DISTRITO FEDERAL

Federação denuncia comandante da PMDF por omissão após disparada de suicídios entre policiais

Ação penal subsidiária cita negligência dolosa e uso da corregedoria para intimidar jornalistas. Dados mostram aumento de casos em série histórica

A comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal, Ana Paula Habka, à frente de Ibaneis Rocha.A comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal, Ana Paula Habka, à frente de Ibaneis RochaCréditos: Renato Alves/Agência Brasília
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A Federação Nacional de Entidades de Praças Militares Estaduais (FENEPE) protocolou uma ação penal privada subsidiária da pública contra a comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), Ana Paula Habka, acusando-a de negligência na proteção da saúde mental dos policiais. A ação penal subsidiária é um direito garantido pela Constituição Federal, que permite que a vítima ou seus representantes apresentem uma denúncia em crimes de ação pública quando o Ministério Público, responsável por esse papel, não o faz dentro do prazo legal.

A denúncia foi fundamentada em um aumento expressivo de suicídios entre policiais militares em 2024, com nove casos confirmados, sendo o ano com mais registros desde o início da coleta desses dados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Desde 2017, o Fórum passou a catalogar e publicar esses dados, evidenciando a gravidade do cenário atual. A denúncia utiliza esses dados consolidados para reforçar suas alegações, destacando como o aumento nas ocorrências de suicídios aponta para uma falha grave no suporte psicológico e preventivo dentro da corporação.

De acordo com a série histórica, o número de suicídios entre policiais da PMDF variou entre dois e quatro casos anuais de 2017 a 2023, com um pico de sete ocorrências em 2018. Em 2023, não houve nenhum caso registrado. Em 2024, no entanto, a própria FENEPE indicou um salto para nove suicídios entre policiais da ativa, além de outras mortes que, segundo a denúncia, foram potencializadas pela ausência de apoio psicológico efetivo. Este aumento acentuado em apenas um ano reforça as preocupações da entidade com a falta de ações preventivas adequadas dentro da corporação.

A coluna conversou com um familiar de uma das vítimas, também policial militar, que destacou as dificuldades enfrentadas pelos policiais em acessar o suporte psicológico e apontou para a falta de um sistema de prevenção. Segundo ele, “a PM tem se preocupado mais atualmente depois dos últimos casos [...] talvez, se meu irmão tivesse tido algum tipo de apoio psicológico antes, ele não tivesse feito o que fez". Ele destacou que, embora a corporação ofereça apoio emocional após os incidentes, o foco na prevenção ainda é insuficiente. “Eu acho que poderia ter sido evitado se a PM tivesse, de certa forma, permitido ele fazer essa consulta [...] esse acompanhamento psicológico, com avaliação psicológica e periódica, seria de suma importância”, afirmou.

Outro familiar de uma vítima, também integrante da PMDF, acredita que o impacto dos eventos de 8 de janeiro de 2023 pode ter contribuído para o agravamento do quadro de saúde mental entre os policiais. Ele mencionou que, de um grupo de 300 policiais que participaram dos trabalhos naquele dia, três já cometeram suicídio. “Acho que a frustração que gerou toda a repercussão do 8 de janeiro e a repercussão que teve na vida dos policiais também influenciou. Todos foram obrigados a trabalhar em um lugar que não é muito bom”, relatou. A FENEPE ressalta que o episódio expôs os policiais a situações de grande desgaste emocional, sem o devido acompanhamento psicológico, e que esse contexto, aliado à falta de suporte contínuo, pode ter agravado o quadro de vulnerabilidade.

Em nota enviada à coluna, a FENEPE reforçou a gravidade das acusações contra o comando da PMDF. "Trata-se de processo criminal para apuração de denúncias graves, onde existem fortes indícios de autoria e materialidade de que o comando da PMDF, por omissão e restrição no tratamento da saúde mental da tropa, teria colaborado com a morte de diversos policiais militares do DF", afirma o documento, assinado pelo advogado Vinicius Viana e pelo presidente da FENEPE-DF, Cabo Vitório. Segundo a FENEPE, "as provas vão desde policiais com laudo psiquiátrico sendo colocados em serviço armado na rua até a restrição de atendimento psiquiátrico para todo o efetivo da PMDF".

A denúncia da FENEPE aponta que a ausência de ações preventivas é parte de uma “cultura de inércia institucionalizada” dentro da PMDF, presente desde os eventos de 8 de janeiro e perpetuada no atual comando. Além disso, a denúncia acusa a comandante-geral de usar a corregedoria para intimidar críticos, incluindo jornalistas que investigavam a situação de saúde mental dos policiais. O jornalista Donny Silva, que abordava o aumento dos suicídios na corporação, foi convocado para prestar depoimento na corregedoria em setembro de 2023, o que, segundo a FENEPE, teria o objetivo de desencorajar reportagens críticas.

A ação penal subsidiária requer o afastamento imediato e a prisão preventiva de Ana Paula, argumentando que sua permanência compromete a integridade da investigação e a segurança dos policiais. O caso agora segue para análise do Judiciário, com expectativa de uma decisão sobre as medidas cautelares.

A coluna entrou em contato com o Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) e com a própria PMDF para obter posicionamentos sobre a denúncia protocolada pela FENEPE. Até o momento, não houve retorno de nenhum dos órgãos. Também foi enviado um pedido de posicionamento ao deputado distrital Fábio Félix (PSOL) que não retornou a coluna até o fechamento.

Os familiares das vítimas, que também são policiais militares, optaram por não revelar suas identidades devido ao ambiente institucional da corporação. A série histórica de suicídios entre policiais militares no Distrito Federal revela um problema crescente e ainda não resolvido pela gestão atual, colocando a corporação em uma posição de alerta quanto ao bem-estar psicológico de seus integrantes.