“A questão da criminalização da decisão, portanto, da liberdade e da autonomia da mulher, em sua mais ampla expressão, pela interrupção da gravidez perdura por mais de setenta anos em nosso país”, essa está entre uma das falas do último discurso promovido pela ministra Rosa Weber acerca da descriminalização sobre o aborto.
Na última sexta-feira (22/09), a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, que está perto de se aposentar, fechou sua última participação com um voto histórico, defendendo a descriminalização do procedimento até a 12ª semana de gestação no Brasil. Seu voto foi o primeiro e até agora o único a ser contabilizado no julgamento, que teve início na sessão virtual do plenário.
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A ministra foi a única entre os onze membros do tribunal a votar. Conforme esperado, o julgamento foi interrompido por um pedido do ministro Luís Roberto Barroso para que o caso seja analisado no plenário físico da Corte.
Portanto, a Revista Fórum selecionou alguns dos trechos mais marcantes do discurso da ministra ao proferir seu voto na ADPF 442, que constam na íntegra neste documento, disponível para acesso no site do STF.
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Durante sua fala, Rosa Weber reconheceu que a discussão sobre o aborto “é uma das questões jurídicas mais sensíveis, porquanto envolve uma teia de razões de segunda ordem de natureza ética, moral, científica, médica e religiosa”.
Ela apresentou dados, falas de especialistas, estatísticas internacionais e de outras instituições, além de retomar pontos importantes da história brasileira em que a mulher era desprovida de direitos básicos e submissa ao homem.
Como relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, Weber já convocou audiências públicas no ano de 2018 para ouvir argumentos a favor e contra a descriminalização do aborto. Na audiência do dia 22, destacou a controvérsia abordada em relação à constitucionalidade da criminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras doze semanas, o que representa um conflito entre direitos fundamentais e valores constitucionais.
De acordo com a presidente do Supremo, o problema central da arguição é a validade constitucional dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam a interrupção voluntária da gravidez de forma absoluta. O pedido no mérito busca a declaração de "não recepção" desses artigos, visando garantir às mulheres o direito de interromper a gestação nas primeiras 12 semanas sem a necessidade de permissão específica do Estado.
No início do julgamento, a ministra destacou que é preciso assegurar os direitos fundamentais da mulher em detrimento da moral.
“Existe a dignidade humana do feto, no sentido da moral. Esse status moral da vida humana é compartilhado pela sociedade, mas a moralidade majoritária da sociedade encontra limites na ordem constitucional frente aos direitos e liberdades fundamentais” (p.28).
Além disso, ela destaca a proteção da saúde reprodutiva como ponto central para se pensar a questão.
“Não há falar em antagonismo entre valores constitucionais, mas em relação necessária e consequente, em que a mulher, titular de direitos fundamentais, com oponibilidade de tutela em face do Estado nas decisões que conformam sua dignidade e sua autodeterminação e como ser e estar no mundo, deve usufruir de proteção adequada no campo da saúde reprodutiva como medida de tutela do nascituro” (p.51).
‘Justiça social reprodutiva’
Especialistas acreditam que a magistrada possa ter inaugurado um novo termo ao introduzir um conceito,’justiça social reprodutiva’, no campo do direito internacional e na teoria de gênero e feminista ao unir a defesa da justiça social à defesa da justiça reprodutiva.
“A justiça social reprodutiva, fundada nos pilares de políticas públicas de saúde preventivas na gravidez indesejada, revela-se como desenho institucional mais eficaz na proteção o feto e da vida da mulher, comparativamente à criminalização” (p.118).
Em outro momento, ela traz a questão do aborto como um problema de saúde pública que deve ser debatido na esfera pública.
“É convergente em classificar o aborto como um problema de saúde pública das mulheres, notadamente considerando que o aborto inseguro é uma das quatro causas diretas da mortalidade materna” (p.83).
Países estão adotando a descriminalização
Recentemente, outros países aderiram à política de descriminalização, como o México, o Uruguai, a Guiana, a Guiana Francesa e Cuba e em sua fala, a ministra destaca o debate que vem sendo feito ao redor do mundo e os resultados de países já aderentes ao procedimento.
“Em verdade, em diferentes países em que o aborto foi descriminalizado, observou-se, com o passar dos anos, uma redução do número de procedimentos realizados, associado a um contexto de ampliação do uso de métodos contraceptivos” (p.86).
Em outro trecho, a ministra avança na discussão, ressaltando a necessidade de se pensar as consequências da política antiaborto.
“A criminalização perpetua o quadro de discriminação com base no gênero, porque ninguém supõe, ainda que em última lente, que o homem de alguma forma seja reprovado pela sua conduta de liberdade sexual, afinal a questão reprodutiva não lhe pertence de forma direta. Tanto que pouco – ou nada - se fala na responsabilidade masculina na abordagem do tema” (p.121).
“Nós mulheres não tivemos como expressar nossa voz na arena democrática. Fomos silenciadas! Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher” (p. 125), lembra Weber por fim, ao final do julgamento virtual.