A Justiça de São Paulo não vê a existência de conflito de interesses no processo de privatização da Sabesp, mesmo ciente do caso da executiva Karla Bertocco, que acumulou os cargos de presidente do conselho de administração da agora ex-estatal e da Equatorial Energia, a única empresa interessada na compra de 32% das ações da companhia a valores abaixo do preço de mercado.
A denúncia é da vereadora paulistana Luana Alves (Psol), que entrou na Justiça com uma ação popular pedindo a interrupção do processo de privatização e citando o caso de Bertocco como o principal elemento do seu argumento. Mas acabou perdendo num primeiro momento.
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Na decisão da última terça-feira (23), o juiz Fausto Dalmaschio Ferreira, da 11ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, deu 15 dias para que a vereadora inclua na ação as qualificações completas de Bertocco e da Equatorial Energia S/A, “considerando o interesse de ambas, haja vista a imputação de condutas irregulares e supostas vantagens indevidas”.
O magistrado diz na decisão que falta uma apresentação concreta daquilo que caracterizaria um conflito de interesses. Também diz que a nomeação de Bertocco à chefia da Sabesp foi feita dentro da lei.
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“No tocante à atuação simultânea da sra. Karla Bertocco Trindade em Conselhos da Equatorial e da Sabesp, inclusive em reuniões envolvendo a questão da ‘desestatização’, conquanto deva ser objeto de apurada análise e possa ser questionada do ponto de vista da moralidade subjetiva, verifica-se que a nomeação para o cargo na Sabesp observou a normativa estadual aplicável ao caso, conforme demonstrado pela Fazenda Pública (fls. 432/436), não havendo que se cogitar em aplicação da Lei Federal nº 12.813/2013 à espécie, por não haver lacuna na normativa estadual. Juntamente com o princípio da moralidade administrativa, é necessário observar o princípio da legalidade, com base no qual não há, ao menos em princípio, violação ao ordenamento jurídico na atuação da executiva”, diz trecho da decisão.
Em nota enviada à reportagem, a vereadora Luana Alves lamentou o indeferimento da ação. “Há um claro conflito de interesse. Estou bastante decepcionada com essa decisão da Justiça e sigo acreditando que é uma privatização que lesa o povo de São Paulo. Esperamos provar isso em todas as instâncias da Justiça brasileira”, comentou a vereadora, que estuda ainda as próximas vias que podem ser acionadas.
Karla Bertocco
Bertocco ganhava cerca de R$ 1 milhão por ano como presidente do Conselho de Administração da Equatorial. Em maio do ano passado, Tarcísio a convidou para ser a presidente do Conselho de Administração da Sabesp, ganhando cerca de R$ 160 mil por ano. A princípio, ela acumulou os dois cargos.
Mas, em dezembro passado, a privatização da Sabesp foi aprovada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e, em janeiro deste ano, apenas 23 dias depois dessa aprovação, Bertocco abriu mão do seu cargo na Equatorial, mantendo-se apenas CEO da Sabesp, com um salário aproximadamente 84% menor.
A decisão, que não fazia qualquer sentido em termos salariais, começa a ser explicada agora, sete meses depois, quando sua ex-empregadora foi, na última terça-feira (23), a única interessada no leilão das ações.
A Sabesp deu um lucro líquido de R$ 3,1 bilhões em 2023, mas suas ações foram vendidas a R$ 67 cada, em valor 18% abaixo dos R$ 87 estabelecidos no fechamento da Bolsa na última quinta-feira (18). As vendas arrecadaram R$ 14,8 bilhões aos cofres públicos paulistas, mas mesmo assim representa uma perda de R$ 4,5 bilhões, quase um terço do que foi arrecadado.
Tarcísio tenta se lançar como terceira via
Tarcísio deu uma entrevista nesta quarta (24) à Globo News em que adiantou quais são os próximos alvos do seu projeto privatista. E se engana quem imagina que sejam empresas públicas paulistas como o Metrô e a CPTM, que ele havia prometido entregar para mãos até 2026 durante a campanha.
Pelo contrário, o governador de São Paulo usou o palanque na mídia corporativa para se colocar como um possível pré-candidato ao Palácio do Planalto em 2026, de olho na inelegibilidade e possível prisão de Bolsonaro.
Ao ser questionado se havia mais espaço para privatizações no país, nomeadamente pelo entrevistador, da Petrobrás e do Banco do Brasil, Tarcísio foi direto ao ponto.
“Eu acredito que há mais espaço para o Brasil avançar nas privatizações. O grande benefício da privatização é mobilizar mais capital privado, ter fôlego para fazer e estruturar investimentos que nós não teríamos. Não dá para ficar dependente só do nosso espaço fiscal para mobilizar a quantidade de investimentos em todos os setores que nós temos que mobilizar. A privatização abre espaço para vir muito recurso”, declarou o governador.
Com a declaração, Tarcísio mostra sua habilidade política. Não citou as estatais federais, nem as intenções de substituir Bolsonaro nas eleições de 2026. Mas mandou um recado claro ao mercado financeiro: o de que está disponível e capacitado para tocar o projeto nacionalmente.
"Fizemos história"
Durante a cerimônia na Bolsa de Valores (B3) na última terça-feira (23), foram arrematadas 32% das ações da maior empresa de saneamento do país com valores abaixo do mercado.
O processo foi concluído na última segunda-feira (22) e na terça ocorreu a cerimônia. Logo depois, Tarcísio publicou nas suas redes um vídeo do momento e festejou a entrega desfavorável aos cofres públicos. O Estado agora é apenas um acionista minoritário da empresa.
“Fizemos história! A empresa referência nacional em saneamento básico se torna ainda mais forte a partir de agora. Uma enxurrada de investimentos privados para levar água na torneira e esgoto para todo mundo. Saneamento mais rápido, melhor, mais barato”, escreveu.
O processo de privatização foi aprovado à revelia da vontade popular, que se mostrou contrária à entrega do patrimônio, conforme apontou pesquisa Datafolha. Os debates também ficaram marcados pela ausência de democracia, uma vez que as vozes contrárias ao projeto – seja na Alesp ou nos movimentos sociais – não tiveram vez.
Agora a Sabesp privatizada promete entregar descontos prometidos de 10% para as 1,3 milhão de pessoas que utilizam tarifas social e vulnerável, de 1% para residências e de 0,5% para as outras categorias de consumo. A universalização do saneamento básico até 2029 também é uma promessa e, para cumprir com as expectativas, o governo prevê R$ 60 bilhões de investimentos até 2029.