CLEBER LOURENÇO

Exército quer esconder nomes de generais punidos durante governo Bolsonaro

Pedido do site Sociedade Militar expõe resistência do Exército em divulgar informações sobre processos administrativos, alimentando questionamentos sobre transparência e responsabilidade

Jair Bolsonaro e militares do Exército.Créditos: Pedro Ladeira/Folhapress
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O Exército Brasileiro enfrenta novas críticas por sua postura reiterada de resistência à transparência. Em resposta a um pedido do site Sociedade Militar, que solicitava informações detalhadas sobre processos administrativos contra oficiais generais instaurados nos últimos dez anos, a instituição negou acesso aos dados, alegando "quebra de hierarquia" e "dificuldades técnicas". A negativa ocorreu mesmo após decisões da Controladoria-Geral da União (CGU) que determinavam a divulgação das informações, consideradas de alto interesse público.

O pedido, apresentado por Robson Augusto, editor do site Sociedade Militar, buscava identificar quais generais foram punidos, detalhando os nomes, números de processos e resultados. Segundo ele, o objetivo é garantir que as normas valem igualmente para todos os integrantes da instituição, independentemente de suas patentes. "A nossa posição é que os militares precisam, sim, saber que as regras valem também para os que comandam, assim como ocorre em todas as instituições. Todos os órgãos do governo são hierarquizados, mas só os militares alegam hierarquia como base para negar informações", afirmou Robson.

Resistência à transparência e impactos na hierarquia

A negativa do Exército foi embasada no argumento de que a divulgação dessas informações representaria uma quebra de hierarquia, justificativa que tem sido repetida em outros pedidos semelhantes. Entretanto, especialistas em direito militar e governança pública destacam que a hierarquia não deve ser utilizada como pretexto para evitar a transparência. "Essa resistência não fortalece a hierarquia, mas sim a percepção de que existem privilégios dentro das Forças Armadas", afirmou uma fonte jurídica próxima ao caso.

Ainda que o Exército insista nesse argumento, práticas de maior transparência já são adotadas por outras instituições hierarquizadas, como tribunais e polícias militares. Essas iniciativas demonstram que a exposição de informações públicas não enfraquece as instituições, mas sim fortalece a confiança pública e a percepção de justiça.

Caso dos acampamentos golpistas: um padrão de resistência

A negativa em atender ao pedido do Sociedade Militar não é um caso isolado. Recentemente, o Exército também recusou o pedido de divulgação de informações sobre os acampamentos golpistas instalados em frente a quartéis após as eleições de 2022 feito por esta coluna. Outra negativa do Exército marcada por argumentos inconsistentes. Enquanto o órgão afirma que o pedido abrangeria uma "ampla gama de informações", o escopo original da solicitação estava bem delimitado, restringindo-se a unidades centrais e a um período específico de tempo: o final de 2022 e o início de 2023.

Além disso, o Exército não apresentou evidências concretas para sustentar a alegação de desproporcionalidade, como exige o enunciado CGU nº 11/2023. Esse entendimento determina que, para negar pedidos dessa natureza, o órgão deve demonstrar objetivamente a impossibilidade operacional ou apresentar alternativas, como o fornecimento parcial das informações ou a possibilidade de consulta presencial.

A ausência de alternativas reforça a percepção de que a negativa não foi técnica, mas deliberada, configurando um entrave à transparência e ao controle social sobre as Forças Armadas.

Esse comportamento reforça a percepção de que a instituição resiste a prestar contas à sociedade em momentos críticos, protegendo sua imagem e evitando responsabilizações. No caso dos acampamentos, a recusa em divulgar informações sobre organização, financiamento e controle de acesso gerou indignação entre parlamentares e setores da sociedade civil, que consideram a transparência essencial para evitar a repetição de atos antidemocráticos.

Politização nas Forças Armadas e necessidade de responsabilização

O pedido do Sociedade Militar também reflete uma preocupação maior com a politização dentro das Forças Armadas. Nos últimos anos, diversos episódios indicaram a aproximação de setores militares com discursos e práticas políticas, especialmente durante o governo de Jair Bolsonaro. A sociedade tem o direito de saber quais líderes ultrapassaram os limites da legislação e da disciplina militar, assumindo posições que contribuíram para momentos de instabilidade política e social no país.

Fontes ligadas ao caso apontam que identificar esses generais é fundamental para preservar a integridade institucional e evitar que crises semelhantes se repitam. "Se não há transparência, como podemos garantir que as Forças Armadas estão cumprindo seu papel constitucional?", questionou um especialista em governança pública.

Câmara de Mediação e suspensão de decisões

No caso do Sociedade Militar, o Exército conseguiu adiar o cumprimento das determinações da CGU ao levar o caso à Câmara de Mediação e Conciliação da Advocacia-Geral da União (AGU). Por meio de um acordo incidental, foi determinada a suspensão temporária do prazo de 60 dias para entrega dos dados, alegando a necessidade de "harmonizar posições entre os órgãos". Essa suspensão é vista por críticos como uma estratégia para protelar indefinidamente a divulgação das informações.

Documentos obtidos mostram que essa prática de suspensão não se limita ao caso do Exército, sendo também aplicada em situações envolvendo outras Forças, como a Marinha e a Aeronáutica. Isso cria um precedente preocupante para o tratamento de pedidos de acesso à informação relacionados às Forças Armadas, levantando dúvidas sobre o comprometimento com a transparência em áreas sensíveis. 

A resistência como ameaça à democracia

Especialistas e membros do governo apontam que a postura do Exército compromete os esforços de fortalecimento da transparência e da democracia no Brasil. Ao negar repetidamente pedidos de acesso à informação, a instituição se distancia de práticas democráticas de prestação de contas, enfraquecendo a confiança pública e alimentando percepções de impunidade dentro de suas fileiras.

A divulgação dos dados solicitados pelo Sociedade Militar seria um passo importante para identificar líderes que violaram normas e tomaram decisões contrárias à legislação. Mais do que isso, permitiria à sociedade avaliar o impacto dessas condutas na estabilidade institucional e prevenir a repetição de práticas ilegais.

Ao proteger generais punidos de exposição pública, o Exército não apenas resiste a prestar contas, mas também dificulta o avanço de políticas democráticas que promovam a transparência e a responsabilização. Para Robson Augusto, a transparência é essencial para a saúde institucional. "Os militares precisam entender que as regras valem para todos, especialmente para aqueles que comandam, assim como ocorre em todas as instituições. Todos os órgãos do governo são hierarquizados, mas só os militares alegam hierarquia como base para negar informações", concluiu.

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