O advogado e jurista Ives Gandra Martins, espécie de guru jurídico de bolsonaristas por ser autor de teses que embasariam o movimento golpista, apesar de ter endossado os ataques de Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), não enxerga conduta ilegal de Alexandre de Moraes após os diálogos de assessores que o jornal Folha de S. Paulo tentou transformar em escândalo.
Em reportagem publicada na última terça-feira (13), o periódico paulistano diz que Moraes agiu "fora do rito" ao requisitar, através de seus assessores, relatórios ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre investigados no inquérito das fake news com o objetivo de embasar suas decisões no Supremo. Apesar de a reportagem em momento algum utilizar a palavra "ilegal", fica claro, no texto, que o objetivo é sugerir que Moraes tivesse agido à margem da lei ou às escondidas para "perseguir" bolsonaristas.
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A matéria utiliza como base diálogos vazados por uma "fonte interna" entre assessores do gabinete de Moraes e assessores do TSE, tratando sobre informações e relatórios solicitados pelo ministro entre o final de 2022 e o início de 2023, quando Moraes presidia o TSE, sobre pessoas que estariam promovendo ataques à Justiça brasileira e divulgando notícias falsas no âmbito da tentativa de golpe de Estado registrada no Brasil naquele período. O ápice do movimento golpista se deu em 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília clamando por uma intervenção militar.
Acontece que, além de relator do inquérito das fake news no STF, Moraes era, à época, presidente do TSE. Como presidente da Corte Eleitoral, por lei, o ministro tem poder de polícia para requisitar tais informações e encaminhá-las, em caso de indícios de crime, à seara criminal – no caso, o próprio STF, mais especificamente no âmbito do inquérito que relata.
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Juristas e especialistas ouvidos pela Fórum apontam que a “denúncia” da Folha não revela nada além do fato de que Alexandre de Moraes usou suas prerrogativas legais como ministro do STF e presidente do TSE. A opinião desses juristas é compartilhada por Ives Gandra Martins, que entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da própria Folha de S. Paulo, revelou ainda que não apoiará um eventual pedido de impeachment contra Moraes articulado por bolsonaristas.
Gandras Martins disse que não assinará pedido de impeachment contra o ministro do STF "em nenhuma hipótese". "Não tenho a tentação de atacar fulano ou beltrano. Sempre ataquei ideias, não professores", declarou.
Igual a Lava Jato?
Apesar de não ver irregularidades na conduta de Moraes, Ives Gandra Martins compara a conduta do ministro àquela revelada pela série da Lava Jato, que mostrou articulações ilegais entre membros do Ministério Público Federal e a 13ª Vara Federal de Curitiba, entre eles o ex-procurador Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sergio Moro.
"Evidentemente, é uma conversa inadequada. Mas, a meu ver, assim como eu entendia naquele momento da Vaza Jato [em referência à série jornalística que revelou o escândalo da Lava Jato], não há problema maior agora [no caso de Moraes]", afirmou o jurista.
Pela interpretação do advogado, não há nada de ilegal na atuação de Moraes assim como não a conduta de Moro observado na Lava Jato também seria regular. Ele cita, como exemplo, a absolvição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O mandatário, entretanto, teve seus processos extintos pelo STF por outro motivo: a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgá-lo.
Para o professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Pierpaolo Bottini , a comparação entre o que aconteceu na Lava Jato e o caso de Moraes divulgado pela Folha é descabida. Em artigo publicado no site Conjur, ele aponta o que considera ser um "mar de diferenças" entre os dois episódios.
Segundo o jurista, por presidir um inquérito policial que investiga a propagação de desinformação "com o objetivo de suprimir o regime democrático e incentivar a tomada violenta do poder político", Moraes "tem o poder de juntar aos autos materiais e relatórios importantes para as investigações, além de determinar medidas para assegurar a integridade das provas e a permanência dos investigados no país".
Ou seja, independente de provocação, ele pode pedir, entre outras medidas, dados e informações, determinar o sequestro de bens e a produção antecipada de provas, além de exames periciais, buscas e apreensões. A despeito da informalidade dos diálogos, eles mostram assessores que buscam "cumprir determinações e orientações dentro das atribuições mencionadas".
Bottini ressalta que as conversas da Lava Jato reveladas "apontam agentes cruzando a fronteira da legalidade", com procuradores debatendo o uso de dados sigilosos e a divulgação de elementos de investigações à imprensa para desgastar réus perante a opinião pública ou "emparedar aqueles que poderiam reformar as decisões judiciais" no âmbito da operação.
"Nos diálogos de Curitiba, há conversas entre procuradores e juiz sobre timing de denúncias, de cautelares, e a respeito da qualidade ou dos defeitos de peças, revelando uma relação controversa e perigosa (...)", pontua o professor. "O Supremo e seus ministros, como qualquer órgão e agentes públicos, podem e devem ser criticados e escrutinados, mas comparar as mensagens em questão com aquelas vazadas no âmbito da 'lava jato' é ignorar sua substancial diferença de conteúdo, qualidade jurídica e gravidade política."