A Procuradoria-Geral da República pediu e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, atendeu. E agora a Polícia Federal vai aprofundar a investigação sobre as fraudes nos cartões de vacinação que podem levar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) diretamente para a cadeia.
O PGR, Paulo Gonet, fez o pedido a Moraes após analisar relatório da PF que aponta o ex-presidente e outras 16 pessoas como suspeitos de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação do SUS.
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Agora, tanto Moraes como Gonet querem que a PF apure alguns detalhes da história. Entre os esclarecimentos, querem saber se Bolsonaro e sua comitiva apresentaram os cartões de vacinação falsificados a autoridades dos EUA ao chegarem ao país nos últimos dias de 2022. Também querem saber se havia, à época, uma norma que exigisse a apresentação da documentação ou se o ex-presidente, por portar passaporte diplomático, estaria liberado da obrigação.
Em relação a outros envolvidos no caso, a PF agora irá aprofundar as apurações acerca de indícios de falsidade nos cartões de vacinação do deputado Gutemberg Reis de Oliveira (MDB-RJ) e seus familiares. O parlamentar já teve o sigilo telefônico quebrado.
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Outro aspecto do aprofundamento da investigação é a determinação da anexação dos laudos periciais de todos os celulares e notebooks apreendidos com os suspeitos. Atualmente, as únicas devassas que constam nos autos são as dos aparelhos de Bolsonaro, do seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid, e de sua esposa Gabriela Cid.
O relatório da PF aponta, ainda, que Cid usou o próprio login, a mando de Bolsonaro, para imprimir os certificados fraudados em um computador dentro do Palácio da Alvorada, em 27 de dezembro de 2022, para que o ex-presidente pudesse entrar nos EUA, para onde fugiu dois dias depois, antes da posse de Lula. Até mesmo a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e a filha mais nova do casal, Laura, teriam “ganhado” certificados de vacina fraudados no esquema.
Após a conclusão das investigações, a PF indiciou Bolsonaro por dois crimes: associação criminosa, cuja pena prevista é de um a três anos de prisão; e inserção de dados falsos em sistemas de informação, crime também conhecido como peculato digital, cuja pena varia entre 2 a 12 anos de reclusão, além de multa. Agora a investigação vai ser aprofundada.
Não é um mero delito de falsificação
Apesar da falsificação de cartão de vacina soar como um crime de menor gravidade, deflagrado apenas para benefício próprio e que, em tese, “não prejudicaria ninguém”, trata-se, neste caso, exatamente do oposto. É o que sustenta Thiago Campos, professor e advogado especialista em Direito Sanitário e Gestão da Saúde Pública.
Em entrevista à Fórum, Campos fez questão de destacar que a gravidade da fraude em cartão de vacina vai para muito além da mera falsificação em si. “O indiciamento do ex-presidente é bastante grave. Tanto do ponto de vista jurídico, quanto do ponto de vista da simbologia que expressa para a sociedade o indiciamento de um ex-presidente da República por fraude no cartão de vacinação”, introduz o advogado.
Segundo o especialista, a situação apontada pela PF no relatório que indicia o ex-presidente configura um crime contra a coletividade que pode ter motivado inúmeras consequências desastrosas para a população.
“Não é um simples delito, mas um crime contra a coletividade, contra o dever de probidade das autoridades públicas. contra a verdade; e, pior, um crime contra a credibilidade da mais alta autoridade do país, praticada no mais grave momento vivenciado pela humanidade neste século: a pandemia da Covid-19”, assevera o especialista.
De acordo com Thiago Campos, o ato de Bolsonaro em fraudar certificado de vacina contra a Covid deve ser “lido com a necessária indignação de estarmos diante do possível cometimento de um delito contra toda a sociedade”.
O advogado explica que, somadas às falas negacionistas proferidas pelo ex-presidente durante toda a pandemia, a atitude do ex–mandatário não só “expressa o desprezo para com o cuidado de seus semelhantes e com a saúde pública”, mas também teria colocado em risco a saúde individual das pessoas que podem ter sido expostas ao vírus e “comprometido os enormes esforços coletivos para conter a disseminação da doença e proteger a população em geral”.
“Em se tratando de conduta praticada por ex-presidente da República, tem, sem sombra de dúvida, uma relevância ainda maior, tendo grande potencial de influenciar a população e afetar a confiança nos programas de vacinação, extremamente necessários para o controle do avanço da doença, além de prejudicar a capacidade de lidar eficazmente com a pandemia”, explica.
O advogado vai além e elenca, em quatro pontos, as consequências para a sociedade, no âmbito do Direito Sanitário, de uma situação na qual o presidente da República, no exercício de seu mandato, incorre em falsificação de certificado de vacinação.
- 1 - Desconfiança nas autoridades de saúde: a manipulação de dados oficiais, como os registros de vacinação, diminui a confiança nas autoridades de saúde. As pessoas podem questionar a integridade dos sistemas e se perguntar se as informações fornecidas são confiáveis.
- 2 - Ceticismo em relação à vacinação: A falsificação de certificados de vacinação pode levar ao ceticismo em relação à eficácia das vacinas. Se as pessoas acreditam que os certificados podem ser forjados, isso pode prejudicar a adesão à vacinação e comprometer os esforços de controle da pandemia.
- 3 - Impacto na credibilidade do sistema de saúde: Quando os dados são manipulados, a credibilidade do sistema de saúde é prejudicada. Isso afeta não apenas a resposta à pandemia, mas também outras áreas da saúde pública.
- 4 - Descrença nas instituições governamentais: A operação da PF e as suspeitas de crimes envolvendo um ex-presidente podem levar as pessoas a questionar a integridade das instituições governamentais. Isso pode afetar a confiança no sistema de Justiça e na aplicação da lei.
Improbidade sanitária
A Polícia Federal indiciou Jair Bolsonaro por “apenas” dois crimes: o de associação criminosa e o de inserção de dados falsos em sistemas de informação.
O advogado sanitarista Thiago Campos sustenta, entretanto, que o ex-presidente pode ter incorrido em ainda mais crimes. Um deles é o de infração de medida sanitária, previsto no artigo 268 do Código Penal Brasileiro e que prevê pena de um mês a um ano de prisão, além de multa.
O especialista chama atenção, contudo, para outro possível delito associado a Bolsonaro: o de improbidade sanitária, que é um conceito de improbidade administrativa aplicado aos atos relacionados à segurança sanitária enquanto responsabilidade do gestor público ou agente do Estado
“Penso ainda estarmos diante de outros delitos, especialmente o de improbidade sanitária. O indiciamento do ex-presidente e as informações até então disponíveis indicam que o agir da autoridade foi livre e consciente, objetivando o alcance de resultado ilícito, qual seja, a falsificação do cartão de vacinação. A suposta conduta dolosa intenta, portanto, contra os princípios da administração pública e viola os deveres de honestidade e de legalidade, devendo incidir a sanção correspondente, pois caracteriza a improbidade”, explica.
De acordo com o advogado “isso significa que ex-presidente teria agido de maneira contrária aos princípios da administração pública ao violar normas e regras sanitárias estabelecidas para proteger a saúde pública durante a pandemia da Covid-19”.
O ato de improbidade sanitária pode ensejar, para além de sanções no âmbito civil, como multa, perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, responsabilização criminal nos casos graves, como aparenta ser o de Bolsonaro, o colocando sob risco de penas privativas de liberdade - em outras palavras, prisão.
“Contudo, para que seja determinada a prisão do ex-mandatário será necessário ainda o transcurso de um longo processo criminal, que depende, inicialmente, da avaliação do relatório da autoridade policial pelo Ministério Público, titular da ação penal. Caso concorde com a conclusão, deverá ser apresentada denúncia contra o ex-presidente, iniciando-se assim o processo penal”, pondera Thiago Campos.
*Colaborou Ivan Longo