CLEBER LOURENÇO

Episódio envolvendo vídeo da Marinha sobre "privilégios" termina sem punições

Após tensão, governo encerra discussão sobre peça publicitária polêmica sem qualquer punição aos envolvidos pela criação e divulgação da peça, que funcionou como um chamamento à insubordinação

Vídeo institucional da Marinha com provocações e ameaças gerou revolta nas redes.Créditos: Reprodução de vídeo / Rede X
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O episódio envolvendo o vídeo divulgado pela Marinha em dezembro, que ironizava críticas a supostos "privilégios" militares, foi encerrado sem aplicação de punições. A coluna apurou que após irritação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a peça, o presidente ordenou uma reunião com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro e comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, encontro que ocorreu apenas semana passada, um mês após a polêmica, na Granja do Torto para esclarecimentos. A conversa, segundo interlocutores, foi tranquila e terminou sem qualquer reprimenda ou encaminhamento objetivo sobre o episódio.

A recente polêmica não apenas reacende memórias de crises passadas, como também reforça a sensação de fragilidade na relação entre o governo Lula e as Forças Armadas. Assim como em 2004, quando uma nota do Exército exaltando o golpe militar de 1964 terminou sem punições aos responsáveis, o caso atual evidencia uma histórica dificuldade dos governos lulistas em lidar com atos que desafiam diretamente a ordem democrática.

O vídeo como um chamado à indisciplina

Divulgado em dezembro, o vídeo da Marinha, alusivo ao Dia do Marinheiro, foi mais do que uma peça publicitária. Com imagens que alternavam militares em treinamento e civis em momentos de lazer, a peça terminava com a frase: “Privilégios? Vem para a Marinha”. Essa mensagem carregava um simbolismo preocupante, representando uma tentativa de colocar os militares acima do poder civil e sugerir que a instituição é superior às estruturas democráticas que a regem.

Conforme já noticiado pela Coluna, o vídeo foi recebido como um incômodo unânime no Palácio do Planalto e foi interpretado como uma provocação direta ao governo federal. Na ocasião a coluna também apurou que a narrativa do vídeo funcionou como um chamado à indisciplina, reforçando tensões internas nas Forças Armadas e estimulando ideias de insurreição dentro da tropa. Além de simbolizar um ataque velado ao poder executivo, a peça resgata um legado de instabilidade institucional alimentado durante a era Bolsonaro, que consolidou no meio militar um discurso de resistência ao Estado Democrático de Direito?.

Reação do governo e ausência de punições

A divulgação do vídeo levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a convocar uma reunião na semana passada na Granja do Torto com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen. Ainda em dezembro, após a publicação do vídeo, o  governo determinou que, a partir daquele momento, campanhas publicitárias das Forças Armadas passassem a ser previamente aprovadas pelo Ministério da Defesa. Apesar dessa mudança simbólica, a ausência de sanções reforça a percepção de leniência do governo, que novamente evitou confrontar diretamente a indisciplina militar.

Um retorno indigesto ao passado

Em 2004, José Viegas renunciou ao cargo de ministro da Defesa após Lula impedir que ele demitisse o chefe do Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEX), responsável por divulgar uma nota que exaltava o golpe militar de 1964 e as práticas de tortura empregadas pelo regime. Viegas condenou o episódio como incompatível com os valores democráticos e, frustrado pela falta de autonomia para agir, deixou o cargo registrando sua insatisfação em uma carta crítica. O caso destacou a dificuldade de Lula em enfrentar atos de insubordinação militar sem comprometer a estabilidade institucional. No entanto, assim como no caso atual, não houve punições aos responsáveis.

A diferença entre os dois episódios é tênue. Viegas, apesar da conivência de Lula com o episódio, assumiu uma postura firme contra a nota, simbolizando um esforço de proteção à democracia. Em contraste, José Múcio, atual ministro da Defesa, adota uma postura de submissão aos generais mais profunda do que até mesmo a que oficiais graduados possuem em relação aos oficiais de maior patente, o que reforça a percepção de submissão do governo diante das Forças Armadas?

A fragilidade democrática e os riscos de permissividade

A ausência de punições no caso atual contribui para aprofundar um cenário já fragilizado, no qual a relação entre civis e militares se encontra desbalanceada. O vídeo da Marinha, ao incitar a tropa e sugerir uma superioridade militar sobre o poder civil, escancara as tensões internas das Forças Armadas e evidencia um esforço deliberado para desafiar a ordem democrática.

Essa postura fragiliza, de forma direta e internacional, a percepção da democracia brasileira diante das frequentes intentonas golpistas que marcaram não apenas o final de 2022, mas toda a história republicana do Brasil. A ausência de respostas firmes do governo atual contribui para consolidar a imagem de um Estado que, diante das Forças Armadas, continua hesitante em afirmar a autoridade civil sobre as instituições militares.

Esse episódio, longe de ser isolado, reflete uma continuidade histórica de permissividade com indisciplinas militares. Ao não impor consequências reais, o governo reforça a percepção de que atos de insubordinação não apenas são tolerados, mas também estimulam ideias golpistas, comprometendo o equilíbrio entre as instituições e a estabilidade democrática do Brasil.

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