A Proposta de Emenda Constitucional 10/2022, conhecida como PEC do Plasma, pode "gerar um risco de apagão na oferta de sangue", segundo Carlos Gadelha, secretário do Ministério da Saúde. A proposta altera o Artigo 199 da Constituição Federal que proíbe a comercialização de órgãos e tecidos humanos, incluindo o sangue e seus componentes, como o plasma.
Em votação nominal na última quarta-feira (4), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a proposta de comercialização do plasma sanguíneo por instituições privadas para a coleta e o processamento do hemoderivado. A votação na CCJ foi apertada: 15 senadores à favor da PEC e 11 contra.
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O contexto da PEC no Brasil de hoje
Em nota publicada em 15 de setembro, o Ministério da Saúde declarou ser "contrário à remuneração, compensação ou comercialização na coleta de sangue ou de plasma, uma vez que isso desestruturaria a política nacional de sangue, referência mundial pela sua excelência e capacidade de atender a todos os brasileiros".
O responsável pela coleta e o processamento do plasma no Brasil é o Sistema Único de Saúde (SUS). A unidade da Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia) em Goiana (PE), maior do gênero na América Latina, tem capacidade para processar 500 mil litros de plasma ao ano.
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A Hemobrás é uma empresa pública vinculada ao Ministério da Saúde. "A pandemia [de Covid-19] revelou que a tecnologia nacional em áreas de alta vulnerabilidade, como vacinas e hemoderivados, só foi garantida quando houve participação importante do Estado, em parceria com o setor privado. Atacar o projeto Hemobrás seria gerar insegurança sanitária", alega o secretário.
Senadores favoráveis à PEC dizem que a Hemobrás não garante atendimento completo à população brasileira, o que exige assistência externa. De acordo com a relatora, senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), o Tribunal de Contas (TCU) informou o Ministério da Saúde do desperdício de cerca de 600 milhões de litros de plasma no Brasil em 2020.
O valor é equivalente a 2,7 milhões de doações de sangue e causa prejuízo financeiro de R$ 1,3 bilhão por ano, conforme o Ministério Público (MP). A produção de hemoderivados não teria contado com o plasma: "Ou seja, o Brasil capta sangue, aproveita os glóbulos vermelhos e, muitas vezes, o plasma é desperdiçado", disse Daniella Ribeiro.
Importante destacar ainda o caráter estratégico do setor para a autonomia nacional. Atualmente, o plasma doado no país atende exclusivamente às necessidades da população brasileira e retorna a ela em medicamentos. [...] Hoje, o SUS presta o atendimento a 100% de seus pacientes que precisam de hemoderivados.
"A exportação do plasma brasileiro prejudicaria a assistência à população, principalmente as pessoas com hemofilia e outros problemas de coagulação sanguínea, e deixaria o país mais vulnerável diante de catástrofes ou emergências", explica o Governo Federal, na nota da Saúde.
Risco na oferta de sangue
A PEC determinaria o caráter de exceção do plasma no Artigo 199 da Constituição Federal. Com o novo trecho, seria incluída a possibilidade de comercialização do hemoderivado para fins de transplante, pesquisa e tratamento.
"A coleta, o processamento e a comercialização de plasma humano pela iniciativa pública e pela iniciativa privada para fins de uso laboratorial, desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de medicamentos hemoderivados destinados a prover preferencialmente o SUS", diz a proposta.
Para Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo do Ministério da Saúde, a possibilidade de comercializar o plasma humano poderia desincentivar a doação voluntária de sangue, tendo em vista a remuneração recebida de instituições privadas pelos potenciais doadores.
O Ministério da Saúde considera que qualquer mudança que afete as doações voluntárias incorre em risco de desabastecimento nas emergências hospitalares e para quem precisa de transfusões regularmente. A pasta reforça que o caráter voluntário das doações é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ao comercializar o plasma, você pode gerar um risco de apagão na oferta de sangue. A gente tem um risco de dar uma pancada na disponibilidade de sangue, plasma e hemoderivados no Brasil.
A comercialização do plasma também abriria a possibilidade de compensação financeira de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica em detrimento da saúde. "Há que se evitar a repetição do cenário vivido na década de 1980, quando pessoas mais pobres vendiam sangue por valores irrisórios e com controles precários contra a contaminação de doenças, como HIV e hepatites", comenta a Saúde.
Na votação da PEC na CCJ, a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) apontou que o comércio de plasma incentivaria o comércio de órgãos humanos. "O objetivo do comércio é lucro. Sangue é vida", contestou.
O argumento de Mara foi sustentado por Zenaide Maia (PSD-RN) que afirmou: "Não vamos permitir que o sangue seja uma commodities. Isso aqui é comercializar parte do corpo humano". Para ela o fato da Hemobrás não garantir o atendimento de 100% da necessidade da população brasileira não justifica a comercialização.
Com informações da Carta Capital.