memória histórica, reforçando a necessidade de responsabilização.

O caso Rubens Paiva: símbolo da luta por justiça

Rubens Paiva foi preso em janeiro de 1971, no Rio de Janeiro, e levado para o DOI-Codi, onde foi torturado até a morte. Seu desaparecimento se tornou um dos casos mais emblemáticos das violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar.

A versão oficial do regime, que alegava fuga durante um ataque ao veículo que o transportava, foi amplamente desacreditada. Até hoje, o paradeiro de seus restos mortais permanece desconhecido.

O caso de Rubens Paiva é frequentemente lembrado como símbolo da luta por memória, verdade e justiça no Brasil. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade confirmou sua morte sob tortura e identificou os agentes responsáveis, mas nenhuma punição foi aplicada devido à anistia.

Lei da Anistia e debate no STF

A Lei da Anistia, promulgada em 1979, extinguiu a punibilidade de crimes políticos e conexos praticados entre 1961 e 1979. No entanto, a ocultação de cadáveres nunca foi plenamente discutida no âmbito legal.

Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por desaparecimentos forçados ligados à Guerrilha do Araguaia, destacando que tais crimes são imprescritíveis e devem ser investigados.

Com a repercussão geral reconhecida pelo STF, o julgamento poderá estabelecer um precedente histórico. A decisão final determinará se crimes como a ocultação de cadáver, por sua continuidade no tempo, podem ser anistiados ou devem ser tratados como delitos permanentes fora do alcance da lei.

Cinema, justiça e memória

O filme "Ainda Estou Aqui" transcende as telas ao influenciar o debate jurídico e social no Brasil. Ele ressalta a importância de enfrentar as feridas do passado e buscar justiça para os crimes cometidos durante a ditadura, contribuindo para a construção de um futuro democrático e transparente.

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