Repetitivo, cansativo e seguindo o mesmo rito de idiotices, algo que dava a impressão em quem assistia de se tratar de uma reprise. Pela enésima vez, somando os períodos em que esteve no Palácio do Planalto e após sua derrota nas ruas, Jair Bolsonaro fez algazarra durante mais de um mês chamando sua claque de extremistas “para ir às ruas” por “Deus, família, pátria e liberdade”, acrescentando desta vez a anistia aos criminosos que atacaram Brasília em 8 de janeiro de 2023, na tentativa de golpe de Estado que fracassou. O encontro era neste domingo (16), no Rio de Janeiro, e de fato aconteceu. Já os de ontem, sábado (15), “ao redor do mundo”, foram um fiasco e uma festival de vergonha alheia, com literalmente duas ou três dúzias de fanáticos vestidos como se assistissem a um jogo da seleção em Copa do Mundo.
Bolsonaro acostumou-se nos tempos de presidente a manter o país sob tensão total ao aparecer mensalmente nas odiosas motociatas ou manifestações, nas quais lançava ameaças e desfilava toda sua ignorância e arrogância. Por fim, mostrou-se um tigre de papel: perdeu, não foi capaz de concretizar o golpe e saiu do cargo com o rabo entre as pernas, literalmente chorando e dando um showzinho de birra infantil. Passado o choque do 8/1, ele retomou por algumas vezes esse modelo de convocar “atos contra o comunismo”, mas após a edição de hoje fica claro o esgotamento do modelo. Ele já não põe medo em ninguém e nem os mais trouxas e incautos, no fundo, acreditam em sua falação profética.
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O comparecimento, se comparado às edições do passado, foi um fracasso monumental. De acordo com o Monitor do Debate Político no Meio Digital, de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), referência nesse tipo de aferição, todos juntos somavam aproximadamente 18,3 mil pessoas. Claro, havia uma multidão e numa imagem tomada um pouco mais do alto os corpos aparentemente se acotovelavam. Se o drone ou o helicóptero subisse mais, o que se via era uma mancha ao redor do caminhão de som que estacionou na orla da praia de Copacabana, com uma parte do público se aglomerando na direção de uma das vias, mas algo que não passava de uma quadra.
No calçadão não eram muitos e na areia eram poucos. Sempre os mesmos, radicalizados ao extremo e que vivem alimentados diariamente pela dieta de hospício distribuída nos grupos de WhatsApp e perfis ultrarradicalizados das redes sociais. Bandeiras dos EUA, de Israel e faixas com impropérios fundamentalistas que parecem saídas da década de 1960. Uma xerox de tudo que já conhecemos e que não impediu a derrota do então presidente para o adversário nas eleições de 2022.
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O mote da “anistia aos presos políticos”, um eufemismo enviesado e deturpado para se referir a criminosos golpistas, só cola nessa bolha. Ninguém no Brasil liga para a tal anistia a esses celerados, que cometeram crimes, foram julgados justamente e tiveram direito à ampla defesa. Na pesquisa Datafolha divulgada nos últimos dias de 2024, 62% dos brasileiros eram contra dar perdão aos bandidos que destruíram a capital federal, com apenas 31% se dizendo a favor, a exata marca de votos fiéis e doutrinários do bolsonarismo. Ou seja, uma pauta que não transborda o cinturão psiquiátrico da extrema direita mais obtusa. Bolsonaro chegou a falar em “refugiados políticos” que não podem ficar no Brasil, um delírio ridículo num país absolutamente livre, no qual ele mesmo, que se diz o mais perseguido, andava de jet-ski com seus amiguinhos numa tarde ensolarada do último carnaval nas águas azuis de Angra dos Reis.
A presença de quatro governadores, sendo eles Tarcísio de Freitas, de São Paulo, Jorginho Melo, de Santa Catarina, Cláudio Castro, do Rio de Janeiro, e Mauro Mendes, do Mato Grosso, para além de um punhado de deputados e senadores ultrarreacionários e bolsonaristas até a medula, não foi sinal de vitória e êxito algum, pelo contrário. Bolsonaro já juntou muito mais lideranças e a impressão deixada após o ato deste domingo (16) é que a adesão decantou e só sobraram mesmo os mais descompensados e radicais. Ninguém com o mínimo de expectativa em sua vida política quer se cercar de um sujeito que em poucos meses será condenado e colocado na cadeia por crimes gravíssimos.
Por falar em cadeia, o medo de ser preso foi uma das tônicas da manifestação. Medo não, pavor. Jair Bolsonaro falou disso várias vezes, mas num tom de menos enfrentamento do que em outras épocas. Se lembrarmos do fatídico 7 de setembro de 2021, nos atos com adesões muito maiores em Brasília e em São Paulo, ele gritou que “não cumpriria mais nenhuma decisão do STF”, insinuou que o ministro Alexandre de Moraes ia sofrer consequências pelo papel que vinha desempenhado e que ele só sairia da Presidência da República “morto ou preso”. Pois bem, o então presidente cumpriu todas as sentenças e determinações do Supremo até o fim do mandato, Moraes segue ocupando a mesma cadeira e vestindo a mesma toga de outrora, e Bolsonaro saiu vivíssimo do Planalto e foi-se embora após fracassar nas urnas.
Agora, sabendo que se tornará réu oficialmente em poucos dias, no julgamento da denúncia da PGR a ser realizado na 1ª Turma do STF, no próximo dia 25, o bufão que ganhou a vida com suas bravatas tenta mais uma vez trucar a Justiça, as instituições e o povo. É muita gritaria, muita mentira deslavada, muita bobagem e muitas ameaças, que, ao fim e ao cabo, não resultarão em nada mais uma vez. Bolsonaro e seus principais colaboradores do núcleo duro do golpe malfadado devem ser condenados pelos crimes que cometeram e até o fim do ano provavelmente estarão presos.
Por fim, o show foi o mesmo, o repertório também, mas o clima já não é igual. Aqueles radicais hipnotizados ali, em lampejos de lucidez, sabem que seu venerado líder vive disso, de uma gritaria cênica. Em muitos momentos, inclusive tomando como base a pouca adesão de muitos de seus colaboradores próximos, a impressão que temos é que até para muitas frações da extrema direita a coisa já se tornou insuportável e seria a hora mesmo de mandar o “capitão” mofar na cadeia para libertar o Brasil desse circo de horrores.