NOVO MODELO

Ponto a ponto, o projeto que muda a regulamentação de Uber e 99 e garante aposentadoria aos motoristas

Governo Lula mantém trabalhadores como autônomos e assegura direitos trabalhistas, como remuneração mínima, jornada máxima diária e contribuição previdenciária; entenda

Brasil possuía 1,5 milhões de trabalhadores de aplicativos em 2022, conforme IBGE.
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Os motoristas de aplicativo tiveram a profissão regulamentada no projeto de lei assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na última segunda-feira (4), que busca garantir direitos, proteção e dignidade aos trabalhadores e trabalhadoras que atuam com transporte de passageiros em plataformas digitais. 

Enviado ao Congresso Nacional em regime de urgência constitucional, o projeto de lei complementar (PLC) terá prazo de análise de 45 dias, cada, para a Câmara e para o Senado. Caso aprovada, a proposta entrará em vigor no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da publicação.

O que muda

O governo Lula propôs um projeto de lei que regulamenta a profissão dos motoristas de aplicativos como regime de trabalho sem vínculo empregatício. Entre as principais mudanças, estão a criação de uma remuneração mínima por hora trabalhada aos motoristas e a garantia de aposentadoria. 

Salário mínimo

O texto indica a remuneração mínima de R$ 32,09 para cada hora trabalhada, e não por hora conectada no aplicativo, sendo R$ 8,02 pelos serviços prestados e R$ 24,07 pelo ressarcimento dos custos na prestação de serviços. 

Os motoristas terão jornada mínima de trabalho de oito horas, com horário contabilizado a partir da primeira viagem aceita pelo trabalhador. Com os novos valores definidos pelo projeto, a remuneração mínima de um motorista que trabalhar 8 horas por dia, durante 22 dias no mês, será de R$ 5.649,60

Assim, os ganhos mensais dos trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos de transporte devem mais que dobrar, já que atualmente, de acordo com o IBGE, essa renda mensal é, em média, de R$ 2.454,00. A remuneração mínima por hora trabalhada passará por reajuste anual, que deve ser igual ou superior ao do reajuste do salário mínimo. 

O projeto ainda define a remuneração mensal de, pelo menos, o salário mínimo atualizado, no valor de R$ 1.412. Ou seja, foi estabelecido um piso salarial para uma jornada de trabalho de 8 horas por dia e um valor mínimo para os custos efetivos do trabalhador como a manutenção do veículo, impostos, combustível, internet utilizada no celular, alimentação, entre outros.

Conforme a proposta, será estipulado um limite de carga horária diária de até 12 horas, mediante exercício do trabalho com "plena liberdade para decidir sobre dias, horários e períodos em que [o trabalhador] se conectará ao aplicativo", diz o texto. O limite visa assegurar a saúde e segurança dos trabalhadores e usuários.

  • Remuneração mínima por hora trabalhada, no valor de R$ 32,09;
  • Remuneração mensal mínima de um salário mínimo (R$ 1.412);
  • Jornada mínima de oito horas; e
  • Jornada máxima de 12 horas. 

Trabalhador autônomo

Apesar da instituição de direitos trabalhistas aos moldes da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), o projeto de lei deve resultar na criação de um segmento formalmente inédito, o de trabalhador autônomo por plataforma. Dessa forma, seguirão podendo escolher seus horários de trabalho, com flexibilidade.

A proposta prevê, ainda, a permissão para o motorista trabalhar em mais de uma empresa, sem exclusividade com a contratante e sem limite de plataformas.

"Hoje é um dia especial porque representa um marco significativo no mundo do trabalho, um momento em que trabalhadores e empresários se sentam à mesa de negociações para moldar um novo quadro organizacional. Vocês acabaram de criar uma nova modalidade no mundo do trabalho", declarou Lula, na cerimônia de assinatura.

  • Reconhecimento dos motoristas de aplicativo como autônomos;
  • Criação de uma nova categoria profissional: trabalhador autônomo por plataforma; e
  • Permissão para o motorista trabalhar em mais de uma empresa, sem exclusividade e sem limite de contratantes.

Benefícios e direitos

O texto prevê que os trabalhadores e trabalhadoras terão direitos previdenciários, possibilitando assim a aposentadoria. Esses profissionais passarão a ser enquadrados como contribuintes individuais para fins previdenciários, garantindo um impacto de R$ 280 milhões na arrecadação pública, segundo estimativas do governo federal.

O governo define que os motoristas devem contribuir 7,5% sobre o salário recebido à Previdência Social, por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), enquanto as plataformas ou contratantes dos serviços devem custear 20% do valor mínimo destinado ao trabalhador. As empresas deverão inscrever os dados do profissional no sistema próprio da Receita Federal.

O projeto garante também a concessão de benefícios, como vale-refeição a partir da 6ª hora trabalhada e serviços médicos e odontológicos. Como exemplo, as motoristas mulheres serão elegíveis para os benefícios do Auxílio Maternidade oferecidos pelo INSS.

Para valorização da transparência aos motoristas, as plataformas ainda deverão apresentar relatórios mensais com informações sobre horas trabalhadas, o total ganho, a pontuação e informações acerca de quaisquer suspensões ou exclusões – permitidas somente em situações justificadas, como fraude, abuso ou uso inadequado da plataforma, com direito de contestação aos motoristas.

As empresas que descumprirem a lei serão obrigadas ao pagamento de multa no valor de cem salários mínimos (atualmente R$ 141,2 mil). O documento aponta a possibilidade de fiscalização das plataformas por auditores do trabalho.

Por fim, o projeto garante a representação por sindicatos dos trabalhadores de aplicativo de transporte de passageiros, cujo exercício abrange as negociações coletivas, as assinaturas de acordos e as convenções coletivas, em demandas judiciais ou extrajudiciais.

  • Contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) de 7,5% sobre o salário recebido;
  • Responsabilidade das empresas de aplicativos de recolher 20% sobre a remuneração mínima do profissional (correspondendo a 25% da renda bruta) como contribuição à Previdência Social; 
  • Inscrição dos dados do profissional em sistema próprio da Receita Federal; 
  • Concessão de Auxílio Maternidade às motoristas mulheres;
  • Empresas devem apresentar relatório mensais com jornada mensal trabalhada e total ganho;
  • Possibilidade de fiscalização das plataformas por auditores do trabalho;
  • Multa para empresas que descumprirem a lei, no valor de cem salários mínimos (atualmente R$ 141,2 mil); e
  • Criação de sindicatos, do trabalhador autônomo por plataforma e patronal.

Contexto da proposta

O tema passou a ser discutido pelo governo federal em maio do ano passado com a criação de um grupo de trabalho entre o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), liderado por Luiz Marinho (PT), e representantes da categoria e das empresas, para debater a regulamentação do serviço de transporte individual por aplicativo.

Promessa de campanha de Lula nas eleições presidenciais de 2022, o projeto de lei foi elaborado pelo MTE junto aos representantes dos aplicativos. O grupo de trabalho tripartite, durante as negociações, abandonou a defesa da CLT, em meio às divergências acerca do assunto.

A proposta, por enquanto, regulamenta somente o transporte de passageiros em plataformas digitais, como Uber e 99. As tratativas iniciadas com empresas de transporte de alimentos e de encomendas, como iFood e Rappi, não avançaram, por falta de consenso entre as partes.

Atualmente, há no Brasil cerca de 1,5 milhão de motoristas prestando serviços para as plataformas digitais e aplicativos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

O texto foi finalizado na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria pela repercussão geral de um caso judicial que discute a existência de vínculo empregatício entre entregadores de aplicativos e suas respectivas plataformas.

A decisão firmada pela Corte será vista como um precedente e deverá guiar as decisões das instâncias inferiores da Justiça em casos semelhantes. O país aguarda a possibilidade de uma mudança significativa no reconhecimento de vínculo empregatício entre as empresas de apps e os contratados.