Ao longo das últimas semanas, um assunto no mínimo inusitado dominou redes sociais, calorosos debates no trabalho, em família, até em mesas de bar, e dividiu opiniões: bebês reborn. Para quem não sabe, se é que ainda há quem não saiba, são bonecos hiper-realistas que imitam recém-nascidos.
O tema tem ganhado cada vez mais espaço na internet e, principalmente, nos braços de influenciadores digitais. O sucesso não é por acaso: estética delicada, apelo emocional e conteúdo que viraliza com facilidade ajudam a popularizar essa prática.
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Porém, junto ao aparente divertimento inofensivo, temos observado um fenômeno que ultrapassa os limites do lúdico. O que antes era apenas mais um brinquedo voltado ao público infantil ou um hobby colecionável, em alguns casos, passou a ocupar o lugar de relações reais.
No auge do exagero, podemos observar adultos simulando rotinas completas de cuidados com os reborns, como se fossem bebês reais: dando mamadeira, colocando para dormir, saindo para passear, registrando tudo em redes sociais, e, até mesmo, criando laços emocionais profundos com os bonecos.
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A psicóloga Amanda Torres alerta que esse comportamento merece atenção. “Quando o brincar se transforma em substituição emocional, na psicologia, falamos constantemente sobre a importância das interações sociais reais para uma vida mental e emocionalmente saudável. O convívio com o outro, a troca de afeto, o vínculo construído com base em experiências compartilhadas são fundamentais para a saúde psíquica. Mas, quando passamos a projetar essas interações em algo que não interage de volta, corremos o risco de substituir o real pelo simbólico, e viver em uma bolha de fantasias que alimenta, muitas vezes, a solidão e o isolamento”, analisa.
Questões emocionais profundas
De acordo com a especialista, essa prática pode estar ligada a questões emocionais mais profundas. “Como perdas mal resolvidas, lutos não vivenciados ou ausências afetivas significativas. A dor que não foi acolhida, ou mesmo compreendida, encontra uma maneira de se expressar; e o reborn se torna um ‘preenchimento emocional’, um tipo de anestesia para a dor da perda”.
Amanda ressalta, ainda, um aspecto simbólico que chama a atenção nesse tipo de vínculo. “O bebê reborn nunca cresce. E isso diz muito. Outro ponto importante a se considerar é que o bebê reborn nunca vai crescer. Ele permanece eternamente recém-nascido, dependente, frágil; e isso pode ter um significado profundo para quem o adota emocionalmente. Em alguns casos, esse apego pode estar ligado à ‘síndrome do ninho vazio’, uma condição emocional vivenciada, principalmente, por mães e cuidadores quando os filhos crescem e saem de casa, deixando uma sensação de vazio, perda de propósito ou solidão”.
Na avaliação da psicóloga, o reborn, nesse contexto, pode representar a tentativa inconsciente de reter o tempo, manter por perto o cuidado que antes era destinado a um filho real, ou até reviver um vínculo que foi interrompido por alguma perda. “É aí que o brincar se transforma em substituição emocional e, por isso, precisa ser olhado com carinho e atenção”.
Diante de situações em que o faz de conta começa a interferir no cotidiano, Amanda alerta sobre o momento de buscar auxílio. “A vida solitária, muitas vezes, nos leva a buscar soluções imediatas para aliviar dores que não conseguimos nomear. Mas é preciso atenção: se a brincadeira com o bebê reborn está interferindo no convívio social, ocupando espaço na rotina como se fosse um bebê real, ou afastando a pessoa de vínculos reais, é hora de buscar apoio”.
Ela reforça que procurar ajuda profissional é um sinal de coragem. “Buscar ajuda psicológica não é sinal de fraqueza. Pelo contrário, é um ato de coragem e de autocuidado. Psicólogos e psiquiatras estão preparados para acolher com empatia e auxiliar no processo de compreender essas dores internas que, muitas vezes, não conseguimos expressar sozinhos”.
Fantasia tem seu lugar, mas realidade é insubstituível
Embora a fantasia tenha seu lugar, Amanda lembra que a realidade é insubstituível. “Fantasiar é humano. Mas viver é real, a fantasia pode ser um espaço de refúgio. Mas viver com saúde emocional exige vínculos verdadeiros, relações reais, experiências que nos movimentam. A vida real pode ser difícil, mas é nela que as verdadeiras conexões acontecem”.
A profissional ressalta, também, que cada caso é único e merece atenção especializada. “Cada história tem suas particularidades, suas dores e seus contextos. Por isso, é fundamental procurar um profissional qualificado, como um psicólogo ou psiquiatra, que possa avaliar, de forma individualizada, o que está por trás desse vínculo com o bebê reborn”, orienta.
“O brincar pode e deve ser saudável, leve e criativo. Mas, quando começa a ocupar o lugar de vínculos reais ou a funcionar como um ‘preenchedor’ de lacunas emocionais, é sinal de que algo mais profundo precisa ser olhado com cuidado e empatia”, completa Amanda, presidente da Unipsico, cooperativa de psicólogos, e sócia da Clínica Florescendo, na Baixada Santista.
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