Horas após publicar nesta terça-feira (13) uma matéria com denúncia de um suposto abuso do ministro Alexandre de Moraes na época em que acumulou cargos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a própria Folha de S. Paulo usou as redes sociais para revelar alguns dos áudios que teriam embasado a reportagem. Os autores, o secretário de redação da Folha em Brasília, Fábio Serapião, e o jornalista estadunidense Glenn Greenwald, dizem ter em posse 6 gigas de conversas trocadas entre assessores de Moraes de ambos os tribunais.
Um deles é o juiz instrutor Airton Vieira, principal assessor de Moraes no STF. Em áudio de cerca de 2 minutos, ele conversa com Eduardo Tagliaferro, perito criminal que, à época, chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE. Mais tarde, em maio de 2023, Tagliaferro foi preso acusado de violência doméstica e deixou o TSE.
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As conversas entre Airton Vieira e Eduardo Tagliaferro ocorreram em 10 de outubro de 2022. Segundo a Folha, eles teriam “receio de algo viesse a público”.
No entanto, ao escutar o transcrever o áudio, tudo o que ouvimos são dois funcionários lamentando o temperamento de um chefe, que no caso é Alexandre de Moraes. Além disso, o teor técnico da conversa não diz muita coisa. Basicamente Tagliaferro fez seu trabalho, produzindo ou relatando provas contra algum bolsonarista investigado, mas Moraes pediu que outros elementos fossem incluídos no relatório. Aparentemente, o tema é tratado mais como um “capricho de chefe” do que como uma conduta ilegal que precisa ficar oculta.
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Leia transcrição do áudio
Tagliaferro – Preciso ver, acho que não. É que é muita coisa. Acabei não colocando tudo porque eu coloquei outras coisas que falavam mais de 142 [artigo 142 da Constituição, alardeado pelos bolsonaristas como aquele que justificaria uma ‘intervenção militar’] do que isso. Foi o que ele pediu, né? O 142. Mas se o senhor falar, eu altero.
Vieira – Talvez seja mais interessante colocar, Eduardo, alterando, pelo seguinte: quem mandou isso aí exatamente agora foi o ministro. E mandou dizendo: ‘ah, vocês querem que eu que faça o laudo?’ Ele está, sabe… muito… ele cismou com isso, e como está esses dias sem sessão, sem isso e sem aquilo, está com tempo para ficar… entendeu… procurando. Agora ele mandou esses três. Como eu não lembrava, e não lembro, honestamente, porque a gente vê tanta coisa, e por isso perguntei a você. Talvez seja melhor por, alterar mais uma vez, né, fazer o quê? Que daí satisfaz sua excelência. Obrigado.
Tagliaferro – Então, mas tem coisas que fundamentam. Ele quer que coloque mais ainda? Na verdade ele quer que coloque o que ele acha, né? Mas o que já tem é mais do que essencial pra isso. Mas eu altero, vou alterar aqui rapidinho.
Vieira – Concordo com você, Eduardo. Se for ficar procurando vai encontrar evidências. Mas isso que você disse sobre o que já tem, é suficiente. Mas não adianta, ele cismou, entendeu? Quando ele cisma é uma tragédia, e pode ter certeza que se você colocar esses outros, que você falou que vai colocar agora, ele amanhã ou depois, se for o caso, ele vai encontra outros e falar que, sabe, só a gente não encontra e não sei o quê. Difícil, viu, difícil. Mas enfim, se você puder quebrar o galho aí e alterar, por favor. Senão ele vai falar que mostrou alguns e a gente não fez constar.
O segundo áudio
O arquivo a seguir é um áudio enviado por Vieira a Taglaferro, em que pede, novamente, a adoção de medidas relacionadas aos processos e investigações que Moraes é responsável. Assumindo que a conversa realmente é de outubro de 2022, temos um cenário em que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) acabara de reiterar seu pedido pela saída de Moraes do STF e do TSE e, além disso, naquele momento, o magistrado já era um dos alvos favoritos, senão o favorito, da militância bolsonarista, seja ela nas redes, nas instituições ou nas ruas e aeroportos.
Moraes claramente estava mais estressado que o comum, dado o tom da conversa entre os seus assessores. O áudio a seguir mostra novamente Vieira incomodado com o temperamento do chefe e solicita a correção de algum documento, relatório ou prova processual, aparentemente produzido pelo TSE a pedido de Moraes. Se há algo ‘oculto’, é preciso que a Folha explique melhor.
Leia a transcrição
Vieira – Boa noite Eduardo, tudo bem? Seguinte, conversando com a Cristina, ela pediu que a partir desse relatório e desse em diante, onde você coloca ‘Supremo Tribunal Federal’, coloque, por favor, ‘Tribunal Superior Eleitoral’. O número do processo nunca ficar em aberto. Colocar, no caso desse e dos próximos, a não ser que tenha alguma outra contraindicação, o 4781. E colocar como de ordem do doutor Marco Antônio. Porque atualmente o ministro passa por uma fase difícil e qualquer detalhe, qualquer peninha, pode virar amanhã ou depois mais um objeto de dor de cabeça pra ele. Então, ficaria para todos os fins que é de ordem do doutor Marco, que ele manda enviar para a gente e aí tudo bem. Ninguém vai poder questionar nada etc., ou falar ‘de onde surgiu isso?’, “caiu do céu?’, ‘a pedido de quem?’ etc.. E colocar em cima, repito, ‘Tribunal Superior Eleitoral’, e como nesse processo que você já mandou, 4781, de ordem do doutor Marco Antônio Martin Vargas, e o cargo dele no TSE. Por favor, e eu aguardo a outra via. Muito obrigado.