Responsável pela gravação do áudio da reunião em que Jair Bolsonaro (PL) pratica claramente tráfico de influência para tentar frear o avanço das investigações contra Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das "rachadinhas", Alexandre Ramagem (PL-RJ) deixou uma carreira promissora na Polícia Federal (PF) para se tornar membro da organização criminosa que cometeu crimes em série na tentativa de manter o ex-presidente no poder.
Ao lado de Carlos Bolsonaro (PL-RJ), Ramagem é um dos cabeças, segundo a PF, do esquema de arapongagem ilegal chamada Abin Paralela, que se relaciona com o chamado Gabinete do Ódio na espionagem e propagação de ataques a desafetos e adversários políticos de Bolsonaro.
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Nascido no Rio de Janeiro em 8 de maio de 1972 e bacharel em Direito pela Puc-Rio, Ramagem entrou para a Polícia Federal em 2005, onde atuou na área de coordenação de eventos como a Copa do Mundo de 2014, a Olimpíada de 2016 e a Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente.
Se especializou no combate ao tráfico de drogas, antes de entrar para a equipe da PF que atuava na operação Lava-Jato no Rio de Janeiro, em 2017.
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No posto, começou a se interessar pelo submundo da política e coordenou a operação “Cadeia Velha” que prendeu a cúpula do MDB na Alerj: os ex-deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi
Com 13 anos de corporação, o delegado chefiou a equipe de segurança de Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018, quando se aproximou, primeiramente, do filho "02", Carlos, articulador da campanha nas redes.
Após passar o reveillon com Carlos e o primo dele, Léo Índio, Ramagem foi nomeado assessor da Secretaria de Governo em março de 2019, selando de vez a aproximação com o clã Bolsonaro.
Elo com Carlos Bolsonaro
Enquanto montava o chamado Gabinete do Ódio no Palácio do Planalto, Carlos Bolsonaro ficou cada vez mais íntimo de Ramagem, que no governo atuava sob a tutela do general Carlos Alberto Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo.
À época, a instalação de uma "Abin paralela" já fazia parte dos planos do filho "02" de Jair Bolsonaro.
O desejo de Carlos Bolsonaro foi revelado em entrevista ao Roda Viva pelo ex-secretário geral da Presidência, Gustavo Bebianno, no dia 3 de março de 2020. Bebianno morreu 11 dias depois da entrevista.
Na ocasião, o ex-secretário geral da Presidência revelou que o filho de Bolsonaro articulava com "um delegado da PF" a montagem da Abin paralela logo nos primeiros meses de governo.
"Um belo dia o Carlos Bolsonaro aparece com um nome de um delegado federal e três agentes que seriam uma Abin paralela. Isso porque ele não confiava na Abin".
Ainda segundo o ex-secretário, ele e o general Santos Cruz afirmaram a Bolsonaro que eram contra a ideia.
"O general Heleno (chefe do gabinete Institucional da presidência) foi chamado. Ficou preocupado. Mas ele não é de confronto e o assunto acabou comigo e o general Santos Cruz. Nós aconselhamos o presidente a não fazer aquilo porque também seria motivo de impeachment. Eu não sei se isso foi instalado porque depois eu acabei saindo do governo".
Questionado se o delegado seria o atual diretor da Abin, Alexandre Ramagem, Bebianno preferiu não responder. “Eu lembro o nome do delegado. Mas não vou revelar por uma questão institucional e pessoal”, afirmou.
Na mesma entrevista, Bebianno revelou que Carlos Bolsonaro comandava o Gabinete do Ódio.
“Eu disse ao presidente que as notícias falsas não podiam estar dentro do Planalto porque poderiam dar em impeachment. Mas a pressão que o Carlos faz é tão grande que o pai não consegue se contrapor ao filho. É como aquela criança que quer um presente no shopping, esperneia e o pai não tem pulso para dizer não”, contou.
Gabinete do ódio e "Abin paralela"
Após se aproximar de Ramagem e em meio à tentativa de criar a "Abin paralela" para atuar junto ao Gabinete do Ódio, Carlos Bolsonaro instalou a primeira grande crise no Planalto.
O alvo era justamente o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que se opôs aos planos do filho de Bolsonaro e foi demitido em 13 de junho de 2019.
Menos de um mês depois, Ramagem foi nomeado por Bolsonaro como diretor-geral da Abin, com o aval de Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
Na Agência, Ramagem consumou o sonho de Bolsonaro. Em abril de 2020 - menos de um ano após o ex-delegado assumir o comando da Abin -, o ex-presidente revelou ter um "sistema particular" de informações.
"Sistemas de informações: o meu funciona. [...] O meu particular funciona. Os ofi... que tem oficialmente, desinforma. E voltando ao ... ao tema: prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho", disparou em um de seus palavrórios.
Direção da PF
No mesmo mês de abril de 2020, quando Sergio Moro anunciou que deixaria o Ministério da Justiça por interferência de Bolsonaro na PF.
O ex-presidente queria demitir o lavajatista Maurício Valeixo para colocar alguém de seu sistema de informações na Polícia Federal em razão das investigações contra os filhos - em especial o esquema de corrupção das "rachadinhas" de Flávio Bolsonaro e das milícias digitais, que envolve diretamente Carlos Bolsonaro.
Com a saída de Moro e Valeixo, Bolsonaro chegou a nomear Ramagem para o posto. Mas, a nomeação foi impedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelo elo de Ramagem com Carlos. Vencido, Bolsonaro alçou ao posto o delegado Rolando Alexandre de Souza, braço-direito de Ramagem na Abin.
O delegado deixou a agência em 30 de abril de 2022, quando decidiu se candidatar ao cargo de deputado federal, pelo qual foi eleito com 59.170 votos de eleitores fluminenses.
Blindagem
Alvo da antiga corporação pela qual começou a vida profissional, Alexandre Ramagem é acusado pelos investigadores da PF de montar uma estrutura paralela na Abin que espionou ilegalmente mais de 30 mil pessoas, entre adversários políticos, jornalistas e até aliados de Jair Bolsonaro.
No entanto, a estrutura tinha como uma das principais a atuação em defesa da família de Jair Bolsonaro.
Relatório da Polícia Federal enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) revela que a chamada Abin Paralela atuou diretamente para beneficiar Flávio, Carlos e Jair Renan, filhos de Bolsonaro, em processos na Justiça contra eles.
"A autoridade policial descortinou a existência de uma organização criminosa, responsável por utilizar, dentre outros, do sistema de inteligência First Mile da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) para monitorar ilegalmente pessoas e autoridades públicas, que poderiam, em tese, ser opositores aos interesses do "NÚCLEO POLÍTICO" (núcleo que seria o destinatário e o beneficiário do produto ilícito materializado na desinformação produzida pelo "NÚCLEO ESTRUTURA PARALELA", inclusive por meio de difusões em redes sociais), bem como monitorar pessoas em procedimentos investigatórios instaurados contra membros da família do então Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO", diz a PF.
A investigação cita, então, que para essas ocasiões foram criados os dossiês "ação clandestina – investigação Renan Bolsonaro", "ação clandestina – investigação Flávio Bolsonaro" e "Senador Alessandro Vieira", referente ao requerimento feito pelo senador do MDB para convocar Carlos a prestar esclarecimentos na CPI da Covid.
Além disso, o próprio Bolsonaro teria sido beneficiado diretamente nos dossiês "investigação caso Adélio" e "ações clandestinas contra Exmo. Ministro Alexandre de Moraes".
Jair Renan
Segundo a PF, a Abin paralela, sob o comando de Alexandre Ramagem, realizou serviço de espionagem e "contrainteligência" para construir provas em favor de Jair Renan em processo sobre tráfico de influência investigado pela própria corporação em 2021.
O inquérito apurava o recebimento de um carro elétrico pelo filho "04" de Bolsonaro para atuar como lobista dentro do governo para empresários de exploração minerária.
Um dos presos nesta quinta-feira, o agente Marcelo de Araújo Bormevet teria atuado diretamente no monitoramento de Allan Lucena, ex-sócio de Jair Renan.
Bormevet deu ordens a Giancarlo Gomes Rodrigues, também preso, para usar o sistema de inteligência First Mile para monitorar Lucena.
Flávio Bolsonaro
Em relação a Flávio Bolsonaro, filho "01" do ex-presidente, a PF afirma que a Abin paralela teria realizado "monitoramento dos auditores da Receita Federal do Brasil, responsáveis pelo RIF – relatório de inteligência fiscal – que deu origem à investigação que apurava o desvio de parte dos salários dos funcionários da ALERJ (“caso da rachadinha”), com o objetivo, inclusive, de "encontrar podres" sobre os mencionados auditores".
A PF cita uma conversa gravada por Ramagem em que Bolsonaro, Augusto Heleno e Flávio falam sobre a ação contra os servidores da Receita.
"A premissa investigativa ainda é corroborada pelo áudio de 01:08 (uma hora e oito minutos) possivelmente gravado pelo Del. ALEXANDRE RAMAGEM no qual o então PRESIDENTE DA REPÚBLICA JAIR BOLSONARO, GSI
GENERAL HELENO e possivelmente advogada do Senador FLAVIO BOLSONARO tratam sobre as supostas irregularidades cometidas pelos auditores da receita federal na confecção do Relatório de Inteligência Fiscal que deu causa à investigação".
Carlos Bolsonaro
Na ação em benefício de Carlos Bolsonaro, a PF mostra a relação explícita entre a Abin Paralela e o Gabinete do Ódio, que teria atuado após Alessandro Vieira pedir a convocação do vereador na CPI da Covid e a quebra de sigilo telefônico, telemático, bancário e fiscal dele.
Após levantar informações sobre o senador, Giancarlo e Bormevet trocam mensagens: "Vamos difundir isto. Pede pra marcar o
CB", diz o policial federal lotado na Abin, com a sigla de Carlos Bolsonaro.
"O militar cedido à ABIN GIANCARLO por meio de seu perfil fake "Verdades Marcelo Augusto" executa uma de suas tarefas na ORCRIM e difundi o material com a devida precaução de registrar o destinatário final beneficiário do produto ilícito da ORCRIM", diz o relatório. "Acho que merece uma Thread marcando o Carlos Bolsonaro...", diz Giancarlo.