É fato que as mulheres vivem mais que os homens. A expectativa delas é de 80,5 anos, enquanto a deles é de 73,6. Além disso, estudos apontam que a taxa de mortalidade feminina no Brasil é menor do que a masculina. No entanto, são elas também as mais afetadas por doenças como depressão, Alzheimer e osteoporose.
As razões para isso vão de questões biológicas a sociais. Biologicamente, a explicação é que, com a diminuição do estrogênio, hormônio sexual responsável pela proteção da saúde, faz com que as mulheres fiquem mais vulneráveis a doenças.
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Já socialmente, a estrutura patriarcal é um dos fatores. A sobrecarga de tarefas, a desigualdade salarial e as diversas formas de violência impactam diretamente na saúde da mulher.
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Luciana Barrancos, gerente executiva do Instituto Cactus, em entrevista ao Uol, explica que “o gênero, no geral, define o poder que homens e mulheres vão ter sobre os determinantes socioeconômicos da sua saúde mental e das suas vidas”.
A seguir, entenda a maior incidência de determinadas doenças em mulheres.
Transtornos mentais
Segundo estudos, a depressão acomete quase duas vezes mais mulheres do que homens. O gatilho para a doença pode estar relacionado às alterações hormonais na vida de uma mulher: puberdade, fases da menstruação, gravidez e menopausa.
Especialista em psiquiatria, o médico Sérgio Rocha, explica que o estrogênio facilita a atuação de neurotransmissores ligados ao humor e ao bem-estar, como a serotonina.
Logo, a redução do hormônio, o que acontece principalmente após os 40 anos, tem impacto. "Ciclicamente e naturalmente, gera exposição à possibilidade de deprimir, ficar ansiosa, insone, sintomas que são comuns e não necessariamente é depressão", diz.
A permanência desses sintomas, somada a fatores genéticos, sociais e ambientais, pode levar a mulher a um transtorno mental.
Uma dúvida que fica com essa explicação é: por que os homens têm taxas menores de depressão se eles não têm estrogênio tanto quanto as mulheres?
De acordo com pesquisas, a testosterona no cérebro masculino é convertida em estrogênio.
Com o impacto das questões estruturais da sociedade, que atravessa o debate de gênero na saúde mental, a mulher está em desvantagem. "Uma a cada cinco mulheres apresentam transtornos mentais comuns, como ansiedade e depressão. Se a gente coloca fator externo, como alta sobrecarga, vai de uma a cada duas mulheres", destaca Luciana.
Os dados são de um levantamento do Instituto Cactus em parceria com o Instituto Veredas, lançado em 2021. O material também destaca a dupla opressão para mulheres negras, com preconceitos de gênero e raça afetando a saúde mental delas.
Causas associadas à depressão em mulheres:
- Violência física e sexual, relatada por quase 30% das meninas entre 15 e 19 anos;
- Gravidez na adolescência, que muda a projeção de vida e saúde mental;
- Abuso de álcool, que tem levado a mais mortes de mulheres do que de homens;
- Baixa escolaridade, sendo que estudantes com depressão têm duas vezes mais chance de evadir a escola;
- Transtornos alimentares, que afetam principalmente mulheres e pessoas jovens.
Doenças ósseas
Dentre todas as doenças ósseas, a osteoporose é a que mais afeta as mulheres em relação aos homens, a partir dos 50 anos. É uma doença causada pela perda natural de massa óssea com o passar do tempo, que gera ossos ocos, frágeis, finos e, consequentemente, mais vulneráveis a fraturas. Ela ocorre de maneira silenciosa e progressiva.
Novamente, a diminuição do estrogênio na menopausa é um fator. "A deficiência estrogênica e, consequentemente a perda óssea, causam um quadro de osteopenia e, posteriormente, de osteoporose", diz o ortopedista Pedro Tenório, gerente médico da farmacêutica EMS.
A doença acomete 21,2% das mulheres e 6,3% dos homens, segundo a Fundação Internacional de Osteoporose.
Ainda de acordo com Tenório, o estrogênio em menor quantidade também pode comprometer as articulações, piorando os sintomas da artrose e da artrite reumatoide, por exemplo.
"Apesar da associação cada vez mais evidente entre este hormônio e a artrite reumatoide, ainda não se conhecem os mecanismos desta relação", pontua. No caso da artrose, é mais provável afetar o joelho das mulheres do que dos homens.
Para reduzir a incidência da doença, é recomendado ter hábitos saudáveis e fazer a reposição hormonal com acompanhamento da saúde dos ossos através do exame de densitometria óssea.
"O exame não é preventivo, precisa ter hipótese para justificar sua realização. Mas a mulher com histórico de osteoporose, jovem com menopausa precoce ou paciente que começou a ter queda de hormônios, seria interessante fazer avaliação", diz Marcelo Mamede, especialista em medicina nuclear da Clínica Villela Pedras.
Doenças cardiovasculares
Outro dado indica que as doenças do coração ocorrem mais em homens. Enquanto jovens, ambos os sexos têm um risco maior de morrer ao sofrer um evento cardíaco do que pessoas com mais de 50 anos.
Porém, na faixa etária da juventude, as mulheres são mais propensas a morrer após um ataque cardíaco, segundo a Federação Mundial do Coração.
A explicação se encontra na própria anatomia do coração feminino, que é geralmente menor do que o masculino e possui artérias mais finas
Tais características podem gerar uma menor resistência a um evento cardiovascular. Ainda há estudos que falam de distúrbios relacionados à gravidez e questões socioeconômicas.
Mais uma vez, o estrogênio está relacionado ao quadro. Ele ajuda no controle da pressão arterial, no fluxo sanguíneo e no batimento do coração, mas sua diminuição compromete as artérias e o músculo do coração.
Ainda é preciso considerar a sobrecarga de tarefas às mulheres, o que torna os problemas cardiovasculares mais frequentes. "Nos últimos 30 anos, a taxa de infarto do coração tem sido maior nas mulheres", comenta o cirurgião cardiovascular Edmo Atique Gabriel.
O médico relata que tem operado mulheres jovens com mais frequência do que há dez anos. "Elas passaram a ter atividades profissionais e hábitos de vida que exigem muito estresse, muitas horas de desgaste e poucas horas de sono."
O especialista defende o desenvolvimento de protocolos de saúde cardíaca para mulheres na menopausa e um esforço estrutural de conscientização.
“Há um problema de saúde pública que é carência de campanhas de conscientização, principalmente ao público feminino. Focam sempre no câncer ginecológico e de mama, mas se esquecem de elementos anatômicos e fisiológicos que colocam a mulher em risco.” Edmo Atique Gabriel
Por falta de informação, as mulheres tendem a menosprezar os riscos cardiovasculares na menopausa. "Elas falam dos calores, mas não do nível de colesterol, arritmia, como se isso fosse só consequência do envelhecimento", alerta o médico.
Doenças autoimunes
O crescimento de doenças autoimunes indica que a genética não é causa exclusiva dessas enfermidades. "Certamente tem mudança ambiental, exposição, hábito de vida, consumo de produto industrializado que favorecem o aparecimento de doenças autoimunes", afirma Filipe Sarinho, imunologista e alergologista do Real Hospital Português, no Recife.
Apesar de algumas doenças acometerem mais os homens, no geral, considera-se de duas a quatro mulheres para cada homem com doença autoimune. Lúpus, artrite reumatoide e tireoidite de Hashimoto, por exemplo, podem atingir até 70% de mulheres.
Por enquanto, as explicações ficam mais nas hipóteses e teorias do que nas comprovações científicas.
Hipóteses
- O sistema imunológico da mulher é mais agressivo.
Em épocas onde não existiam vacinas e antibióticos, era papel apenas do sistema imunológico proteger o corpo de infecções e bactérias. No caso da mulher, ele precisava ser mais potente pelo fato dela ser capaz de engravidar. "Nos últimos 50 anos, com mudança de estilo de vida, higiene e uso de antibióticos, é como se o sistema imunológico tivesse perdido seu papel principal. E na falta de patógenos, ele atacaria o próprio corpo", explica o médico.
Embora homens e mulheres tenham células de defesa iguais, elas seriam mais ávidas e entrariam em ação mais rapidamente no grupo feminino. Estudos corroboram essa hipótese, mas ela tem fragilidades. “Algumas doenças autoimunes têm prevalência na mulher mesmo após a idade fértil (quando não poderia engravidar), com 40, 50 anos”, diz Sarinho.
- Mais uma vez, o estrogênio
Essa hipótese defende que o hormônio, por ativar as células de defesa, faz com que o sistema imunológico fique em estado de alerta e ataque o organismo. A ideia, porém, encontra uma barreira no fato de que a reposição hormonal não está associada ao aumento das doenças autoimunes.
Nessa linha de pensamento, o papel do microbioma e do uso indiscriminado de antibióticos também é considerado. Outro fator seria o cortisol: pessoas estressadas, com privação de sono e nutricional, têm nível mais elevado desse hormônio, o que propicia alterações no sistema imunológico.
"A principal questão das doenças autoimunes é que são multifatoriais. Não é um único gene, são vários; não é um único fator ambiental nem hormonal provavelmente", reforça Sarinho, que fala do alto grau de complexidade para compreender essas enfermidades.
Doenças neurológicas
As explicações para maior incidência dessas doenças em mulheres também são hipotéticas. Enquanto a doença de Alzheimer e a Esclerose Múltipla afetam mais elas, a doença de Parkinson é mais vista neles.
No Alzheimer, em que dois terços dos pacientes são do sexo feminino, a genética é responsável por 60% dos casos. Segundo estudos, algumas dessas mulheres têm uma mutação vinculada ao gene APOE4, ligado ao desenvolvimento da doença. "Quando uma mulher tem essa mutação, ela tem um risco até 12 vezes maior do que os homens que têm a mutação", diz a neurologista de Curitiba Karen Socher, integrante do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da Faculdade de Medicina da USP.
A menopausa também poderia ter influência, segundo as teorias:
A neurologista relata que, na prática, as mulheres têm uma maior tendência ao esquecimento devido à desregulação hormonal. Alguns especialistas acreditam que, na menopausa, as células de defesa do corpo não agem de forma adequada para combate às proteínas ligadas ao Alzheimer, e por consequência, geram neuroinflamação.
Estudos já sugeriram que reposição hormonal pode reduzir o risco de Alzheimer, mas nada conclusivo ainda. O tratamento também não teria efeito imediato, porque o acúmulo das proteínas ligadas à doença ocorre de dez a 15 anos antes dos sintomas.
Para avaliação socioambiental, foi realizado um estudo com primatas onde observou-se que nos machos, o estresse era gerado em situações de caça. Já as fêmeas estavam sempre em estado de alerta para manter seus filhos seguros. Isso mantinha o nível de cortisol (hormônio do estresse) alto.
“É um conjunto de coisas. A mulher tem estresse maior, escolaridade baixa, sofre violências, tem estudo mostrando que os hormônios influenciam na maturação cerebral e na rede de conexão de neurônios.” Karen Socher, neurologista
Então as mulheres estão condenadas?
Depois de tantas previsões ruins para as mulheres, você deve estar pensando que elas estão condenadas pela natureza. Mas não é bem assim.
Apesar de não ser possível controlar totalmente as influências biológicas, há cuidados que podem reduzir os danos. Alimentação saudável e prática de exercícios físicos são alguns deles.
Mas também é importante ressaltar que a estrutura social exerce influência nos quadros. Muitas mulheres não têm acesso ao básico de saúde e educação, precisam estar sempre reivindicando políticas públicas contra a violência e melhores condições de trabalho, divisão justa das tarefas domésticas e no cuidado dos filhos, enfim, são muitas as demandas em cima delas.