As defesas dos militares denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na Petição 12.100, que trata da tentativa de golpe no Brasil, apresentam inconsistências que podem comprometer a estratégia jurídica do grupo. Enquanto alguns negam a existência de qualquer articulação golpista, outros reconhecem que reuniões e trocas de mensagens ocorreram, ainda que tentem minimizar sua relevância.
A coluna analisou as defesas dos seguintes militares denunciados:
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- General Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira?.
- Almirante Almir Garnier Santos?.
- General Walter Braga Netto?.
- Coronel Bernardo Romão Corrêa Netto?.
- Tenente-Coronel Rafael Martins de Oliveira?.
- Tenente-Coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo?.
- Tenente-Coronel Mário Fernandes?.
- Tenente-Coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros?.
- Major Guilherme Marques Almeida?.
- Major Cleverson Ney Magalhães?.
- Capitão Fabrício Moreira de Bastos?.
- Capitão Wladimir Matos Soares?.
- Capitão Nilton Diniz Rodrigues?.
- Capitão Hélio Ferreira Lima?.
- Capitão Ronald Ferreira de Araújo Júnior?.
As manifestações expõem contradições sobre o propósito das reuniões, a existência de uma organização criminosa e até mesmo a validade das provas utilizadas pela acusação. Veja abaixo algumas dessas divergências:
Divergências sobre a finalidade das reuniões
As defesas variam significativamente ao explicar a natureza dos encontros investigados:
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- O Capitão Nilton Diniz Rodrigues descreve sua participação como uma mera confraternização, sem caráter golpista.
- Capitão Fabrício Moreira de Bastos admite contatos com organizadores dos encontros, mas nega envolvimento conspiratório.
- Coronel Bernardo Romão Corrêa Netto e Major Cleverson Ney Magalhães classificam as reuniões como informais e sem conteúdo ilícito.
- Em contrapartida, Tenente-Coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo reconhece claramente que as reuniões possuíam caráter estratégico e abordavam questões sensíveis de segurança nacional.
- General Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira também admite que os encontros debatiam temas políticos e técnicos.
Incoerência: A variação das versões entre os acusados, alternando entre minimizar os encontros e reconhecer seu caráter estratégico, fragiliza a tese de encontros meramente sociais.
Contradições sobre a existência de uma organização criminosa
Outra fonte de contradições reside na suposta existência de uma organização criminosa estruturada:
- Generais Braga Netto e Major Guilherme Marques Almeida negam categoricamente a existência de uma organização criminosa, apontando falta de elementos concretos.
- Por outro lado, Tenente-Coronel Rafael Martins e General Estevam Cals Theophilo admitem que a denúncia da PGR aponta para uma estrutura organizada com núcleos específicos, contestando apenas a individualização das ações.
- Coronel Bernardo Romão admite que encontros ocorreram, embora negue configuração criminosa.
- Major Guilherme Marques Almeida tenta ativamente se distanciar do grupo acusado.
Incoerência: Algumas defesas negam categoricamente a existência de um grupo organizado, enquanto outras reconhecem parcialmente sua existência, revelando divergências internas profundas.
Divergências sobre a validade das provas
As defesas também divergem sobre as provas apresentadas pela acusação:
- General Braga Netto alega cerceamento de defesa por falta de acesso integral às provas.
- General Augusto Heleno questiona exclusivamente a competência do STF, sem mencionar qualquer dificuldade em acessar o material probatório.
- Capitão Hélio Ferreira Lima afirma que as provas contra ele já eram públicas e não incriminatórias.
- Tenente-Coronel Sérgio Ricardo Cavaliere questiona a validade das provas obtidas em outras investigações, apontando ilegalidade.
Incoerência: A divergência sobre o acesso e a validade das provas evidencia que, embora alguns réus aleguem desconhecimento dos autos, outros demonstram conhecer profundamente seu conteúdo.
Divergências sobre a colaboração premiada
A colaboração premiada do Tenente-Coronel Mauro Cid é outro ponto sensível nas defesas:
- Generais Braga Netto e Estevam Cals Theophilo contestam formalmente a validade da delação premiada, indicando supostos vícios processuais.
- Capitão Nilton Diniz Rodrigues critica especificamente as inconsistências no conteúdo dos depoimentos dos delatores.
- Capitão Fabrício Moreira e outros acusados afirmam que as informações obtidas por meio da delação são insuficientes ou retiradas de contexto.
Incoerência: A falta de unidade na abordagem da delação premiada, com algumas defesas atacando formalidades processuais e outras o conteúdo dos depoimentos, sugere relevância das informações reveladas pelos delatores.
Contradições sobre o papel das Forças Armadas
A atuação institucional das Forças Armadas gera mais contradições nas defesas:
- Tenente-Coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo enfatiza veementemente que as Forças Armadas não participaram institucionalmente de qualquer conspiração.
- General Almir Garnier Santos, por outro lado, não nega diretamente que houve discussões sobre possíveis ações antidemocráticas, preferindo questionar a validade das provas que demonstrariam essa participação.
Incoerência: As defesas não chegam a uma posição consensual sobre o envolvimento institucional, ora negando totalmente, ora tentando apenas questionar a contextualização das provas, revelando preocupações distintas sobre o impacto institucional das acusações.
Confraternização ou reunião estratégica?
Uma das principais contradições entre as defesas está na justificativa para a participação dos denunciados em encontros investigados pela PGR. O Capitão Nilton Diniz Rodrigues argumenta que sua única participação foi estar presente em um evento que “não teve caráter golpista” e se tratava apenas de uma confraternização entre militares. No entanto, a defesa do Capitão Fabrício Moreira de Bastos reconhece que ele manteve contato com o Coronel Bernardo Romão Corrêa Netto, organizador de uma das reuniões, mas tenta minimizar sua participação, alegando que não houve envolvimento direto em ações conspiratórias.
A inconsistência entre os relatos pode ser explorada pela acusação para demonstrar que, enquanto um dos réus tenta descartar a existência de articulações, outro admite contatos que reforçam a hipótese da PGR de que havia uma estratégia coordenada.
Organização criminosa: fato ou ilação?
Outro ponto de divergência se refere à suposta existência de um grupo estruturado para atuar contra o resultado das eleições de 2022. O Major Guilherme Marques Almeida e o General Braga Netto alegam que a denúncia não individualiza as condutas e não apresenta elementos concretos que comprovem a organização criminosa. No entanto, a defesa do Tenente-Coronel Rafael Martins de Oliveira e do General Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira mencionam que a acusação imputa a existência de um grupo dividido em núcleos operacionais distinto.
Se a estratégia de defesa fosse coesa, todos os denunciados deveriam negar a existência de uma organização. No entanto, enquanto alguns atacam a falta de provas concretas, outros reconhecem que a PGR fundamenta suas alegações em uma divisão de tarefas entre os investigados, o que pode dificultar a rejeição da denúncia.
Acesso às provas: houve cerceamento de defesa?
A falta de unidade também se reflete nas alegações sobre o acesso às provas. O General Braga Netto sustenta que não teve acesso integral ao material probatório, o que, segundo ele, compromete sua ampla defesa. Por outro lado, o General Augusto Heleno, apesar de contestar a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgar o caso, não menciona dificuldades para acessar o conteúdo da investigação. Já o Capitão Hélio Ferreira Lima sustenta que as únicas provas contra ele são mensagens enviadas a Mauro Cid, que já estavam disponíveis publicamente na internet.
Se a alegação de cerceamento fosse generalizada, todos os réus deveriam apontar essa irregularidade. No entanto, a divergência pode indicar que alguns advogados tiveram acesso aos autos, enquanto outros tentam invalidar o processo com base nessa suposta restrição.
A multiplicidade de contradições e divergências evidenciada nas defesas expõe uma fragilidade estrutural nas estratégias jurídicas dos militares denunciados. O STF enfrentará o desafio de avaliar essas incoerências, determinar se há indícios suficientes para a continuidade do processo e possivelmente transformar os acusados em réus, aprofundando ainda mais a investigação sobre as alegações de conspiração golpista.
A análise das defesas dos militares mostra que, apesar de uma estratégia bem coordenada para questionar a denúncia, as incoerências entre os argumentos podem ser exploradas pela PGR para reforçar a acusação. Se não havia um plano golpista, por que tantos tentam se afastar das reuniões? Se não há provas, por que tanta preocupação em acessar os autos? Se as delações não são confiáveis, por que o esforço para desqualificá-las?
O Supremo Tribunal Federal agora terá a missão de avaliar essas inconsistências e decidir se há elementos suficientes para transformar os denunciados em réus, aprofundando ainda mais a investigação sobre a tentativa de golpe. A continuidade do processo poderá revelar novos detalhes sobre o grau de envolvimento de cada militar e a real extensão das articulações antidemocráticas