Representantes indígenas de diferentes regiões do Brasil estão em Brasília para acompanhar a retomada do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do chamado marco temporal. Além de se concentrarem na capital federal, indígenas também realizam atos em diferentes estados.
A Suprema Corte voltou a apreciar nesta quarta-feira (30) a legalidade da tese de que os povos indígenas só têm direito a usufruir dos territórios que ocupavam em 5 de outubro de 1988, quando a atual Constituição Federal foi promulgada.
Te podría interesar
Em frente ao edifício do STF, na Praça dos Três Poderes, lideranças de indígenas de diversas etnias e diferentes regiões do país se concentram para acompanhar a sessão da Suprema Corte.
“Nosso direito à terra é ancestral, não temporal”, é o brado dos indígenas em frente ao prédio do STF.
Te podría interesar
O coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna, estima que há entre 800 e mil indígenas.
Nossa expectativa é de que o julgamento não tenha mais nenhuma paralisação, nenhum novo pedido de vista. Os povos indígenas, a sociedade brasileira e a comunidade internacional esperam um ponto final neste julgamento. E nossa esperança é que os ministros não só retomem o julgamento, como finalizem a votação, acompanhando o voto do relator, o ministro Edson Fachin, e garantindo os direitos originários dos povos indígenas em sua plenitude
Povos indígenas da Amazônia cantam, dançam e oram para que os ministros da Suprema Corte rejeitem a tese do marco temporal.
Em outra ação, povos indígenas espalharam telões por Brasília contra a tese do marco temporal.
Expectativa com o voto de Zanin
Segundo os representantes do movimento dos povos indígenas, é importante que, após tanto tempo de espera, o STF dê sua palavra final sobre o assunto, finalizando o julgamento que se arrasta há anos e que voltou a ser interrompido em junho deste ano, quando o ministro André Mendonça pediu vista do processo, ou seja, mais tempo para estudar o assunto antes de proferir seu voto.
Há uma grande expectativa em torno de como o ministro Cristiano Zanin se portará durante a retomada do julgamento, já que ele foi empossado no cargo há menos de um mês.
Nesta terça-feira (29), a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, esteve com o ministro em seu gabinete, no STF. Em suas redes sociais, a ministra afirmou que fez “uma visita de cortesia para dar as boas-vindas e desejar sucesso” a Zanin, mas que também aproveitou o encontro para declarar sua “preocupação com a votação sobre o marco temporal” e com os prejuízos que, segundo ela, a aprovação da tese causaria aos direitos indígenas.
Ao longo da última semana, a equipe de Zanin também já recebeu representantes dos povos indígenas ao menos três vezes, segundo o coordenador executivo da Apib. Ele comentou ainda que tanto a possibilidade do julgamento voltar a ser interrompido, quanto a proposta de pagamento de indenização pela terra nua são prejudiciais aos povos indígenas.
Nossa percepção é que o ministro [Zanin] tende a votar contra o marco temporal. Só não ficou claro se ele vai votar como o relator, o ministro Fachin, cujo teor nós defendemos; se com o ministro Alexandre de Moraes [que, entre outras coisas, defende que a União indenize os atuais ocupantes das áreas reivindicadas como indígenas não só pelas eventuais benfeitorias, mas pela própria terra nua] ou se ele abrirá algum novo contraponto com seu voto.
“Para nós, se a maioria dos ministros acatar o voto a favor da indenização pela terra nua, estarão premiando os invasores das terras indígenas, aquelas pessoas que, lá atrás, receberam títulos [de propriedade] indevidos. Além disso, isso vai aumentar o tempo para [a conclusão dos processos de] demarcação de terras indígenas, já que, hoje, um dos principais gargalos para demarcações [em curso] é a indenização, pois o governo federal, a União, nunca tem dinheiro suficiente para indenizar as benfeitorias de boa-fé”, concluiu Kleber.
Marco temporal em debate desde 2009
Essa tese controversa está em debate no STF desde 2009, quando os magistrados decidiram manter a demarcação em faixa contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na ocasião, embora tenham reconhecido o direito à terra de cerca de 28 mil indígenas das etnias Makuxi, Taurepang, Ingarikó, Patamona e Wapichana, os ministros impuseram uma série de condições para a efetivação da demarcação.
Entre as chamadas “salvaguardas institucionais” impostas pelos ministros do STF, estava o critério do marco temporal. Que, anos depois, o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) e a Procuradoria-Geral estadual usaram para fundamentar uma ação judicial em que pedem a reintegração de posse de parte da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ.
De acordo com os órgãos catarinenses, até 2009, quando cerca de 100 indígenas Xokleng ocuparam e passaram a reivindicar a área do município de Itaiópolis como seu território original, ali estava estabelecida a Reserva Ecológica Estadual do Sassafrás.
A disputa possessória envolvendo a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ foi parar no STF. Em 2019, o STF reconheceu a repercussão geral da ação movida pelos órgãos públicos catarinenses. Com isso, impôs-se a interpretação de que a decisão que a Corte tomar neste julgamento subsidiará todas as demais ações judiciais envolvendo questionamentos ao reconhecimento de territórios indígenas.
Na ocasião em que o julgamento voltou a ser interrompido, em junho, dois ministros, Edson Fachin e Alexandre de Moraes, já tinham se manifestado contra a tese do marco temporal, enquanto Nunes Marques votou a favor. Faltam votar os ministros André Mendonça, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e a presidenta do tribunal, Rosa Weber.
Quando Mendonça pediu mais tempo para decidir seu voto, Rosa Weber pediu que ele devolvesse o processo a tempo de ela votar. Rosa deve deixar o STF até outubro deste ano, quando completa 75 anos e, por lei, deve se aposentar obrigatoriamente.
Com informações da Apib e Agência Brasil