O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) prestou um longo depoimento à Polícia Federal (PF) nesta quarta-feira (17) no âmbito do inquérito que investigada a chamada 'Abin paralela'. O bolsonarista, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro, depôs por quase 7 horas: chegou à sede da superintendência da PF no Rio de Janeiro às 15h15 e só deixou o local às 22h, sem falar com a imprensa.
Ramagem, segundo a PF, teria sido o responsável por montar um esquema de espionagem ilegal dentro da Abin, durante o governo Bolsonaro, supostamente utilizada para espionar autoridades, desafetos políticos e até mesmo aliados do ex-presidente, com o intuito de protegê-lo (e proteger seus familiares) de eventuais reveses políticos e jurídicos.
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O ex-diretor da Abin depôs justamente em um momento chave da investigação: logo após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirar o sigilo de um grampo que teria feito de uma reunião com Jair Bolsonaro em que são discutidas maneiras de se usar órgãos do governo e a influência do ex-presidente para interferir em investigação da Receita Federal contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-chefe do Executivo.
Esta é a primeira vez que o deputado presta depoimento no âmbito do inquérito da 'Abin paralela'. Ramagem teria sido questionado pelos investigadores sobre o grampo da reunião e dado uma nova versão sobre o fato. Além disso, foi perguntado sobre o material apreendido em seus endereços durante operação de busca e apreensão que foi alvo em janeiro deste ano. Entre os documentos encontrados pelos policiais, estão alguns comprometedores que, para os investigadores, mostram que o ex-diretor da Abin usou a agência para perseguir desafetos e proteger Bolsonaro e seus familiares.
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A nova versão de Ramagem
Pouco antes de prestar depoimento à PF nesta quarta-feira (17), Ramagem mudou a versão sobre o motivo de ter feito o grampo da reunião com Jair Bolsonaro, Augusto Heleno, ex-chefe do GSI, e duas advogadas de Flávio Bolsonaro.
No encontro no Palácio do Planalto, segundo a PF, Bolsonaro realizou tráfico de influência ao colocar a Abin, comandada por Ramagem, a serviço da defesa do filho no caso de corrupção que ficou conhecido como "rachadinhas".
A gravação da reunião, que comprovaria, segundo a PF, a interferência do ex-presidente, foi feita pelo ex-chefe da Abin e causou irritação em Bolsonaro.
Em vídeo nas redes, Ramagem afirmou que "a gravação da reunião de agosto de 2020 não foi clandestina" e que o grampo foi realizado devido a uma informação recebida sobre uma pessoa que participaria da reunião e que teria contato com o governador do Rio de Janeiro na época".
"Havia a preocupação de que essa pessoa pudesse apresentar uma proposta nada republicana”, disse Ramagem, sobre o representante do então governador fluminense Wilson Witzel, ex-aliado de Bolsonaro, que teve o mandato cassado em 2021.
O grampo
O ministro Alexandre de Moraes (STF) retirou nesta segunda-feira (15) o sigilo sobre o áudio gravado escondido por Alexandre Ramagem (PL-RJ), então chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em 25 de agosto de 2020, em reunião com Jair Bolsonaro (PL), o general Augusto Heleno (então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional – GSI) e uma advogada que defendia os interesses do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente.
Na longa conversa, cuja gravação contou com um 1 hora e 8 minutos, esteve em pauta uma forma de interferir diretamente nas investigações que apuravam a suposta prática de rachadinha no antigo gabinete de Flávio na Alerj, quando ele era deputado estadual. Os auditores da Receita Federal que atuavam no caso eram os alvos da trama costurada no encontro.
O teor da gravação confirma informações preliminares de fontes ligadas à investigação que apontavam que a conversa deixaria inequívoca a ação do então chefe de Estado para interferir no andamento da apuração eventualmente criminosa que recai sobre seu filho primogênito, o que configuraria um crime grave.
Fontes da Fórum na PF, que não estão envolvidas no inquérito, mas que mantêm contato com os investigadores do caso, chamaram a gravação de “a bomba da República”, porque, segundo elas, colocaria o ex-presidente em situação ainda mais complicada diante da Justiça.
"Ressalto, ainda, que, a eventual divulgação parcial – ou mesmo manipulação – de trechos da Informação de Polícia Judiciária nº2404151/2024 (fls. 334-381), bem como da gravação nela referida, tem potencial de geração de inúmeras notícias incompletas ou fraudulentas em prejuízo à correta informação à sociedade", diz o despacho do ministro como argumento para levantar o sigilo da gravação.
Num trecho crítico da conversa, aos 48 minutos, após tratarem longamente de um caminho para descobrirem quem são os auditores da Receita Federal que chegaram a relatórios contra o senador Flávio Bolsonaro, e como o fizeram, o então presidente da República diz diretamente no diálogo para procurar o chefe do Dataprev, Gustavo Canuto, que foi ministro do Desenvolvimento Regional no governo Bolsonaro. A sugestão é para uma finalidade obviamente ilegal.
Já o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), alerta que a ação não pode “vazar”, naturalmente por se tratar de uma atitude criminosa. Bolsonaro então responde que Heleno pode confiar em chefe do Dataprev: "Meu ministro".
Um minuto antes, Bolsonaro demonstrava temor em ser gravado: “A gente nunca sabe se tem alguém gravando alguma coisa. Não estamos buscando o favorecimento de ninguém”, disse.
Ouça o áudio: