BOLSONARO INDICIADO

PF cita "tentativa de golpe" no relatório das joias de Bolsonaro; entenda relação

Documento revela detalhes da trama, como o dia em o ex-presidente gritou 'Selva!' ao tomar ciência de leilão e a tentativa de reaver diamantes na Receita Federal

Jair Bolsonaro chora em ato em Copacabana.Créditos: Fernando Frazão/Agência Brasil
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O relatório da Polícia Federal que indicia Jair Bolsonaro (PL) pelo escândalo das joias subtraídas do acervo da Presidência da República também menciona, por pelo menos cinco vezes, a expressão "tentativa de golpe de Estado" - tema de outro inquérito pelo qual o ex-presidente também pode ser indiciado nas próximas semanas. Ambas as tramas estão relacionadas, segundo a investigação.

No documento sobre as joias, enviado ao Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro e outras 11 pessoas foram indiciadas por associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Segundo a PF, o ex-presidente montou uma organização criminosa para obter vantagens patrimoniais.

A investigação tem vários eixos, e um deles situa todo o esquema dentro das tentativas de golpe de Estado e abolição violenta do Estado de Direito que atingiram seu auge em 8 de janeiro de 2023. Um terceiro inquérito, pelo qual Bolsonaro já foi indiciado, trata das fraudes em cartões de vacinação e também está incluído na sequência de eventos descrita pela PF.

"Após o segundo turno das eleições presidenciais, frustrada a tentativa de golpe de Estado em curso naquele momento (conforme evidenciado nos autos da pet. 12.100/DF), o ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu sair do país com destino aos Estados Unidos", diz trecho do relatório.

A viagem ocorreu em 30 de dezembro de 2022, às vésperas da posse de Lula, e o general Hamilton Mourão ocupou interinamente a Presidência da República durante esse período.

"Dentro de sua estratégia, o ex-presidente levou para o exterior quase a totalidade de seus recursos financeiros disponíveis para imediata movimentação, transferindo 80% do montante depositado em contas bancárias no Brasil para sua nova conta no Banco BB Américas, sediado em Miami (FL). Além disso, determinou o envio, ao exterior, de bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras, para serem vendidos de forma dissimulada, longe do alcance das autoridades brasileiras", relata a PF.

Em outras palavras, a venda das joias serviria para financiar uma espécie de autoexílio de Bolsonaro nos EUA após o fracasso de sua tentativa de golpe de Estado. Os cartões de vacinação fraudados, por sua vez, foram usados para que ele permanecesse no país no caso de seu passaporte diplomático ser revogado. À época, os americanos exigiam comprovação de vacinação para visitantes.

O inquérito que pode indiciar Bolsonaro por organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado de Direito está quase concluído. Se a PF confirmar essas relações entre os três inquéritos, o ex-presidente estará em maus lençóis: terá provas robustas contra si no STF e ainda corre o risco de acumular mais penas do que o previsto.

"Selva!"

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, levantou o sigilo do relatório das joias nesta segunda-feira (8). Entre os detalhes revelados ao público, o documento descreve em detalhes a reação de Jair Bolsonaro ao ser informado pelo tenente-coronel Mauro Cid, seu ajudante de ordens, de que um conjunto de joias conhecido como 'Kit Ouro Rosé' já estava disponível para leilão nos EUA.

Isso ocorreu em 4 de fevereiro de 2023, cerca de um mês antes do escândalo se tornar público na imprensa. Na ocasião, Mauro Cid enviou a Jair o link do leilão organizado pela loja Fortuna Auctions, programado para 8 de fevereiro daquele ano.

"Selva!", respondeu Bolsonaro minutos depois. Segundo a PF, o uso do jargão reforça a ideia de que o ex-presidente estava ciente do que se tratava o leilão.

No celular de Bolsonaro, apreendido pela operação Venire, a PF encontrou buscas sobre a Fortuna Auctions. Em 8 de fevereiro de 2023, Cid enviou links com transmissões ao vivo dos leilões, mas as joias não foram vendidas naquela data.

Nas semanas seguintes, Mauro Cid tentou novamente colocar o kit em leilão, mas enfrentou resistência da empresa. Ele então pediu a devolução do item para o endereço onde Bolsonaro estava hospedado na Flórida.

Diamantes na Receita Federal

Outro aspecto revelado pelo relatório foi o diálogo entre Mauro Cid e Júlio Cesar Vieira Gomes, na época chefe da Receita Federal, em 31 de dezembro de 2022. O ajudante de ordens buscava a liberação de um conjunto de diamantes que chegaram ao Brasil com Bento Albuquerque, então ministro de Minas e Energia, e acabaram retidos no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

"Você informou ao presidente que vamos recuperar os bens?", perguntou Vieira Gomes.

Cid respondeu: "Informei".

Ex-oficial da Marinha, Vieira Gomes foi nomeado chefe da Receita Federal por Bolsonaro cerca de um mês após a apreensão das joias- ocorrida em outubro de 2022. Ele fez várias tentativas para liberar os itens, sem sucesso. Em 7 de fevereiro de 2023, aproximadamente um mês antes do escândalo se tornar público, Vieira Gomes novamente procurou Cid pelo WhatsApp, dessa vez para obter uma procuração de Bento Albuquerque.