Uma recente nota do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) destacou preocupação com as Tomadas Públicas de Subsídios (TPS) anunciadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) entre os dias 15 e 17 de outubro. As TPS propõem alterações nas diretrizes de preços e reajustes, além de reavaliar as normas de cobertura dos planos de saúde, o que significa um retrocesso nos direitos dos consumidores.
A diretoria da ANS anunciou no dia 27 de setembro uma série de mudanças para o mercado de planos de saúde. A agência propôs uma audiência pública virtual, marcada às pressas, com documentos divulgados em cima da hora, na noite de 1º de outubro, um conjunto variado e complexo de medidas que poderiam comprometer a proteção e a garantia dos direitos dos consumidores de planos de saúde.
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A previsão era de que a audiência ocorresse na segunda-feira seguinte (7). Os temas abordados foram: revisão de preços e reajustes em planos coletivos, revisão de franquias e coparticipações, reajuste por revisão técnica e a exclusão da cobertura de urgência e emergência em planos ambulatoriais. Com mais de 500 participantes, a audiência pública também foi marcada por críticas à limitação do tempo de fala das manifestações dos consumidores.
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Confira ponto a ponto das propostas, segundo informações do Idec:
Planos ambulatoriais
Uma das principais reivindicações das operadoras de planos de saúde é a permissão para comercializar produtos que não cobrem terapias, internações hospitalares ou atendimentos de urgência e emergência, o que descaracterizaria a essência do que conhecemos como plano de saúde. Esses produtos são conhecidos como "planos exclusivamente ambulatoriais".
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“Vale dizer que já existe um mercado de cartões de desconto e outros tipos de convênios desse tipo, mas eles não devem ser confundidos com a definição de planos de saúde regida pela Lei nº 9.656 (1998). A afirmação de que eles têm baixo potencial de comercialização não tem respaldo técnico e, ao mesmo tempo, ameaça reduzir coberturas de contratos atuais, autorizando uma confusão conceitual prejudicial ao consumidor”, completou o Instituto de Defesa do Consumidor.
Embora a questão dos planos ambulatoriais não tenha sido explicitamente abordada na audiência pública, a presidência da agência autorizou a discussão do tema em uma futura Tomada Pública de Subsídios, que promoverá a participação social em um momento posterior.
Revisão técnica
Essa prática, que permite a empresas em dificuldades financeiras aumentar as mensalidades de contratos individuais e familiares acima do teto estabelecido pela ANS, é considerada vedada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
“Ao autorizar a alteração unilateral do preço, violando os princípios que deveriam reger essa relação de consumo. Ela coloca o consumidor em extrema desvantagem e insegurança. Na prática, ela estimula a ineficiência e compromete a efetividade do teto de reajustes”, disse o Idec. “Os dados mencionados para sugerir a implementação do reajuste por revisão técnica indicam que a medida não tem conexão com problemas reais, visto que nos contratos individuais a sinistralidade é mais baixa do que a média do mercado”.
“Essa proposta pode levar à precarização do mercado e deixar consumidores desamparados em momentos críticos de necessidade de cuidados médicos, criando uma assimetria de informações prejudicial àqueles que mais precisam de assistência, como idosos, crianças com Transtorno do Espectro Autista e PCD’s. Temos falado isso há tempos e seguimos defendendo até que seja de fato ouvido”, reforçou Lucas Andrietta, coordenador do Programa de Saúde do Idec.
Ampliação do agrupamento de contratos
De acordo com o Idec, já foram apresentadas várias sugestões para a regulação de planos coletivos, com propostas enviadas à agência em diversas ocasiões e solicitado uma audiência pública específica sobre o assunto. O mais recente pedido ocorreu em 27 de setembro.
“A ampliação do agrupamento de contratos (ou pool de risco) nos contratos coletivos pequenos (até 30 consumidores), é uma medida há muito reivindicada pelo Idec e por outras entidades de defesa do consumidor, mas que deve ser acompanhada sobre a necessidade urgente de limitação dos reajustes de planos coletivos. O princípio do mutualismo só funciona na prática quando um grupo grande de pessoas financia e distribui os riscos associados a despesas assistenciais, disse a nota.
A ausência de transparência e a disparidade nas informações indicam que “as decisões da diretoria podem não ser compatíveis com o posicionamento do próprio corpo técnico da agência. A ANS deve justificar e embasar tecnicamente uma proposta para ampliação do pool de risco”, completaram.
Franquias e coparticipações
Em síntese, franquia e coparticipação são taxas adicionais que podem ser cobradas além da mensalidade do plano de saúde, dependendo do uso. Ambos os encargos só podem ser aplicados se estiverem explicitamente mencionados no contrato.
“Na prática, o que se verifica é que muitas pessoas consumidoras reclamam dos valores cobrados. A antiga regra chegou a ser revogada, inclusive, frente às críticas que a resolução recebeu, por autorizar percentual de coparticipação até 60%”, afirmou o Idec.
No dia 16 de outubro, o Idec enviou um ofício à ANS pedindo a disponibilização de documentos essenciais e a extensão do prazo para envio de contribuições, que atualmente termina em 31 de outubro. “Seguiremos firmes, na linha de frente, monitorando o processo e atuando para que as mudanças propostas não comprometam os direitos conquistados com tanta luta pelas pessoas consumidoras”, declarou Andrietta.
Acordo de Lira com planos de saúde
Arthur Lira (PP-AL) tem negociado um acordo com os planos de saúde para desregulamentar o setor. Os planos de saúde cessaram os cancelamentos unilaterais contra os clientes no início do ano, mas entregaram uma série de demandas para transformar o sistema de saúde complementar em uma emulação do sistema estadunidense.
Esses cortes tinham um propósito: excluir clientes que demandavam mais dos planos, como pessoas com autismo, idosos e pacientes oncológicos. Atualmente, os planos de saúde são regulamentados pela Agência Nacional de Saúde e são obrigados a oferecer uma série de coberturas - o chamado rol da ANS. A principal batalha deste grupo empresarial é retirar tratamentos obrigatórios dos planos.
Anteriormente, em uma matéria da Fórum, falamos sobre as ações judiciais contra a HapVida Notredame, que descumpriu reiteradamente ordens judiciais para fornecer medicamentos a clientes em tratamento contra doenças graves, como o câncer. Agora, os planos de saúde se sentam com Arthur Lira para abrir uma desregulamentar a saúde privada, como, por exemplo, retirar a cobertura de internações.
Isso signfica que as empresas privadas poderiam oferecer planos mais baratos - em tese - com cobertura de saúde para exames e consultas. Em caso de internações, a empresa não cobriria os custos.
Não se trata do plano de saúde ambulatorial, que já existe e só prevê atendimento em questões urgentes, mas de um novo segmento, chamado híbrido ou segmentado, que retiraria direitos dos clientes de planos hospitalares.
O sistema é parecido com o estadunidense, em que os planos de saúde mais básicos podem não cobrir internações, ambulâncias ou mesmo medicações simples. O paciente então teria duas opções: pagar um valor exorbitante pela sua internação na saúde privada ou ir para o sistema público de saúde, pressionando a capacidade dos hospitais brasileiros.
Este tipo de plano mais barato serviria para reduzir a "judicialização da saúde", ou seja, proteger os planos de saúde de seus próprios clientes. O governo, neste semana, conseguiu reduzir uma alta nos preços dos planos de saúde, o que tem causado desconforto entre a saúde suplementar e o governo.
Arthur Lira, que tem pressionado Lula, não teria problemas em ver a saúde sendo encurralada e ver a medida prejudicando o Executivo. É, na verdade, mais uma parte de suas pressões frequentes contra o Planalto enquanto presidente da Câmara.
Apenas no último trimestre de 2023, a partir de outubro do ano passado, a agência registrou 1.317 queixas, um aumento de 54% em relação ao mesmo período de 2022. No início do ano, foram feitas mais 6 mil reclamações no portal do consumidor, um aumento de mais de 300%.
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