Em entrevista ao Fórum Onze e Meia desta quarta-feira (23), o ex-deputado federal e ex-presidente do PT José Genoino analisou a postura do governo Lula (PT) frente a uma conjuntura nacional e internacional que classificou como "atípica". Para Genoino, o governo Lula 3 precisa adotar uma postura "mais assertiva" para lidar com o novo cenário mundial. Além disso, o ex-parlamentar também apontou caminhos possíveis para que o partido retome sua força política no campo de esquerda.
O ex-deputado afirmou que a conjuntura atual é "tensa" e "imprevisível" e, por isso, é preciso que o governo se atente sobre "quais movimentos são mais adequados" nesse panorama. "No meu modo de entender, essa conjuntura tensa é produto de uma crise sistêmica, é uma crise múltipla, nacional e internacionalmente, uma crise que mexe com tudo e com todos, vai das estruturas à superestrutura", analisou Genoino.
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"Ela é geopolítica, econômica, social, ambiental, migratória, cultural. Há uma crise de valores, há uma crise de decadência do imperialismo americano, e todo imperialismo em decadência fica furioso, violento", acrescentou.
Nesse sentido, Genoino defendeu que a crise apresenta, para o Brasil, "algumas grandes possibilidades", e que o governo Lula deveria ter uma postura mais "assertiva" para aproveitar essas oportunidades. Para o ex-deputado, o presidente adotou, desde as eleições, um caminho em que aposta "na moderação, no diálogo e na conciliação". Porém, no cenário geopolítico atual, é preciso uma postura que mescle "moderação com confrontação".
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Genoino citou, por exemplo, o julgamento dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. Até o momento, sete acusados, dentre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), se tornaram réus no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. Além disso, o ex-parlamentar comentou que o governo de Donald Trump nos Estados Unidos também dificulta o cenário internacional.
"O elemento novo dessa conjuntura é você ter uma extrema direita fascista que tem base popular, tem apoio social, tem apoio político", afirmou Genoino. O ex-deputado ainda considerou que, diante desse cenário de uma "hegemonia conservadora e monopolista", é preciso fazer "alguns tensionamentos".
"E a conjuntura permite fazer tensionamentos. Eu tenho como referência as atitudes da presidenta do México, a Claudia Sheinbaum, e do Petro [Gustavo Petro, presidente da Colômbia]. Eu acho que é um tensionamento. Você tem uma correlação de força desfavorável, mas você pode fazer escolhas de tensionamentos pontuais", destacou.
Para o ex-parlamentar, o governo precisa incidir em temas como arcabouço fiscal, transferências constitucionais e aumento da taxa de juros de maneira a defender os interesses populares. "Acho que ou nós governamos para melhorar, para atender às necessidades das maiorias, ou vamos apenas administrar o status quo com algumas vantagens", disse Genoino.
"Eu acho que tem que haver algumas sinalizações com a pauta popular, com a pauta do povo, principalmente olhando para 2026, que certamente o Lula vai ser o candidato", avaliou. "Agora, nós temos que ter uma política mais assertiva, no sentido de fazer enfrentamento."
"A minha tese é que, num quadro de crise sistêmica, a questão social e econômica acaba sendo a concentração da política, e nós temos que governar com tensionamento", reafirmou o ex-deputado. "Essa governabilidade em terreno frio não é o que a nossa base social deseja. Nós temos que governar tensionando, enfrentando, negociando, dialogando, mas sem aceitar a chantagem que o Centrão faz no Congresso Nacional", defendeu.
"Para isso, nós temos que dialogar mais com a sociedade, com os movimentos, com as lideranças, com as experiências que estão sendo construídas. Portanto, eu defendo claramente que o governo faça um giro à esquerda", declarou Genoino.
"À esquerda no sentido de colocar a pauta popular no centro. Ganhando ou perdendo no Congresso Nacional, fazer essa disputa", explicou. Ele acrescentou que, por "pauta popular", se refere à isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, à taxação dos super-ricos, à luta pela redução da jornada de trabalho, por salários dignos e qualidade de emprego, entre outras defesas por direitos.
"Nós deveríamos colocar na pauta um debate sobre os direitos da classe trabalhadora precarizada. A plataforma de direitos é um elemento central para a gente enfrentar a influência do neopentecostalismo, a influência da extrema direita, porque ela aposta no caos, no individualismo, no empreendedorismo, mas e os direitos?", questionou.
PT deve fazer renovação à esquerda
Já em relação ao Partido dos Trabalhadores (PT), Genoino defendeu que a sigla deve ter mais autonomia em relação ao governo para "cobrar, fiscalizar e dialogar com a sociedade". "Por exemplo, por que nós não propomos uma concentração popular nacional dos movimentos, das entidades, da intelectualidade, das universidades que estão em crise para discutir essa agenda?", sugeriu.
Para o ex-deputado, a sucessão do PT está ligada ao redirecionamento do partido à esquerda. "O PT tem que passar por uma renovação à esquerda. Uma renovação que ele mude sem mudar de lado. O partido envelheceu do ponto de vista da sua linha política", afirmou Genoino.
"O PT tem que resgatar uma linha política antissistema. Uma linha política que recupere os valores de um socialismo democrático. Uma linha política que faça o enfrentamento ao neoliberalismo. Uma linha política que enfrente a direita e a extrema direita", avaliou.
Ele acrescentou que o PT deve "mudar a sua estruturação, ser mais horizontalizado, dar voz à base do partido, investir na formação e na mobilização política". "Por isso que eu defendo uma mudança dos rumos do PT", disse.
"Eu acho que nós temos que construir uma relevância política para a proposta de esquerda. Há todo um movimento no Brasil e no mundo para descredenciar o papel da esquerda. A crise exige que a gente tenha propostas programáticas e táticas. Se a gente se dilui numa política de centro, se a gente não polariza, se a gente não mostra as nossas credenciais, a gente fica sendo identificado com status quo", analisou o ex-deputado.
"A esquerda não pode perder o papel de transformação, o papel de rupturas, democráticas, de acordo com a correlação de forças", defendeu.
Construção de novas lideranças de esquerda
Genoino também falou sobre a urgência de se criar novas lideranças de esquerda, e afirmou que isso só deve acontecer com luta social, formação política e experiência concreta. Ele avaliou que o PT sofreu um ataque do Mensalão e da Lava Jato que quase gerou sua destruição. Apesar de o partido ter resistido, Genoino disse que, para se fortalecer, o PT precisa fazer essa "renovação à esquerda".
"Para isso, o PT tem que ter autonomia para discutir uma tática eleitoral, com base nessa visão estratégica, para 2026. Uma das debilidades nossas é que a gente fica discutindo tática de eleição e não discute para onde caminhamos. E é claro que isso aí pressupõe ter uma autonomia em relação ao governo e em relação ao próprio Lula. Eu acho que, nesse ponto, a eleição de 2026 pode ser uma eleição chave", analisou o ex-deputado.
Para ele, o PT deve ter "objetivos claros" em relação à eleição proporcional e à eleição majoritária. "Por exemplo, eu acho que o debate sobre reforma política a gente deve incluir. Não é que nós vamos fazer uma reforma política, mas devemos incluir esse debate", disse.
"Devemos incluir o debate sobre o papel do Senado. Nós temos um sistema constitucional oligárquico. Então, nós temos que fazer esse debate. Para isso, a gente tem que dar importância à eleição proporcional e à eleição do Parlamento", refletiu.
Genoino ainda destacou que esses debates não devem ser feitos somente pelo PT, mas também por outros partidos de esquerda. "Nós temos que, primeiro, construir um polo à esquerda para fazer esse debate com outras forças de esquerda e forças que não estão no quadro partidário. A partir daí, discutir as alianças pontuais e táticas."
O ex-deputado afirmou que a esquerda não deve "ir ao centro", mas sim "disputar o centro". "Essa tese de ir ao centro é um equívoco. Você tem que ficar com as suas posições e disputar, ou aliançar no sentido conjuntural".
Genoino também ressaltou que um equívoco da esquerda é "achar que o inimigo principal é a extrema direita" e, a partir disso, "fazer qualquer tipo de aliança". Para ele, o campo progressista "se ilude com a velha direita", que também faz alianças com a extrema direita.
"A gente viu isso na eleição municipal, e está aí vendo o que o centrão faz com o governo Lula. Esse episódio chocante do União Brasil no Congresso Nacional. Isso é uma falência do sistema partidário e congressual que o país atravessa. É um absurdo", afirmou o ex-parlamentar. "Esse modelo de governabilidade está podre, no meu modo de entender", acrescentou.
Genoino ainda avaliou que a esquerda deve ter uma agenda "mais estratégia" para discutir reforma constitucional, papel das Forças Armadas, sistema de segurança pública e a pauta popular. Ele afirmou que o PT está sem "horizonte definido", e que se fizer escolhas para governador e senador "sem um rumo", vai cair no "pragmatismo", que considera ser "o pior para a esquerda".
O ex-deputado acrescentou que o PT precisa criar um bloco de disputa no Parlamento. "Não é que tenha maioria, mas um bloco para disputar, para polarizar, para fazer disputa de ideias, inclusive dialogando com o sentimento da sociedade. Faltou fazer esse bloco", disse.
"A esquerda, no neoliberalismo, não tem sucesso se ela não dialoga com a sociedade, com as pautas populares. Eu acho que é esse o rumo que eu defendo para o PT. E eu acho que nós temos que fazer isso como condição para a gente disputar com condições de vitória em 2026", disse Genoino.
Segurança Pública
Outro ponto de destaque durante a entrevista foi o tema Segurança Pública, que é um dos principais problemas dos brasileiros, segundo pesquisas. Para Genoino, a PEC da Segurança Pública é um "primeiro passo" que devia ter sido tomado no início do governo, ainda na transição.
Ele afirmou que chegou a defender, na época, que o governo criasse o Ministério da Segurança Pública, uma guarda nacional e um sistema único de segurança pública, como o Sistema Único de Saúde (SUS). Esse sistema de segurança funcionaria de maneira vertical, fazendo um compartilhamento com as polícias estaduais, municipais, com a Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, "mas com uma autoridade civil dirigindo a segurança pública", explicou Genoino.
"Segurança Pública exige profissionalismo, conhecimento, pronta resposta, e fazer isso priorizando a inteligência, o policiamento inteligente, a ocupação dos espaços, relacionando com as políticas públicas de saúde, educação, lazer, entretenimento e cultura", afirmou.
Para ele, o governo não deve discutir o tema com os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). "Eles estão tutelados pela polícia militar. Esses governadores temem a polícia militar", disse.
"Para mim, segurança pública é força e inteligência. Forças Armadas representam violência. Eu separo violência de força", comparou Genoino. "Aqui no Brasil, a segurança pública trata o povo como inimigo. Somente jovem, preto e pobre. Nós não podemos governar o país sem mexer nessa caixa preta", completou.
Confira a entrevista completa de José Genoino ao Fórum Onze e Meia
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