RESPOSTA

Witzel diz que Bolsonaro interferiu na PF e Abin após ser citado em reunião gravada por Ramagem

Ex-governador do RJ reage de forma explosiva ao fato de Bolsonaro ter dito que ele prometeu "ajudar" Flávio Bolsonaro nas investigações sobre rachadinha caso fosse indicado ao STF

Wilson Witzel, Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro.Créditos: Carolina Antunes/PR
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O ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, acusou Jair Bolsonaro de ter interferido na Polícia Federal (PF) e na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante seu governo.

O ex-mandatário estadual reagiu ao fato de ter sido citado pelo ex-chefe do Executivo durante a reunião palaciana gravada pelo ex-chefe da Abin e hoje deputado federal, Alexandre Ramagem, cujo sigilo no âmbito da investigação sobre a "Abin paralela" foi retirado nesta segunda-feira (15) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). 

A reunião em questão gravada por Ramagem, realizada fora da agenda oficial de Jair Bolsonaro no dia 25 de agosto de 2020 e que contou com a presença, além do ex-presidente e do ex-chefe da Abin, do general Augusto Heleno (então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional – GSI) e das advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, foi, segundo a PF, sobre como utilizar órgãos do governo federal para anular as investigações realizadas pela Receita Federal sobre o caso de "rachadinha" que recaia sobre o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente. 

Além da dar sugestões de como interferir diretamente sobre o caso para proteger seu filho, o que configura uma ilegalidade grave, Jair Bolsonaro, em dado momento da conversa, mencionou que o então governador Wilson Witzel havia prometido "resolver" o caso de Flávio Bolsonaro nas investigações sobre rachadinha – um esquema de corrupção que o senador praticaria em seu gabinete na época de deputado estadual – caso ele fosse indicado pelo ex-presidente ao uma vaga no STF. 

"O ano passado, no meio do ano, encontrei com o [Wilson] Witzel, não tive notícia [inaudível] bem pequenininho o problema. Ele falou, resolve o caso do Flávio. 'Me dá uma vaga no Supremo'", disparou Bolsonaro durante a reunião. 

Na sequência, após reação de surpresa das advogadas, Bolsonaro indicaria à vaga no STF o juiz Flávio Itabaiana, à época responsável por julgar o caso de rachadinha no gabinete de Flávio. 

Na noite desta segunda-feira (15), Wilson Witzel divulgou uma nota em que nega ter prometido interferir no caso de Flávio Bolsonaro e afirma que o ex-presidente deve estar em "confusão mental". O ex-governador ainda acusa Bolsonaro de ter interferido na PF e Abin 

"Nunca mantive qualquer relação pessoal ou profissional com o juiz Flavio Itabaiana e jamais ofereci qualquer tipo de 'auxílio' a qualquer um durante meu governo. O Presidente Jair Bolsonaro deve ter se confundido e não foi a primeira vez que mencionou conversas que nunca tivemos, seja por confusão mental, diante de suas inúmeras preocupações, seja por acreditar que eu faria, a nível local, o que hoje se está verificando que foi feito com a Abin e Policia Federal. No meu governo a Polícia Civil e militar sempre tiveram total independência e os poderes foram respeitados. A história e tudo o que aconteceu comigo comprovam isso", escreveu Witzel. 

Gravação revelada; entenda e ouça 

O ministro Alexandre de Moraes (STF) retirou nesta segunda-feira (15) o sigilo sobre o áudio gravado escondido por Alexandre Ramagem (PL-RJ), então chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em 25 de agosto de 2020, em reunião com Jair Bolsonaro (PL), o general Augusto Heleno (então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional – GSI) e uma advogada que defendia os interesses do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente.

Na longa conversa, cuja gravação contou com um 1 hora e 8 minutos, esteve em pauta uma forma de interferir diretamente nas investigações que apuravam a suposta prática de rachadinha no antigo gabinete de Flávio na Alerj, quando ele era deputado estadual. Os auditores da Receita Federal que atuavam no caso eram os alvos da trama costurada no encontro.

O teor da gravação acaba de vir a público e confirma informações preliminares de fontes ligadas à investigação que apontavam que a conversa deixaria inequívoca a ação do então chefe de Estado para interferir no andamento da apuração eventualmente criminosa que recai sobre seu filho primogênito, o que configuraria um crime grave.

Fontes da Fórum na PF, que não estão envolvidas no inquérito, mas que mantêm contato com os investigadores do caso, chamaram a gravação de “a bomba da República”, porque, segundo elas, colocaria o ex-presidente em situação ainda mais complicada diante da Justiça.

"Ressalto, ainda, que, a eventual divulgação parcial – ou mesmo manipulação – de trechos da Informação de Polícia Judiciária nº2404151/2024 (fls. 334-381), bem como da gravação nela referida, tem potencial de geração de inúmeras notícias incompletas ou fraudulentas em prejuízo à correta informação à sociedade", diz o despacho do ministro como argumento para levantar o sigilo da gravação.

Num trecho crítico da conversa, aos 48 minutos, após tratarem longamente de um caminho para descobrirem quem são os auditores da Receita Federal que chegaram a relatórios contra o senador Flávio Bolsonaro, e como o fizeram, o então presidente da República diz diretamente no diálogo para procurar o chefe do Dataprev, Gustavo Canuto, que foi ministro do Desenvolvimento Regional no governo Bolsonaro. A sugestão é para uma finalidade obviamente ilegal.

Já o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), alerta que a ação não pode “vazar”, naturalmente por se tratar de uma atitude criminosa. Bolsonaro então responde que Heleno pode confiar em chefe do Dataprev: "Meu ministro".

Um minuto antes, Bolsonaro demonstrava temor em ser gravado: “A gente nunca sabe se tem alguém gravando alguma coisa. Não estamos buscando o favorecimento de ninguém”, disse.

Ouça: