A luta dos servidores da saúde municipal do Rio de Janeiro por melhores salários e condições de trabalho, e principalmente pela aprovação do Plano de Cargos, Carreira e Salários (PCCS), foi árdua na última década e os relatos de estafa física, mental e econômica por conta de salários defasados e sobretrabalho foi dominante na categoria. Entretanto, no último dia 25 de agosto, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro finalmente derrubou veto do prefeito Eduardo Paes (PSD) em torno do PL 1172-A/2022, sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano que vem. Sem o veto, vereadores favoráveis à causa acreditam que será possível implantar o PCCS a partir de 2023.
A reivindicação dos trabalhadores da saúde já dura mais de dez anos. E em todo esse tempo estiveram enfrentando duras dificuldades econômicas. Ganhavam de cinco a seis vezes menos que trabalhadores contratados por Organizações Sociais (Oss, que fazem parceria com o Estado) para realizar o mesmo serviço e nos últimos meses registraram 27% de defasagem em relação à inflação. Com a nova possibilidade aplicação do PCCS a partir do ano que vem, resta esperar para ver no que dará. Enquanto isso a categoria continua sofrendo as consequências do completo abandono.
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Sobre este contexto, entrevistamos uma associação de trabalhadores da saúde municipal do Rio de Janeiro. A pedido do representante da associação que falou conosco, manteremos as identidades tanto dele, como do coletivo, em sigilo.
“Nós somos um movimento criado para defender os servidores da saúde do município do Rio de Janeiro, estamos lutando a muito tempo contra ataques da prefeitura aos seus funcionários. Um dos nossos focos é o PCCS, o plano de cargos e salários, que é nosso direito e vinha sendo ignorado a quase uma década. Somado a isso nossa remuneração já está 27% defasada, nosso triênio continua congelado e a cobrança da previdência aumentou. Surgiu uma esperança de que a Câmara dos vereadores cobre do prefeito cumprir seu plano de governo dentro das propostas feitas em relação ao PCCS da Saúde”, afirmou o representante da associação à reportagem.
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Durante a pandemia muito se falou sobre a importância do SUS e seus trabalhadores, como verdadeiros “heróis nacionais”. No entanto, em um momento em que vemos o 'fim” da pandemia' – ou ao menos o fim do seu período mais tenso com a chegada das vacinas – os servidores municipais do Rio de Janeiro passam por um momento complicadíssimo que envolve perda de empregos, salários congelados que não dão conta da inflação e uma crescente precarização do ambiente de trabalho.
“O clima das categorias é de decepção com o governo, que nos explorou até a última gota de sangue. Também com a imprensa que só nos usou para matérias a fim de obter audiência e com a população pouco esclarecida sobre como se beneficiou da saúde pública, fazendo com que infelizmente ainda não tenha despertado para perceber que pode perder o SUS devido ao desinvestimento contínuo que presenciamos. Lembrando que o SUS é o melhor plano de saúde pública do mundo”, explicou.
Os servidores contam que estão sem condições de sustentar suas famílias de maneira digna. “Se o médico e os demais servidores de ensino superior ganham R$ 3.200 imagine o salário dos auxiliares. É uma vergonha para a prefeitura da ‘cidade maravilhosa’. A função do ‘cuidar’ está sendo desprezada e a prefeitura ao invés de estimular um quadro efetivo de qualidade, prioriza a iniciativa privada com a capa das ‘parcerias público privadas’ e OSs que não contemplam as especialidades”, criticam antes de expressar que os servidores se sentem impotentes para modificar essa situação.
O PCCS é o plano de cargos, carreiras e salários que a categoria almeja. É determinação da lei do SUS mas há 14 anos aguardam seja impementado. Os servidores afirmam que, se aplicado, daria melhores condições financeiras para as categorias envolvidas, inclusive possibilitando a realização de cursos de atualização e compensando as perdas que lhes foram impostas pelo desinteresse político na saúde somado à inflação que atinge desde alimentos e itens de higiene pessoal, até alugueis e o transporte público.
“Funcionário público deve ter dignidade na hora de receber o salário, para trabalhar com os gestores em plano de igualdade, não se corrompendo pela necessidade do emprego ou pelo desespero de fazer uma renda extra”, resumem os servidores.
Além da perspectiva de melhora salarial, com a implantação do PCCS, os servidores acreditam que pode ser facilitada a formação de equipes completas para atuar nos atendimentos que se fazem necessários a saúde. Além de dar suporte às equipes de saúde da família para o atendimento especializado, como os atendimentos psicológico, fonoaudiológico, neurológico, entre outros. Os servidores ainda criticaram o que consideram um descaso da imprensa em relação às reivindicações da categoria, bem como o argumento orçamentário utilizado pelo prefeito para barrar o plano de carreira.
“A imprensa tem a missão de esclarecer a população. O desmonte do SUS vem sendo orquestrado há muito tempo e a imprensa não faz as devidas colocações. No máximo comentários superficiais sobre falta de insumos, porém nada mais profundo sobre direcionamento de verbas e faturamento das unidades, assim como condições e manutenção das unidades, principalmente das emergências. Por exemplo, a imprensa sabe que falta ar condicionado nas emergências porém o ex-secretário municipal de saúde, Daniel Soranz(PSD), que deixou o cargo para se candidatar a deputado federal a alguns meses, se preocupou em contratar uma firma para criar e fornecer uniformes diferenciados para as categorias dos trabalhadores. Onde supostamente falta dinheiro, como na prefeitura do Rio de Janeiro, esta seria a preocupação?”, questionaram os servidores.
Quando perguntados sobre o por quê se veem preteridos em relação a outras categorias, como militares e guardas civis pelo poder público, entre outros na aplicação da lei complementar 173/2020, que destinava mais recursos a estados e municípios com vistas ao combate à pandemia, responderam o seguinte: “Essa pergunta só um vidente pode responder, porque também não conseguimos entender como o desrespeito à lei prevalece num regime democrático e simplesmente não se tem a quem recorrer contra a vontade daqueles que foram eleitos para nos representar com dignidade”.