O político que concedeu asilo a Julian Assange na embaixada do Equador em Londres, para em seguida ver seu sucessor cancelar a medida e permitir a entrada da polícia britânica na instalação diplomática, está feliz com o desfecho.
Desde a casa que ocupa em Caracas provisoriamente, Rafael Correa afirmou que, se Assange tivesse revelado segredos militares da China e da Rússia, teria um monumento em Washington.
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"Roubaram 12 anos da vida de Assange", disse ele à Russia Today. Falando à agência EFE, registrou que o australiano foi preso "por falar a verdade".
"Que outra pessoa buscará asilo em uma embaixada da América Latina depois do que fez o traidor Lenin Moreno?", perguntou, referindo-se ao seu vice, eleito presidente com apoio de Correa, que se voltou contra o líder da Revolução Cidadã ao chegar ao poder e em seguida também traiu Assange.
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Rafael Correa, que governou o Equador durante dez anos, vive hoje seu próprio exílio. Condenado a oito anos de prisão por corrupção, ele tem seu principal domicílio na Bélgica.
No governo, mandou fechar a base militar estadunidense de Manta, o que o tornou alvo preferencial de Washington. Inimigos políticos argumentam que, sem a base, o narcotráfico tomou conta da região.
LAWFARE
Na sexta-feira passada (21), em Caracas, Rafael Correa recebeu em casa a reportagem da Revista Fórum.
Na entrevista, o ex-presidente disse que o lawfare avançou muito mais no Equador do que no Brasil. Os ministros que serviram em seu governo estão asilados no México ou na Venezuela. O ex-vice-presidente Jorge Glas, capturado na invasão ilegal da Embaixada do México em Quito, há algumas semanas, segue numa cadeia de segurança máxima.
Correa diz que o vice foi condenado por suposta propina paga pela Odebrechet através de uma empresa de Hong Kong ao sócio de um tio de Glas.
Argumenta que nunca se provou que o dinheiro era mesmo originário da empresa brasileira.
Quanto à sua condenação, afirma que foi por "influência psíquica", uma tese parecida com o domínio do fato que condenou lideranças do PT, como José Genoíno, no chamado "escândalo do mensalão".
"Até o Papa seria condenado assim", diz.
Segundo Correa, uma recente pesquisa o colocou na liderança de futura corrida presidencial, mas ele lamentou o resultado porque suspeita que a imprensa local redobrará os esforços de assassinato midiático.
O ex-presidente acaba de fazer uma cirurgia no joelho esquerdo, o que o afastará definitivamente dos gramados, uma vez que já tem uma prótese no joelho direito.
Porém, da política, jamais.
Correa não pisa no Equador faz mais de sete anos, mas continua agitando nas redes sociais, dizendo que "os verdadeiros corruptos são eles", numa referência a Moreno, seu sucessor Guillermo Lasso e o atual presidente Daniel Noboa.
LIDERANÇAS DE ESQUERDA
Correa sofreu críticas à esquerda durante seu governo por permitir, por exemplo, a exploração de petróleo na Amazônia equatoriana.
O mesmo dilema é enfrentado hoje pelo presidente Lula, cujo governo deve autorizar ou não a exploração de petróleo na chamada margem equatorial.
Num seminário em Caracas do qual participou, o ex-presidente criticou o que definiu como "pachamamismo" dos ambientalistas.
Ele se coloca claramente ao lado dos desenvolvimentistas.
Ao mesmo tempo, nota que existe no mundo um tribunal para resolver pendências de países em desenvolvimento, que são devedores.
Porém, não existe um tribunal para resolver questões ambientais, onde os devedores são os ricos.
Correa também rebate as costumeiras críticas feitas à esquerda de que as lideranças tradicionais não permitem o surgimento de herdeiros políticos, para se perpetuar no poder.
Foi uma crítica dirigida, por exemplo, a Evo Morales, hoje engajado em uma batalha com o homem que ajudou a eleger presidente da Bolívia, Luís Arce.
Para Correa, é um crítica injusta.
Na sua avaliação, Hugo Chávez, Evo Morales, Cristina Kirchner e Lula são líderes "fundacionais", ou seja, surgiram a partir de movimentos políticos de profundidade em seus respectivos países.
Não é fácil para eles inventar sucessores, argumenta Correa.
"É como pedir ao Messi que faça um sucessor, que invista em uma escola de futebol", argumenta.
Não é possível "criar um novo Lula ou uma nova Cristina por decreto".
A íntegra da entrevista de Correa será publicada pela revista Fórum nesta quinta-feira, 27.