Samba de uma nota só. Assim podem ser definidas as defesas de Jair Bolsonaro (PL) e do alto escalão da facção golpista que foram protocoladas nesta quinta-feira (7) no Supremo Tribunal Federal (STF) ao final do prazo estabelecido após o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, denunciar os 34 membros da organização criminosa que agiu dentro do Planalto para tentar impedir a posse de Lula e impor uma nova Ditadura ao país.
Em meio a rusgas no início do processo, os advogados apresentaram documentos com a mesma narrativa, buscando desmerecer a investigação da Polícia Federal (PF) e sustentar a teoria da conspiração, de que seus clientes são perseguidos pela "ditadura do judiciário", comandada por Alexandre de Moraes.
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A narrativa é a mesma que vem sendo propagada por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para buscar apoio de Donald Trump e lideranças da ultradireita neofascista para desencadear uma conspiração contra o Brasil, na continuidade da tentativa de golpe.
Apenas negando os fatos, sem contestar provas e o mérito das acusações, alguns advogados de defesa ainda listam como testemunhas figuras como os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, na tentativa de implicar o Supremo, e até o próprio Lula, alvo principal da tentativa de golpe.
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Somente a defesa do tenente-coronel Mauro Cid destoa desse samba de uma nota só para sustentar as informações reveladas em delação premiada que deram origem para a PF desencadear operação em busca das provas.
Chacota, enredo e narrativa
A defesa de Jair Bolsonaro (PL), capitaneada por Paulo Amador da Cunha Bueno e Celso Vilardi, chega a fazer chacota chamando a investigação da PF de "enredo criado para sustentar o romance" e a denúncia da PGR de "peça de ficção".
"O enredo criado para sustentar o romance, portanto, não é real. (…) Mas não há dados concretos que permitam conectar, de forma objetiva, o peticionário (Bolsonaro) à narrativa criada na denúncia, a todos os seus personagens e atos (…) Ainda que esmerada no vernáculo, a denúncia não pode ser uma peça de ficção, e tampouco preencher suas falhas narrativas com presunções sem nenhum fundamento".
Diferentemente do que havia declarado em novembro passado como "especialista" em entrevista William Waack na CNN, quando elogiou o trabalho da PF, Celso Villardi - que encorpou a defesa de Bolsonaro em janeiro - sustenta que há na denúncia uma “tática” chamada “document dump”.
O termo serve para definir uma "desorganização das informações" coletadas, no caso, pela PF, para desmerecer o relatório de mais de 800 páginas, resultado de mais de dois anos de investigação.
“A leitura da denúncia, que deveria servir de guia das imputações e indícios não só para a defesa, mas também para os julgadores, não tem método, lógica ou qualquer tipo de organização. Pois não se trata apenas de ter autos volumosos. Antes, é a desorganização das informações postas pela acusação em um processo que já é volumoso”, reclama a defesa de Bolsonaro.
O bando de Bolsonaro
A defesa de Anderson Torres, que deixou o Ministério da Justiça e viajou aos EUA ao assumir a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal ignorando relatórios sobre a intentona de 8 de Janeiro, afirma que a minuta golpista encontrada na casa dele na sede do PL “jamais extrapolou a condição de papel inofensivo”.
"Não há uma única linha ou palavra sequer que tenha partido do acusado que denote adesão a qualquer suposto plano golpista”, afirmam os advogados.
Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável pela "inteligência" do ex-governo, Augusto Heleno tenta implicar o lawfare contra Lula em uma tentativa desenfreada de levar o processo à primeira instância e postergar o julgamento.
“Em situação processual muito similar, o atual Presidente da República foi, no passado, denunciado e julgado em primeira instância pela Justiça Federal de Curitiba por fatos ocorridos durante seu mandato e em razão do mandato, mas, por não ser mais presidente, foram julgados e processados em primeiro grau. Tal qual na presente situação, onde os fatos ocorreram durante o mandato e em função, mas os denunciados não exercem mais o cargo no momento da denúncia!”, exclama.
Sem contestar as provas que sustentam a denúncia contra ele, Heleno, que batia palmas para a ação política de Deltan Dallagnol (Novo-PR) e Sergio Moro (União-PR) na força-tarefa anti-Lula, agora diz que o processo contra a quadrilha golpista pode incidir "no mesmo erro em que incidimos no passado com relação à Operação Lava Jato e à 'super competência' da 13ª Vara Federal de Curitiba”.
Ex-comandante do Exército, ministro da Defesa à época, e um dos líderes do achaque às Forças Armadas, o general Paulo Sergio Nogueira segue com a zombaria ao dizer que não houve tentativa de golpe porque Lula ainda não estava no poder.
“A denúncia faz confusão e utiliza como sinônimas e intercambiáveis as expressões ‘governo legitimamente constituído’ e ‘governo legitimamente eleito’. (…) O artigo 359-M do Código Penal considera Golpe de Estado a conduta de tentar depor governo legitimamente constituído. Assim, tentar depor governo legitimamente eleito, mas ainda não constituído, não configura o tipo de Golpe de Estado, previsto no Código Penal”, afirma o advogado de Nogueira, Andrew Fernandes Farias.
“Se os agentes tentaram depor governo eleito, mas não constituído, não praticaram golpe de Estado e sequer estavam preparando o crime de golpe de Estado”, alega, de forma descarada, a defesa.
Já o general Mário Fernandes, comandante dos chamados "kids pretos", desdenha do plano Punhal Verde e Amarelo, cunhado por ele e arquitetado junto com Walter Braga Netto, para assassinar Moraes, Lula e Geraldo Alckmin (PSB) em meio à ação golpista.
"O arquivo eletrônico encontrado em seu HD – desconectado do computador – não foi apresentado a absolutamente ninguém, por isso, a nenhuma das pessoas envolvidas na investigação, agora denunciadas – trata-se de conclusão objetiva e concreta, pois o relatório policial não indica dado nem conclusão em sentido contrário", dizem os advogados.
Na prática, o general alega que teve a ideia, colocou no papel, articulava conversas com Mauro Cid e Braga Netto, mas não mostrou o plano para matar autoridades a "ninguém".
"Na mesma toada, nem a representação policial nem o relatório policial indicaram contato entre o agravante [Fernandes] e os envolvidos no evento 'copa 22', o que afasta por completo a suposta gravidade em concreto", diz a defesa, contrariando a delação de Mauro Cid e conversas de WhatsApp que mostram que ele esteve no apartamento de Braga Netto para colocar em marcha a ação homicida.
Botar o bloco na rua?
No entanto, Mauro Cid, que tinha acesso privilegiado a toda intentona golpista, dá o tom dissonante nesse samba de uma nota só.
No documento ao STF, feito pelo advogado Cezar Bittencourt, contratado pela família, aponta o dedo dizendo que "não é novidade [...] que as defesas dos codenunciados alardeiam aos quatro ventos pela imprensa nacional sua nulidade", referindo-se à delação
E desmonta a tese de que houve "tortura" do militar, que chorou durante um dos depoimentos concedidos em uma sala com ar condicionado e a presença de advogados e procuradores - bem diferente do que se via na inquisição da Ditadura Militar.
"Disparam argumentos de que a vontade do colaborador teria sido viciada por firmá-la ao tempo em que estava preso; que também teria sido coagido a colaborar até mesmo pelo eminente relator, Ministro Alexandre de Moraes, sob pena de não o fazendo, voltar à prisão. Essas defesas, afirmam, em sucessivas entrevistas em rede nacional, que Mauro Cid mentiu; que a colaboração não vale, e que, por isso, a prova por ela é produzida não tem validade legal", dispara Bittencourt.
Em seguida, o advogado afirma enfaticamente que "todos os atos de colaboração contaram, desde o início, com a presença e aval de seus defensores. Jamais a defesa constituída admitiria qualquer espécie de coação ou induzimento na prestação de informações por Mauro Cid; a defesa jamais admitiria ou se submeteria a qualquer ato de coação ou na negociação de um acordo que comprometesse o seu mais amplo direito de defesa, um contraditório legalista, elementos do devido processo legal garantido pela Carta Maior".
Assim, a defesa de Cid afasta a estratégia de advogados de Bolsonaro de anular a delação de seu ex-ajudante de ordens.
A exemplo do que aconteceu com o caso Flávio "Rachadinha" Bolsonaro (PL-RJ), os advogados do clã buscam anular o fato que desencadeou a busca de provas. O filho do ex-presidente só se livrou da cadeia por decisão contestável da 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça, que por 4 votos a 1.
Mesmo com voto contrário do relator, o desembargador convocado Jesuíno Rissato, Flávio Bolsonaro foi absolvido por 3 outros magistrados que seguiram o entendimento de João Otávio Noronha - o "amor à primeira vista", como definiu Bolsonaro ao encontrar o ministro.
Em meio a chacotas com o Supremo, a defesa de Jair Bolsonaro quer seguir a toada, anulando a delação que serviu de base para a coleta volumosa de provas contra ele e sua quadrilha e jogando o julgamento para o plenário, onde pode contar com André Mendonça e Kássio Nunes Marques, amores de outros carnavais, para afinar a narrativa e colocar o bloco golpista de novo na rua.