‘PRIVATARIA’

Privatização da Sabesp está mal contada? Conflito de interesses envolve ex-executiva da compradora

Karla Bertocco, que acumulava cargos na Sabesp e na Equatorial, deixou cargo milionário para ficar apenas na ex-estatal, ganhando 84% a menos

Tarcísio de Freitas durante cerimônia na B3, em São Paulo, que marca a conclusão da privatização da Sabesp.Créditos: Danilo Verpa/Folhapress
Escrito en POLÍTICA el

Se a privatização da Sabesp promovida pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, soa como uma história mal contada, começam a surgir elementos que realmente apontam nessa direção. Um deles seria um eventual conflito de interesses envolvendo a agora ex-estatal de água e saneamento e a Equatorial Energia, a única interessada nas ações leiloadas da Sabesp em cerimônia realizada na última terça-feira (23) na Bolsa de Valores (B3).

A pivô dessa história é a executiva Karla Bertocco, que ganhava cerca de R$ 1 milhão por ano como presidente do Conselho de Administração da Equatorial. Em maio do ano passado, Tarcísio convidou a CEO da Equatorial para ser a presidente do Conselho de Administração da Sabesp, ganhando cerca de R$ 160 mil por ano. A princípio, ela acumulou os dois cargos.

Mas em dezembro passado a privatização da Sabesp foi aprovada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e, em janeiro deste ano, apenas 23 dias depois dessa aprovação, Bertocco abriu mão do seu cargo na Equatorial, mantendo-se apenas CEO da Sabesp, com um salário aproximadamente 84% menor.

A decisão, que não fazia qualquer sentido em termos salariais, começa a ser explicada agora, sete meses depois, quando sua ex-empregadora foi, na terça, a única interessada no leilão das ações da Sabesp comercializadas abaixo do valor de mercado.

A Sabesp deu um lucro líquido de R$ 3,1 bilhões em 2023, mas suas ações foram vendidas a R$ 67 cada, em valor 18% abaixo dos R$ 87 estabelecidos no fechamento da Bolsa na última quinta-feira (18). As vendas arrecadaram R$ 14,8 bilhões aos cofres públicos paulistas, mas mesmo assim representa uma perda de R$ 4,5 bilhões, quase um terço do que foi arrecadado.

Tarcísio tenta se lançar como terceira via

Tarcísio deu uma entrevista nesta quarta (24) à Globo News em que adiantou quais são os próximos alvos do seu projeto privatista. E se engana quem imagina que sejam empresas públicas paulistas como o Metrô e a CPTM, que ele havia prometido entregar para mãos até 2026 durante a campanha.

Pelo contrário, o governador de São Paulo usou o palanque na mídia corporativa para se colocar como um possível pré-candidato ao Palácio do Planalto em 2026, de olho na inelegibilidade e possível prisão de Bolsonaro.

Ao ser questionado se havia mais espaço para privatizações no país, nomeadamente pelo entrevistador, da Petrobrás e do Banco do Brasil, Tarcísio foi direto ao ponto.

“Eu acredito que há mais espaço para o Brasil avançar nas privatizações. O grande benefício da privatização é mobilizar mais capital privado, ter fôlego para fazer e estruturar investimentos que nós não teríamos. Não dá para ficar dependente só do nosso espaço fiscal para mobilizar a quantidade de investimentos em todos os setores que nós temos que mobilizar. A privatização abre espaço para vir muito recurso”, declarou o governador.

Com a declaração, Tarcísio mostra sua habilidade política. Não citou as estatais federais, nem as intenções de substituir Bolsonaro nas eleições de 2026. Mas mandou um recado claro ao mercado financeiro: o de que está disponível e capacitado para tocar o projeto nacionalmente.

Privatização e prejuízo

Durante a cerimônia na Bolsa de Valores (B3) na última terça-feira (23), foram arrematadas 32% das ações da maior empresa de saneamento do país com valores abaixo do mercado.

O processo foi concluído na última segunda-feira (22) e na terça ocorreu a cerimônia. Logo depois, Tarcísio publicou nas suas redes um vídeo do momento e festejou a entrega desfavorável aos cofres públicos. O Estado agora é apenas um acionista minoritário da empresa.

“Fizemos história! A empresa referência nacional em saneamento básico se torna ainda mais forte a partir de agora. Uma enxurrada de investimentos privados para levar água na torneira e esgoto para todo mundo. Saneamento mais rápido, melhor, mais barato”, escreveu.

O processo de privatização foi aprovado à revelia da vontade popular, que se mostrou contrária à entrega do patrimônio, conforme apontou pesquisa Datafolha. Os debates também ficaram marcados pela ausência de democracia, uma vez que as vozes contrárias ao projeto – seja na Alesp ou nos movimentos sociais – não tiveram vez.

Agora a Sabesp privatizada promete entregar descontos prometidos de 10% para as 1,3 milhão de pessoas que utilizam tarifas social e vulnerável, de 1% para residências e de 0,5% para as outras categorias de consumo. A universalização do saneamento básico até 2029 também é uma promessa e, para cumprir com as expectativas, o governo prevê R$ 60 bilhões de investimentos até 2029.