DIREITOS INDÍGENAS

Marco temporal: Justiça proíbe protestos de indígenas em rodovias de SP

Decisão do TJSP proíbe que manifestações na Rodovia dos Bandeirantes, estipula multa de R$ 20 em caso de descumprimento e autoriza o uso de força policial

Créditos: @richard_wera_mirim - Manifestantes protestam contra o Marco Temporal na Rodovia dos Bandeirantes, em SP.
Escrito en BRASIL el

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu proibir indígenas de protestarem contra o marco temporal na Rodovia dos Bandeirantes. Manifestações sobre o tema já haviam ocorrido no local ao longo da semana.

A decisão abrange os protestos programados para este domingo (4). A decisão da desembargadora Maria Lúcia Pizzotti determinou que as manifestações não podem ocorrer na pista principal nem no acostamento da rodovia.

A magistrada revogou uma liminar concedida em primeira instância que havia permitido que os indígenas realizassem protestos em um trecho da rodovia anteriormente.

A desembargadora argumentou que o protesto deve ser proibido devido à "possibilidade de violação da integridade física dos próprios manifestantes" em caso de acidentes potenciais.

"Não se está negando o direito de manifestação de qualquer cidadão, garantido constitucionalmente, mas apenas que seja exercido em local adequado", afirmou Pizzotti na decisão.

Na decisão, Pizzotti chegou a citar o exemplo dos peregrinos que vão ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida.

Multa

Foi estabelecida uma multa de R$ 20 mil caso os protestos ocorram, e foi autorizado o uso de força policial para garantir o cumprimento da medida.

Nesta semana, ocorreu um protesto de grupos indígenas contra o marco temporal na Rodovia dos Bandeirantes, com bloqueio da via na manhã de terça-feira (30/5).

Protestos

Na madrugada da última terça-feira (30), indígenas Guarani, da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo, travaram a rodovia Bandeirantes em protesto contra o marco temporal. Ao final da manifestação, eles foram reprimidos pela PM do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas com gás lacrimogêneo.

Marco temporal

O marco temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais se estivessem ocupando essas terras em 5 de outubro de 1988, data da publicação da Constituição Federal do Brasil.

Segundo essa tese, as terras que estavam desocupadas ou ocupadas por outras pessoas naquela data não podem ser demarcadas como terras indígenas. Esses territórios podem ser considerados propriedade de particulares ou do Estado, e não mais dos povos originários que a habitam.

A tese tem sido defendida por setores ruralistas e políticos contrários aos direitos dos povos indígenas, que argumentam que a falta de uma data definida para a ocupação das terras pelos indígenas gera insegurança jurídica e conflitos fundiários.

Por outro lado, o marco temporal é amplamente criticado por juristas, organizações indígenas, movimentos sociais e ambientalistas, que apontam que a tese é um retrocesso aos direitos dos povos indígenas e uma afronta à sua dignidade e sobrevivência.

Além disso, muitas comunidades indígenas foram expulsas de suas terras durante a ditadura militar e só conseguiram retornar após a data estabelecida pela tese, o que pode resultar em graves violações dos direitos humanos desses povos.

Julgamento no STF

A votação do marco temporal na Câmara antecedeu a retomada do julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), agendado para a próxima quarta-feira (7).

O julgamento na Suprema Corte trata de uma ação envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. 

A discussão sobre o marco temporal no âmbito do judiciário teve início em 2009, durante o julgamento do caso Raposa Serra do Sol. Esse julgamento, ao mesmo tempo que reconheceu a demarcação das terras indígenas, impôs, naquele caso específico, uma série de condicionantes chamadas de “salvaguardas institucionais”, entre elas, o critério do Marco Temporal.

Baseando-se nas condicionantes desse julgamento, foi realizada uma série de instrumentos anulando a demarcação de terras indígenas e determinando o despejo de comunidades inteiras.

Diante disso, tanto as comunidades e organizações indígenas quanto o Ministério Público Federal (MPF) recorreram, buscando com isso, uma nova manifestação da Corte, para definir se as condicionantes se estendiam automaticamente às outras terras ou não. Instaurou-se o debate sobre se essas “salvaguardas” ou “19 condicionantes” deveriam ser seguidas em todos os processos de demarcação de terras indígenas.

Em 2013, o STF analisou os recursos, decidindo que as condicionantes do julgamento Raposa Serra do Sol “não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas (…). A decisão vale apenas para a terra em questão”. O que não impediu que o argumento continuasse sendo utilizado por parlamentares e juristas que advogam para os interesses do agronegócio e do capital.