ANÁLISE

Pedro Serrano avalia possibilidade de Eduardo Bolsonaro ser preso por ameaças nos EUA

Em entrevista ao Fórum Onze e Meia, jurista comentou sobre possíveis crimes cometidos pelo deputado e inquérito instaurado pelo STF

Eduardo Bolsonaro (PL-SP).Créditos: Agência Câmara
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O jurista Pedro Serrano esteve no Fórum Onze e Meia desta quinta-feira (29) e comentou sobre as investigações contra o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), que virou alvo de inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar possíveis crimes cometidos pelo parlamentar nos Estados Unidos.

De acordo com a denúncia da Procuradoria-Geral da República ao STF, o filho "03" de Jair Bolsonaro (PL), que está de licença do mandato há mais de dois meses, pode estar cometendo os crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O inquérito foi aberto pelo STF nesta segunda-feira (26).

Dos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro já fez uma série de postagens nas redes sociais nas quais afirma estar organizando, junto ao governo dos Estados Unidos, sanções a ministros do STF, integrantes da PGR e da Polícia Federal pelas investigações contra seu pai, que se tornou réu no Supremo por tentativa de golpe de Estado.  Entre as sanções estão a cassação de visto de entrada nos EUA, o bloqueio de bens e valores naquele país e a proibição de estabelecer relações comerciais com pessoas físicas e jurídicas de nacionalidade norte-americana ou que tenham negócios nos Estados Unidos.

Serrano explicou que, anteriormente, quando foi apresentada a possibilidade de crime de lesa pátria, ele esclareceu que não há previsão penal para essa situação. No entanto, a tese de pressão indevida ao juiz no andamento do processo é legítima e, se comprovada, configura crime de coação no andamento do processo. O jurista, porém, considerou "exagerada" a acusação de atentado ao Estado democrático de Direito.

Serrano também explicou que há diferença entre a pessoa pedir sanções e utilizar isso como ameaça. No caso de Eduardo Bolsonaro, o jurista afirmou que tudo indica que ele usou a solicitação de sanções para ameaçar o Judiciário, mas que é preciso aguardar as investigações para que tudo ocorra dentro do processo legal. Ele destacou que o campo democrático deve ter "calma" ao pedir a prisão imediata do deputado para não atropelar o processo e perder a legitimidade.

"O processo penal tem regras. Tem método civilizado de agir. Eu estou em um momento que estou muito nervoso com isso. Porque eu estou achando que a gente está quase no perigo de desandar", afirmou Serrano. "É um momento muito delicado que nós estamos atravessando. Qualquer coisa fora da curva no plano dos direitos, nós vamos perder total legitimidade", acrescentou.

Nesse sentido, mais do que avaliar a possibilidade de prisão de Eduardo Bolsonaro, Serrano destacou a necessidade de cautela diante desse processo para que o Judiciário brasileiro não fique deslegitimado, principalmente no contexto político atual. "Se isso for feito sem a gente ter certos limites, ter certos parâmetros de ação quando a gente trata de Justiça, nós vamos desandar. Nós vamos perder a legitimidade", ressaltou. 

Ele ainda analisou que a conduta do ministro Alexandre de Moraes de manter o processo em sigilo está correta para que a apuração possa ser feita da melhor maneira possível. Por fim, em relação aos possíveis crimes cometidos pelo deputado, se suas condutas caracterizarem ameaça ao Supremo, através da solicitação de sanções, Eduardo Bolsonaro terá cometido crime e deverá ser punido. O Código Penal prevê pena de um a quatro anos de reclusão, além de multa, mas Serrano diz que, na realidade, a pessoa não chega a ir para cadeia, cumprindo a pena em regime domiciliar ou até em liberdade.

Em relação a enquadrar como atentado contra o Estado Democrático de Direito, Serrano defendeu que não se pode banalizar esse tipo de crime político até para que, no futuro, a penalização por queixas contra as condutas do Judiciário brasileiro não recaia sobre o campo democrático. 

"Quando a gente foi fazer [queixas] na Ditadura, nós íamos pedir a ruptura. Nós pedimos a ruptura da relação diplomática de outros países com o Brasil. E é legítimo isso. O que não é legítimo é pedir que os Estados Unidos usem inconstitucionalmente de uma lei americana, contrária inclusive a essa própria lei, para atingir um ministro brasileiro que não está fazendo nada de atentado a direitos humanos", disse Serrano. 

"Primeiro que os Estados Unidos não são nossos juízes. Não são os Estados Unidos que têm que julgar como a gente aplica a nossa Constituição. O guardião da Constituição é o Supremo Tribunal Federal", acrescentou Serrano.

Aplicação das sanções pelos EUA

Serrano também refletiu sobre a possibilidade de os Estados Unidos realmente aplicarem sanções aos integrantes do Judiciário brasileiro. Na avaliação do jurista, até o momento, ele observou que as declarações do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, são mais direcionadas à questão das big techs no Brasil do que ao processo de Bolsonaro. 

"Eu vi declarações [de Rubio] em favor das big techs. Eu não vi nenhuma referência [ao processo de Bolsonaro]. Quando ele fala em sanções, inclusive a autoridades brasileiras, ao ministro Alexandre etc, ele fala de sanções contra a liberdade de expressão por conta das decisões que ele tomou supostamente em relação ao X", disse Serrano. 

"Então, não me parece que os bolsonaristas estão tendo essa força que eles se atribuem, de conseguir mobilizar a estrutura do Estado americano para intervir totalmente na política brasileira em favor deles, até porque seria uma loucura do Trump", acrescentou o jurista. 

Trump: autoritarismo contemporâneo

O jurista também analisou outras medidas autoritárias do governo de Donald Trump, como a de impedir que estrangeiros estudem em Harvard. Serrano avaliou que o que surpreende é que Trump usa um modelo de "autoritarismo contemporâneo", que vai além da postura de Bolsonaro. 

"O Bolsonaro tentou usar um modelo de exceção aqui no Brasil, de ruptura com a democracia, através de um decreto que declara juridicamente um governo de exceção. O Trump está fazendo um autoritarismo contemporâneo. Ele está produzindo medidas de exceção fractais no sistema. Tem uma instauração de um governo declarado de exceção, mas está deteriorando a democracia", analisou Serrano. 

O jurista destacou que o que mais o surpreende é que, apesar desse modelo também ter sido aplicado em outros países como Hungria, Turquia, Israel e Polônia, Trump produz essas medidas de forma "muito sintética" e "muito curta no tempo".

"O elemento do tempo é fundamental na ação política e no comportamento do Estado. A exceção sempre opera no tempo da emergência. Mas ele, quando sintetiza, produz uma série de medidas de exceção em curto prazo, ele inclusive dificulta a nossa atitude de se defender", afirmou Serrano. 

O jurista também comentou sobre a atitude do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que se diz grande defensor da liberdade de expressão, de concordar com a proibição de estudantes estrangeiros em Harvard. 

"O nazismo foi assim. Eles reproduzem de uma nova forma a mesma estratégia. Você usa dos direitos para destruir os direitos. Então, você defende a liberdade de expressão como privilégio, como algo não limitado, para quando você chegar ao poder destruir a liberdade de expressão dos seus adversários ou dos seus descontentes", avaliou Serrano. 

"Eles fazem isso por medidas fractais no sistema. Só que ele [Trump] fez isso de forma muito rápida. Então, está difícil até de entender o conteúdo geral dessas coisas. Mas, com certeza, essa medida atenta contra direitos humanos fundamentais, como quase tudo que ele está fazendo", considerou. 

Serrano ainda avaliou que essa medida de Trump em relação às universidades o faz perder "capital simbólico", uma vez que boa parte do conhecimento desenvolvido nos EUA é feito por estrangeiros. 

"Isso vai ajudar os Estados Unidos? Será que o Trump, que é um corretor de imóveis, tem noção do quanto o saber da ciência de base depende do estrangeiro nos Estados Unidos? Quanto os Estados Unidos são um polo que atrai cérebros e que, por isso, ele desenvolveu uma boa ciência de base e conseguiu ser o país com mais avanço tecnológico até hoje?", questionou.

Sem essa ciência de base, os EUA não conseguirão manter seu desenvolvimento tecnológico e de ciências humanas, que configuram como "capital simbólico", de acordo com Serrano.  

"Então, eu não sei se isso faz bem para os Estados Unidos. Eu acho que ele [Trump] faz bem para ele mesmo por querer manter a própria base dele. Ele fica emulando uma efetividade na base dele autoritária que vá contra essas figuras simbólicas que a extrema direita criou: o intelectual, o estudante, o padre comunista", afirmou o jurista. 

"No fundo, ele [Trump] está perdendo o capital simbólico. Está perdendo gente que vai lá para produzir saber", finalizou Serrano. 

Confira a entrevista completa do jurista Pedro Serrano ao Fórum Onze e Meia

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