TWITTER BRAVATAS BRAZIL

Glenn faz coro a Elon Musk, defende “liberdade de expressão” para golpistas e chama Moraes de censor

Mesmo premiado internacionalmente e importante na divulgação da série Vaza Jato, o jornalista dos EUA chama de “exclusivo” um documento antigo e mostra desconhecimento da lei e da realidade brasileira

Jair Bolsonaro, Elon Musk e Glenn Greenwald.Créditos: Reprodução/ Presidência da República e Senado
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Glenn Greenwald, que foi peça fundamental na divulgação da série Vaza Jato do The Intercept Brasil, que permitiu desmontar a narrativa da Operação Lava Jato e tirar o presidente Lula (PT) de injusta prisão, agora resgata como se fosse exclusiva uma antiga decisão de Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, emitida no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos. Em crítica à decisão divulgada em vídeo nas redes sociais, o experiente jornalista acaba fazendo coro com Elon Musk e a extrema direita global na cruzada pela “liberdade de expressão” daqueles que tentaram dar um golpe de Estado no Brasil entre 2022 e 2023.

A decisão em questão é de 11 de janeiro de 2023, ou seja, emitida logo após a depredação das sedes dos três poderes em 8 de janeiro, e determina que o escritório do Facebook no Brasil, bem como Twitter, Youtube, Tik Tok, Telegram e Rumble excluam uma série de contas de bolsonaristas. Também determina que mantenham os arquivos dos seus conteúdos para investigações e forneçam dados dos usuários que as criaram.

Entre essas contas, uma série de pessoas que nos meses anteriores aos ataques a Brasília difundiram fake news e teorias conspiratórias bolsonaristas em série, sobretudo as que colocam o sistema eleitoral em xeque. Entre elas estão as dos deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Jose Medeiros (PL-MT), e a do apresentador Monark. Moraes ainda determina multa diária de R$ 100 mil em caso de não cumprimento. O inquérito em questão é o de número 4879, dos atos antidemocráticos.

Até aí, nenhuma novidade. Apesar do inquérito correr em sigilo de Justiça, essa decisão foi tornada pública à época em toda a imprensa nacional. Além disso, a remoção de conteúdos de pessoas investigadas por instigarem a quebra do Estado democrático de Direito faz parte do jogo no Brasil, está dentro da lei. Afinal de contas, é proibido atentar contra a democracia por aqui, ao contrário dos EUA, onde até o nazismo é permitido.

Além disso, é importante destacar que, sim, existe censura e perseguição judicial no Brasil. Só que raramente é perpetrada pelo Supremo, mas por tribunais estaduais sobretudo aqueles que estão sob o guarda-chuva de governadores bolsonaristas. É o caso do Mato Grosso, em que o governador Mauro Mendes (União Brasil) aparelhou a Polícia Civil e a Justiça estadual para perseguir duas dezenas de jornalistas que denunciavam seus desmandos. Nenhum pio de Glenn ou dos revoltadíssimos militantes de extrema direita, nacional ou internacional, sobre a nossa quase versão do caso Julian Assange. Poderia ainda citar o caso da repórter Schirlei Alves, que enfrenta um processo judicial kafkiano que pode levá-la à prisão e obrigá-la a pagar uma irreal multa de R$ 400 mil por expor uma decisão lamentável da Justiça de Santa Catarina acerca de um estupro, mas sigamos.

Greenwald argumenta que quando abriu o The Intercept Brasil a própria esquerda brasileira criticava aquilo que era chamado de “judicialização da política”, sobretudo por conta do lavajatismo e da perseguição a figuras ligadas ao PT com acusações de corrupção. Ele também se arvora no fato de que trabalhou contra essa questão e lembra que Moraes, indicado ao STF pelo então presidente Michel Temer (tratado como golpista pelas esquerdas), tinha a antipatia desse setor político.

“Também fui testemunhar no Congresso Nacional, por conta das reportagens que publicamos em 2019, e José Medeiros disse coisas absolutamente grotescas sobre a minha família e meu marido. Ele é um indivíduo que me causa repulsa. E ainda assim fico ofendido com a ideia de que um parlamentar eleito pode ser ordenado por um juiz não eleito a sair de uma plataforma sem qualquer tipo de justificativa”, afirmou o jornalista.

Gleen aponta que o “regime de censura” não teria terminado no Brasil, mas apenas se reorganizado em torno de Moraes e da derrota eleitoral de Jair Bolsonaro (PL) para agora perseguir seus apoiadores, jornalistas, influenciadores digitais e parlamentares. Novamente, o caso de Mato Grosso joga sua narrativa água abaixo.

“E preciso dizer, como alguém que trabalhou em vários países e que foi ameaçado por vários governos, nunca houve, em toda a minha carreira jornalística,um caso onde me encontrei hesitando antes de criticar um funcionário público da forma como me encontro hesitando algumas vezes em criticar Alexandre de Moraes”, desabafou o jornalista americano.

Resumindo, Glenn usa e abusa das suas credenciais, sem ponderar a própria realidade brasileira, para fazer coro às críticas que Elon Musk e a extrema direita, nacional e internacional, tem impulsionado através do chamado “Twitter Files Brazil”.

Ao longo do vídeo usará o exemplo do Rumble, que não tem escritório ou qualquer representação no Brasil, para dizer Moraes tenta estender sua censura ao restante da comunidade internacional. E pegando todas as 6 plataformas citadas por Moraes na antiga decisão, Gleen diz ser um absurdo que as contas sejam banidas sem que tenham violado os termos de uso das plataformas.

No entanto, como é sabido, para além dos termos de uso específicos de uma plataforma, os usuários também estão sujeitos às leis do país em que são veiculados. Por aqui, a Justiça Eleitoral tem a obrigação de retirar do ar conteúdos mentirosos acerca das eleições e dos candidatos que as disputam com o objetivo de que narrativas mentirosas não influenciem o juízo dos eleitores. Por outro lado, o STF goza de plenos poderes e capacidades para determinar se um produtor de conteúdo viola ou não as leis brasileiras.

Na prática, Glenn está defendendo que o “regime de censura” saia das mãos do Poder Judiciário e passe para as mãos dos proprietários das plataformas. É importante recordar que desde o último dia 3 de abril, quando o famigerado “Twitter Files Brazil” viralizou por aqui, o bilionário Elon Musk tem retirado engajamento de perfis democráticos e impulsionado os de extrema direita. Outro interesse que parece estar em jogo é a negativa em relação a uma regulamentação das plataformas digitais e redes sociais.

O suposto dossiê de Elon Musk viralizou no mesmo dia em que Moraes participou ao lado da Polícia Federal e da Advocacia-Geral da União da assinatura de acordos para o combate às fake news. Entre as ações está prevista a criação do Ciedde (Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia) que já começa a atuar nas eleições municipais desse ano. Para Moraes, a “desinformação é o mau do século”.

Além disso é importante apontar um segundo aspecto do momento em que a denúncia vem a público. Em novembro desse ano quem passará por eleições presidenciais são os próprios Estados Unidos. E o ex-presidente Donald Trump - de quem Musk se declara apoiador - já inicia sua campanha e ataca com mentiras, reeditando o velho discurso de que imigrantes indocumentados teriam maior inclinação a cometer crimes hediondos. Uma fake news sem qualquer comprovação científica.

The Donald caminha para um retorno à Casa Branca, dada a impopularidade de Joe Biden e dos democratas. E enquanto no Brasil vão sendo punidos os golpistas do 8 de janeiro e o cerco ao ex-presidente inelegível vai se fechando. Nesse sentido, uma das estratégias da nossa extrema direita para voltar ao Palácio do Planalto se concentra na reedição dos ataques à República, mais ou menos como Trump tem feito nos EUA.