Desde que a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou denúncias contra 34 pessoas acusadas de participação na tentativa de golpe de Estado, as manifestações das defesas começaram a revelar um padrão recorrente. Em um movimento que chama a atenção de juristas e analistas políticos, parte significativa das defesas dos denunciados pela PGR não nega que houve articulação golpista. Em vez disso, optaram por estratégias que minimizam o planejamento, justificam as ações ou tentam dissociar seus clientes de atos concretos.
As respostas à denúncia nos autos da Petição 12.100/DF, apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), revelam uma tendência clara: enquanto algumas defesas sustentam que não houve qualquer intenção golpista, outras reconhecem discussões e movimentações, mas tentam enquadrá-las como simples "bravatas" ou "exercícios acadêmicos".
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O que algumas das defesas já entregues ao STF revelam:
O Supremo Tribunal Federal recebeu as defesas dos seguintes denunciados:
- Jair Bolsonaro (ex-presidente da República) e General Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e vice na chapa de Bolsonaro em 2022): Ambos alegam que não há provas concretas de envolvimento direto em um plano golpista, mas não negam a existência de discussões sobre o tema dentro do governo.
- Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator no caso): Sua delação confirmou que havia reuniões e minutas de decretos golpistas em posse de Bolsonaro. Sua defesa, no entanto, argumenta que ele apenas executava ordens e não tinha qualquer poder de decisão.
- Paulo Sérgio Nogueira (general do Exército e ex-ministro da Defesa): Admite que houve reuniões e discussões sobre um golpe de Estado dentro do governo Bolsonaro, mas afirma que sua atuação foi no sentido de evitar que isso ocorresse.
- General Augusto Heleno (ex-ministro do GSI – Gabinete de Segurança Institucional): Reconhece que, dentro do Exército e do governo, houve debates sobre a possibilidade de impedir a posse de Lula, mas minimiza a relevância desses encontros.
- Alexandre Ramagem (ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência – Abin): Argumenta que seu nome foi incluído no inquérito apenas por proximidade com Bolsonaro e que sua atuação sempre foi institucional.
- Anderson Torres (ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro): Sua defesa sustenta que, mesmo que houvesse articulações para impedir a posse, ele próprio não participou ativamente e estava focado na transição de governo. Além disso, a defesa admite que documentos como a minuta golpista circulavam amplamente entre membros do governo e políticos de extrema direita apoiadores de Bolsonaro.
- Wladmir Matos Soares (agente da Polícia Federal) e Silvinei Vasques (ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal): Ambos não negam que houve tentativas de interferir no processo eleitoral, mas minimizam esses eventos.
- Marília Alencar (ex-subsecretária de Inteligência na gestão de Anderson Torres): Alega que apenas seguiu ordens e que não participou de nenhuma conspiração.
- Almirante Almir Garnier: Admitiu que Bolsonaro tentou cooptar os comandantes das Forças Armadas para um golpe, mas negou envolvimento ativo. Seus advogados afirmam que sua postura “silente” em reuniões não pode ser interpretada como adesão ao plano golpista.
- General Estevam Cals Theophilo: Seguiu a mesma linha do almirante Garnier, negando envolvimento e alegando falta de provas diretas. Seus advogados argumentam que a acusação se baseia em interpretações equivocadas de mensagens e reuniões e que sua presença no Palácio da Alvorada foi meramente protocolar. Também não nega que houvesse alguma conspiração golpista em curso.
- General Mário Fernandes: em sua manifestação, negou qualquer plano para assassinar autoridades e afirmou que o documento “Punhal Verde e Amarelo”, encontrado em seu HD, nunca foi compartilhado com ninguém. Sua defesa argumentou que não há provas de que ele tenha apresentado o documento a outros investigados e que o relatório policial não conseguiu comprovar qualquer vínculo com a suposta operação de execução de autoridades.
- General Nilton Rodrigues: acusado de pressionar militares a aderirem ao golpe, tentou desqualificar a acusação alegando que passou a maior parte do governo Bolsonaro fora do Brasil. Em sua defesa, afirmou que estava no exterior em grande parte do período analisado pela PGR e que sua participação em reuniões não tinha viés conspiratório.
- Tenente-Coronel Hélio Ferreira Lima: denunciado por ter em posse um documento que detalhava um plano golpista, alegou que o material era apenas um “estudo acadêmico”. Segundo sua defesa, o documento “Op Luneta” era uma análise teórica e não um planejamento concreto para um golpe de Estado.
Minimização da conspiração e tentativas de dissociação
Uma parte expressiva dos denunciados admitiu, ainda que indiretamente, que houve movimentações e reuniões em torno de um plano golpista. No entanto, em vez de contestar a existência desses fatos, as defesas argumentam que os denunciados não participaram das decisões centrais ou que não houve um plano concreto capaz de ser implementado. Esse movimento pode ser observado em diversos depoimentos e manifestações formais entregues ao STF.
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Dessa forma, as defesas utilizam uma abordagem dupla: reconhecem que havia movimentações, mas tentam distanciar seus clientes do núcleo decisório ou minimizar a importância dessas ações.
A estratégia predominante entre os advogados dos acusados é não refutar diretamente a existência de articulações para impedir a posse de Lula, mas tratar o episódio como algo sem consequência prática, um movimento desorganizado ou um conjunto de ideias sem viabilidade real.
Entre os que mencionaram diretamente o plano golpista sem contestá-lo, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira foi um dos mais explícitos. Sua defesa afirmou que ele e o então comandante do Exército, Freire Gomes, se opuseram ao golpe, o que significa admitir que o risco de ruptura institucional existia.
Outro caso em que a conspiração foi mencionada sem contestação veio da defesa do agente da Polícia Federal Wladimir Matos Soares, acusado de envolvimento em um plano para assassinar autoridades a fim de gerar caos e facilitar uma intervenção militar. Seus advogados não negaram que essas conversas ocorreram, apenas as classificaram como “supostas bravatas”, tentando amenizar o teor das declarações interceptadas pela PF.
O ex-ministro do GSI, Augusto Heleno, em sua manifestação ao STF, não nega diretamente a existência de articulações golpistas. No entanto, sua defesa alega que sua participação foi apenas de caráter institucional e que ele não teve envolvimento direto em um suposto plano de ruptura democrática. Essa estratégia reforça a tática predominante de reconhecer a conspiração sem admitir um papel ativo nela.
Casos semelhantes ocorreram com o tenente-coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo, cuja defesa não negou a conspiração, apenas apresentou um álibi para provar que ele não estava presente em reuniões golpistas. O mesmo ocorreu com o tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior, cuja defesa argumentou que ele não participou “dos supostos crimes”, sugerindo indiretamente que a conspiração existia, mas não envolvia o acusado.
Uma das defesas mais simbólicas foi a do coronel Bernardo Romão Corrêa Neto, que argumentou que a suposta trama golpista não passava de uma "bravata" e fruto de um "destempero emocional". Segundo ele, havia conversas e movimentações, mas estas não configurariam um plano concreto de tomada de poder.
Já a defesa do tenente-coronel Hélio Ferreira Lima adotou uma abordagem ainda mais sofisticada. Diante da descoberta de um documento encontrado em um pendrive, intitulado "Op Luneta", que detalhava um plano de golpe, seus advogados alegaram que o material era apenas um "estudo acadêmico". O documento, segundo eles, visava analisar "cenários prospectivos" e não poderia ser interpretado como uma tentativa real de ruptura institucional.
Impacto jurídico e político
O conjunto das manifestações das defesas já entregues ao STF evidencia um padrão claro: os denunciados não negam a existência de articulações para impedir a posse de Lula, mas tentam relativizar os eventos, minimizar suas consequências e desqualificar a tese de um plano organizado e executável.
Entre os 27 que apresentaram defesa:
- Parte admite que havia discussões golpistas, mas minimiza sua relevância.
- Outro grupo argumenta no sentido de minimizar ou isentar a participação em uma conspiração golpista sem negar a existência dela.
- Alguns focam na ausência de provas e questionam a legalidade do julgamento.
Se antes aliados de Bolsonaro tentavam negar publicamente qualquer risco de golpe, as próprias manifestações das defesas agora demonstram que a existência de uma conspiração deixou de ser uma questão política e passou a ser um fato jurídico incontornável.
Para especialistas, o fato de muitas defesas não negarem expressamente a existência de articulações golpistas pode reforçar a narrativa da PGR de que havia, sim, um plano em curso para reverter o resultado das eleições de 2022 em uma espécie de reconhecimento implícito de que existiram movimentações atípicas dentro do aparato militar e civil em direção a um rompimento institucional.
Politicamente, a situação também é sensível. A oposição ao governo Lula tenta se distanciar das investigações, enquanto apoiadores do ex-presidente Bolsonaro minimizam as denúncias. No entanto, a crescente quantidade de provas e a própria linha adotada por diversas defesas indicam que o STF terá elementos robustos para avaliar a responsabilidade de cada um dos envolvidos.