Nesta terça-feira (14) a CPI da Braskem ouviu em Brasília o vice-presidente da empresa, Marcelo Cerqueira, e o ex-engenheiro Paulo Roberto Cabral, responsável durante anos pelas minas de sal-gema em Maceió, capital de Alagoas. Os parlamentares investigam se a atividade mineradora foi a causadora do afundamento de uma série de bairros na região que obrigaram pelo menos 15 mil famílias a deixarem seus lares.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE), relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, apontou que a Agência Nacional de Mineração (ANM) informou à CPI que recebeu informações falsas ou enganosas da Braskem que a induziram ao erro na fiscalização.
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Ouvido na condição de testemunha, Cerqueira esteve obrigado a responder a todas as perguntas que lhe fossem feitas sem faltar com a verdade. Questionado sobre as acusações de que a empresa teria enganado órgãos de fiscalização, o executivo disse desconhecer a prática.
“O espírito é sempre atuar com respeito às autoridades e à transparência nas informações”, afirmou.
Por outro lado, reconheceu que foi a exploração do minério a causa do afundamento dos bairros de Maceió. Ele diz que a Braskem “reconhece sua responsabilidade civil e ambiental” pelos impactos causados à cidade e às vidas dos atingidos. De acordo com dados da própria empresa, foram 15 mil famílias desalojadas e cerca de 40 mil pessoas atingidas. O Ministério Público de Alagoas, no entanto, aponta que o número de atingidos supera os 60 mil.
Marcelo Cerqueira também negou que a empresa tenha extraído mais sal-gema do que a quantidade recomendada pela ANM a fim de evitar o afundamento do solo.
“Consultei também com as equipes sobre a história da extração e a informação que foi passada é que não. O limite de extração foi respeitado durante todo o período”, afirmou Cerqueira.
Mas o relator Rogério Carvalho não ouviu a declaração sem apontar uma contradição gritante. Ele lembrou que o próprio Cerqueira, assim como outros executivos e funcionários do alto escalão da Braskem, disseram à CPI que a empresa reconhece sua responsabilidade no desastre. Na sequência apontou que o único motivo para o desastre foi justamente a retirada excessiva da sal-gema. Ele também afirmou que há indícios de que a empresa tentou economizar energia desligando os pressurizadores das minas de Maceió, o que causou a fragilização das estruturas que as mantinham em pé.
Cerqueira rebateu e afirmou que de fato houve o desligamento das bombas em “alguns momentos" e deu um exemplo de 2001, quando o desligamento foi ocasionado pelo racionamento de eletricidade que o país vivia.
Por fim, o vice-presidente da Braskem respondeu sobre os cortes de investimentos nas minas de Maceió. O relator apontou que havia R$ 53 milhões previstos para serem gastos nas minas entre 2015 e 2017 mas que a empresa só teria utilizado R$ 1 milhão.
“Nem todos os investimentos foram publicados, mas nós temos os investimentos, todos que foram realizados estão na base da companhia. Nós podemos fornecer essas informações à CPMI”, disse o executivo.
O silêncio do engenheiro
Na mesma sessão foi ouvido Paulo Roberto Cabral de Melo, ex-engenheiro da Braskem que foi responsável pela operação de extração de sal-gema em Maceió entre 1976 e 1997. Ele foi o gerente-geral da planta de mineração e ainda atuou depois desse período como consultor para a Braskem através da Consalt Consultoria Mineral Ltda, sua empresa própria.
Convocado na condição de investigado e respondendo a um inquérito policial sobre o caso, ele teve de comparecer. No entanto, amparado por um habeas corpus, permaneceu em silêncio. O engenheiro explicou que ficaria em silêncio uma vez que já foi alvo de busca e apreensão nos seus endereços além de ter tido os sigilos fiscal, bancário, telemático e telefônico quebrados pela CPMI da Braskem.
Por esses motivos, por orientação da minha advogada que me assiste e está presente, eu não devo responder às perguntas relativas à minha atividade na Braskem ou denominações anteriores da empresa, apesar de respeitar o trabalho desta CPI”, afirmou.
Mas mesmo com o silêncio, o relator Rogério Carvalho não se furtou a questioná-lo. “Diversos problemas com as minas foram documentados ao longo do período de operação, tais como desmoronamentos. O senhor, como engenheiro de mina responsável, levou essa situação ao conhecimento dos gerentes e diretores da empresa?”, questionou o senador, que só ouviu o silêncio do engenheiro.
A não resposta frustrou os parlamentares e ensejou interpretações de que ele teria tido culpa no desastre. Para Carvalho, o silêncio de Melo foi um “atestado de culpa” da Braskem. Para os demais senadores, a sessão reforçou a hipótese de que a exploração predatória da empresa foi a responsável pelo colapso de Maceió.
“A causa foi gerada pela Braskem e pela produção de minério, e só tem um motivo: tirar mais sal do que o permitido, tirar mais sal do que o plano de aproveitamento econômico da mina”, afirmou Rogério Carvalho.
Na próxima quarta-feira (15) a CPI da Braskem apresentará o seu relatório final. Foram três meses de trabalhos que contaram com 16 reuniões, 12 audiências públicas e a tomada de depoimentos de 26 pessoas – entre elas dirigentes e técnicos da Braskem, além de representantes das vítimas.
O colapso de Maceió
A cidade de Maceió, capital de Alagoas, enfrenta uma crise profunda que se desenrola a mais de cinco anos, culminando na desocupação forçada de áreas em janeiro passado. Mais de 60 mil pessoas já foram evacuadas de 14 mil imóveis devido ao risco iminente de colapso das minas de sal-gema exploradas pela Braskem, que funcionam sob o solo. O drama ganhou um novo capítulo com a decisão da Justiça Federal, baseada em relatórios técnicos, que determinou a inclusão de novas áreas na zona de risco, resultando na criação de bairros fantasmas na cidade.
A ação judicial atendeu ao pedido do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e do Ministério Público do Estado de Alagoas, que solicitaram a inclusão de mais áreas no programa de realocação da Braskem. Além disso, a Justiça estabeleceu a intensificação do monitoramento, dada a gravidade da situação.
Segundo a Defesa Civil de Maceió, a zona afetada já estava praticamente desocupada, e medidas preventivas foram adotadas, como a solicitação para que embarcações e a população evitassem transitar na região até nova atualização do órgão. O risco iminente de colapso poderia resultar na formação de sinkholes, caracterizados pelo afundamento da superfície e a criação de crateras devido ao esvaziamento do subsolo.
Em resposta à crise, a Prefeitura de Maceió decretou estado de emergência por 180 dias no final de janeiro e estabeleceu um Gabinete de Crise para acompanhar de perto a situação. O governo federal também demonstrou preocupação, com o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, orientando ministros a acompanharem a situação de perto.
A exploração das minas pela Braskem, que começou na década de 1970, está relacionada ao afundamento progressivo da região.