CASO MARIANA FERRER

Jornalista que expôs audiência degradante de Mariana Ferrer é condenada

Enquanto isso, magistrado que permitiu as humilhações contra vítima recebeu reprimenda leve do CNJ; Abraji afirma que decisão “fere a liberdade de imprensa”

Julgamento do caso Mariana Ferrer.Créditos: Reprodução de vídeo
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A jornalista Schirlei Alves foi condenada pela Justiça de Santa Catarina a seis meses de prisão em regime aberto pelo crime de difamação, que teria sido cometido em sua série de reportagens veiculadas em 2020 no Intercept Brasil, denunciando as humilhações sofridas por Mariana Ferrer durante julgamento do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprá-la.

Schirlei deverá pagar R$ 400 mil de reparação individual, divididos igualmente entre o juiz Rudson Marcos e o promotor Thiago Carriço, que atuaram no caso Mariana Ferrer e processaram a repórter e o Intercept. A Justiça também estabeleceu uma multa 20 dias de multa quantificada a 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos. O processo corre em segredo de Justiça, mas a decisão, de 28 de setembro deste ano, foi obtida pela Folha de S. Paulo.

Condenação foi pelo uso do termo “estupro culposo”

Aranha, filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, foi absolvido das acusações em setembro de 2020, mesmo com Mariana Ferrer apresentando provas de que o empresário a teria drogado e estuprado. Em novembro daquele ano, vídeos da audiência de instrução e julgamento, ocorrida em julho, foram divulgados pelo Intercept Brasil, na reportagem de Schirlei Alves.

Entre denúncias de humilhações cometidas pelo advogado de defesa Cláudio Gastão da Rosa Filho contra Mariana, o qual mostrou fotos sensuais da jovem feitas antes do crime como argumento de que a relação foi consensual, o veículo noticiou que Aranha teria sido absolvido pelo juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, sob o pretexto de “estupro culposo”.

No entanto, o termo não é citado na sentença, nos autos ou nas alegações finais do Ministério Público (MP). A jornalista explica na reportagem que a expressão foi usada para resumir o entendimento do juiz sobre o caso, que disse que “a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto intenção de estuprar”.

Foi o uso desta expressão que acarretou na condenação de Schirlei. A juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, da 5ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis, considerou que a jornalista cometeu o crime de difamação contra funcionário público em razão de suas funções, ao atribuir ao juiz o uso da tese inédita de “estupro culposo”.

A juíza afirmou que as consequências da reportagem foram "nefastas" e "alcançaram principalmente o público de todo o Brasil". Andrea disse ainda que o exercício da liberdade de expressão “não pode ultrapassar o direito à honra da vítima em razão da divulgação de notícias falsas ou fora do contexto da realidade”.

Abraji afirma que decisão “fere a liberdade de imprensa”

A presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Katia Brembatti, repudiou a decisão, chamando-a de “desproporcional” e que “fere a liberdade de imprensa” e “abre um caminho perigoso”.

Ela ainda falou sobre a pena de "indenização exorbitante e totalmente incompatível com sua renda, o que mostra uma tentativa de intimidar e silenciar os jornalistas".

“Meu único desejo era expor a verdade e foi isso que fiz. Apesar do enorme custo pessoal e profissional, eu faria isso de novo hoje. Agora, espero que o sofrimento de Mari Ferrer e o meu possa levar a mudanças para que mais mulheres não tenham que passar por aquilo a que fomos submetidas. Nós merecemos o melhor”, afirmou Schirlei Alves ao Intercept.

O advogado do veículo e da jornalista, Rafael Fagundes, afirmou que “a sentença ignorou a realidade dos fatos e a prova dos autos, resultando em uma decisão flagrantemente arbitrária e ilegal”.

“A sentença cometeu uma série de erros jurídicos primários, agravando artificialmente a condenação e contrariando toda a jurisprudência brasileira sobre o tema. Incapaz de esconder preocupações corporativistas, essa sentença pode servir como uma ameaça contra aqueles que ousam denunciar os abusos eventualmente cometidos pelo Poder Judiciário”, concluiu.

Juiz recebeu reprimenda leve

Após a repercussão da sentença que absolveu Aranha, o juiz Rudson Marcos foi julgado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por não reagir diante dos ataques do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho contra a vítima, permitindo que ocorresse “uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual”.

Nesta terça-feira (14), o magistrado recebeu uma pena de advertência do CNJ, considerada a mais leve prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).

Após a decisão de Rudson Marcos em 2020, o empresário André de Camargo Aranha foi absolvido novamente, em segunda instância, em outubro de 2021.

Ele foi acusado de estuprar a influenciadora Mariana Ferrer em 16 de dezembro de 2018, no beach club Café de La Musique, em Florianópolis (SC). O caso foi tornado público pela própria Mariana em 2019, com o objetivo de acelerar as investigações, que estariam sendo retardadas pela influência de Aranha.

* Com informações da Folha de S.Paulo e do Intercept