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Elon Musk: bilionário golpista quer dar as cartas no Brasil

O mesmo gringo acusado de ter patrocinado golpe na Bolívia tenta, agora unido aos bolsonaristas, desestabilizar a democracia brasileira e abrir caminho para a extrema direita - e, claro, para os seus negócios espúrios

O bilionário Elon Musk.Créditos: Mario Anzuoni/Reuters/Folhapress
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“Como Alexandre de Moraes se tornou um ditador? Ele mantém Lula na coleira”; “Colocou o dedo na balança para eleger Lula”; “Alexandre tem que ser julgado pelos seus crimes”; “Ditador brutal”; “As próximas eleições serão essenciais”. 

As frases acima parecem ter sido proferidas por bolsonaristas e golpistas. O autor de tais declarações, entretanto, não é um extremista de direita brasileiro, mas sim um gringo. Trata-se de Elon Musk, bilionário megalomaníaco que vem construindo um império disposto a desestabilizar qualquer democracia para concretizar seus negócios. 

Nascido na África do Sul e beneficiado pelo regime do apartheid, Musk se naturalizou estadunidense e, atualmente, é dono da fabricante de carros elétricos Tesla, da empresa de exploração espacial SpaceX e da rede X, o antigo Twitter.

Em 2020, foi acusado de ter patrocinado o golpe de Estado que depôs o ex-presidente Evo Morales na Bolívia, supostamente motivado pela extração de lítio, metal essencial para a fabricação de baterias utilizadas em seus carros Tesla. “Vamos dar golpe em quem quisermos. Lide com isso”, disse o empresário à época em resposta a um usuário do antigo Twitter. 

Agora, Elon Musk está determinado a desestabilizar a democracia brasileira, se unindo ao bolsonarismo para vender a ideia falaciosa de que há uma “ditadura judicial” no país. Invocando seu conceito totalmente distorcido de “liberdade de expressão”, o bilionário não só atacou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele ainda prometeu desrespeitar ordens judiciais e a legislação do Brasil. 

A escalada dos ataques de Musk às instituições brasileiras teve início no dia 6 de abril, quando ele respondeu a uma postagem de Moraes na rede X, questionando o motivo pelo qual o ministro “determina tanta censura no Brasil”. A partir de então, o playboy megalomaníaco intensificou os ataques e passou a afirmar que o país vive uma ditadura, além de questionar a legitimidade da eleição de Lula. 

Musk ainda afirmou que reativaria todos os perfis na rede X que tinham sido suspensos ou bloqueados por determinação da Justiça brasileira. As contas em questão são de extremistas que cometeram crimes e investigados pelo STF nos inquéritos das milícias digitais e dos atos golpistas em 8 de janeiro de 2023 - entre eles o blogueiro Allan dos Santos, que hoje vive nos Estados Unidos e é considerado foragido por ser alvo de uma ordem de prisão. 

Diante das provocações, ataques e ameaças, Moraes incluiu Elon Musk como investigado nos inquéritos das milícias digitais e da tentativa de golpe de Estado no Brasil. Em seu despacho, o ministro alegou que o bilionário incorre em obstrução à Justiça e incitação ao crime. 

Twitter Files e a ação orquestrada internacionalmente 

Os ataques e ameaças de Elon Musk ao judiciário brasileiro não vieram “do nada”. Trata-se de uma articulação internacional de extrema direita orquestrada para desestabilizar a democracia brasileira, que se aproveita do discurso bolsonarista contra o judiciário e as instituições. 

Tanto é que, poucas horas após a primeira investida do bilionário contra Moraes, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) compartilhou uma publicação do líder do Chega!, partido da extrema direita portuguesa, André Ventura, com ataques ao Brasil e ao ministro do STF. "Nossa liberdade não está em risco, já é diariamente violada", escreveu o parlamentar brasileiro. 

Na publicação, André Ventura dispara contra Lula, Moraes e afirma que ambos trabalham juntos para impor "uma ditadura no Brasil" - exatamente o discurso de Elon Musk. 

Na sequência, o filho de Jair Bolsonaro, que também se empolgou com as investidas de Musk e agora acredita que o bilionário possa ajudá-lo a reverter sua inelegibilidade, compartilhou uma publicação de Santiago Abascal, líder do VOX, partido de extrema direita da Espanha. Na publicação, Abascal repete o discurso de Ventura e afirma que "Alexandre de Moraes é o carcereiro preferido de Lula".

Todo este movimento, no entanto, começou a ser gestado poucos dias antes, quando o jornalista Michael Shellenberger, dos Estados Unidos, publicou, com a ajuda de autointitulados jornalistas bolsonaristas,  o “Twitter Files Brazil” - um “dossiê” que, na verdade, é um compilado de prints de reclamações de executivos do antigo Twitter, atual X, sobre determinações do judiciário brasileiro, que incluía solicitações de dados de contas, exclusão de publicações e bloqueio de perfis de pessoas investigadas por divulgação de fake news, incitação ao ódio e articulação de atos golpistas. Ou seja, pessoas que estariam cometendo crimes, ou os incentivando, através da rede social. 

O “dossiê” vem sendo utilizado por Musk e bolsonaristas para basear a tese de que o judiciário brasileiro vem provendo censura e atentando contra a “liberdade de expressão” - uma mentira, visto que. no ordenamento jurídico do Brasil, o conceito de liberdade de expressão não abarca a liberdade para cometer ou incitar ilegalidades. 

A “liberdade” de Elon Musk 

Elon Musk tem mais de um motivo para se somar às hordas golpistas bolsonaristas e tentar desestabilizar a democracia brasileira. Todos eles remetem ao mesmo fator: negócios. 

As receitas da rede X vêm caindo e o fato é que fake news e discurso de ódio “monetizam” mais que a verdade. Neste sentido, para o bilionário é interessante tentar minar debates sobre a regulação das redes sociais no Brasil e endossar um campo político extremista de direita que se sustenta através desta agenda antidemocrática. 

Além disso, o Brasil é um potencial fornecedor de lítio para seus empreendimentos na Tesla - e o fato do país ser comandando por um governo próximo à China e que, recentemente, fechou um acordo de investimentos com a BYD, montadora chinesa de carros elétricos que é a principal concorrente de Musk, ajuda a explicar o ímpeto do bilionário em atacar as instituições do país. 

Neste sentido, Musk se apoia em um conceito totalmente distorcido de “liberdade de expressão” para dar cabo aos seus negócios espúrios, passando por cima da legislação de um país soberano. 

Em entrevista à Fórum, o sociólogo Sérgio Amadeu, professor da UFABC e um dos maiores especialistas em redes digitais do país, explicou que Elon Musk "tem uma concepção de liberdade de expressão que não é democrática".

"A liberdade de expressão para Elon Musk é o direito dos poderosos exercerem, sem nenhum tipo de bloqueio, seu poder, principalmente o poder econômico". Segundo o especialista, o bilionário permite em sua rede social mentiras sobre diversos assuntos "porque, para ele, a democracia é uma entrave ao poder da classe dominante, ao poder daqueles que têm dinheiro". 

Amadeu esclarece ainda que Musk adota o discurso da liberdade pois, para o bilionário, isso seria “sinônimo praticamente de aplicação da força e ele, nesse sentido, não concorda com liberdades democráticas". 

Para o especialista em redes digitais, "não é de se estranhar" que Elon Musk tenha decidido atacar as decisões do judiciário brasileiro, afinal ele é um dos principais CEOs do Vale do Silício,”que aderiu às posições neo-reacionárias", e é "amigo e sócio do Peter Thiel, que é o grande financiador da extrema direita trumpista e norte-americana". O sociólogo explica que há "uma guinada de neoliberais" no mundo para aderir a ações antidemocráticas. 

“A verdade é que se ele desrespeitar o judiciário brasileiro, ele está desrespeitando decisões que vão ter, na verdade, consequências muito fortes contra a plataforma dele. Ele vai ter que recuar, porque o Brasil não é o quintal do Elon Musk. O Brasil tem Constituição, não tem termos de uso. Nós não estamos a serviço dos interesses desses megabilionários", finaliza Sérgio Amadeu. 

Regulação das redes e os interesses privados internacionais 

Também em entrevista à Fórum, a jornalista Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia responsável por estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no país, analisou que os ataques de Elon Musk à Justiça brasileira fazem parte de uma estratégia que consiste em "minar a confiança e a credibilidade das iniciativas internacionais que estão relacionadas à regulação das plataformas digitais e ao enfrentamento à desinformação, ao discurso de ódio e a conteúdos que atacam a integridade de processos eleitorais em vários países do mundo".

Segundo Renata, o bilionário pretende interditar o debate sobre regulação das redes sociais, proposta que está inserida no  Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, cuja tramitação foi interrompida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em meio à investida de Musk. 

"Faz parte desse alinhamento internacional. O Brasil tem um Projeto de Lei para regular as plataformas que não foi aprovado, principalmente, em razão do grande lobby das plataformas digitais (...) Isso é parte dessa estratégia internacional de usar de forma distorcida um direito fundamental à liberdade de expressão para atacar iniciativas nacionais que visam a proteger a esfera pública de debates, a integridade da informação e o debate político nos países", pontua a jornalista. 

Alemanha, França, Reino Unido, Austrália, Canadá, China e Índia estão entre os países que, nos últimos anos, aprovaram leis de regulação das redes sociais, com normas específicas para a operação de grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, estabelecendo sanções rigorosas, inclusive a possibilidade de exclusão do mercado em caso de violação.

A coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil garante que o país não se submeterá às imposições de Musk em detrimento da legislação brasileira, classificando sua tentativa de intervenção como "grave". 

"O Brasil não se curva a interesses privados internacionais como esses que o Musk representa e nós não vamos nos deixar intimidar por um empresário que, de forma jocosa, ataca as nossas instituições e se nega a responder às autoridades brasileiras, à legislação nacional que está acima dos interesses de uma empresa como o X do Elon Musk". 

"Tenho certeza, como a gente tem visto as várias manifestações, vai manter firme o seu direito de decidir as regras para a atuação de empresas internacionais como essas no Brasil", emenda Renata Mielli. 

*Matéria publicada originalmente na edição 106 da Revista Fórum Semanal