O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, nesta segunda-feira (4), o Projeto de Lei (PL) de Regulamentação do Trabalho por Aplicativos de Transporte de Pessoas, que já foi enviado para apreciação do Congresso Nacional em regime de urgência constitucional, ou seja, Câmara dos Deputados e Senado Federal terão 45 dias, cada, para analisar o projeto.
Trata-se de uma iniciativa histórica que busca regulamentar e, assim, garantir direitos, proteção e dignidade aos trabalhadores e trabalhadoras que atuam com transporte de passageiros em plataformas digitais, como Uber e 99. O projeto foi elaborado após dez meses de discussões de um grupo de trabalho tripartite coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), liderado pelo ministro Luiz Marinho, com representantes dos trabalhadores, empresas e governo federal – tudo acompanhado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Ministério Público do Trabalho (MPT).
Atualmente, há no Brasil cerca de 1,5 milhão de motoristas prestando serviços para as plataformas digitais e aplicativos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre os principais pontos do projeto apresentado pelo governo Lula estão a criação de uma remuneração mínima por hora trabalhada aos motoristas e a fixação de uma jornada máxima de 12 horas diárias numa mesma plataforma.
Além disso, a proposta prevê que os trabalhadores e trabalhadoras terão direitos previdenciários, possibilitando assim a aposentadoria. Esses profissionais passarão a ser enquadrados como contribuintes individuais para fins previdenciários, sendo que a contribuição dos motoristas será de 7,5% do salário e a das empresas, de 20%. O recolhimento da contribuição será responsabilidade das plataformas.
Apesar da instituição de direitos trabalhistas aos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o projeto prevê que os motoristas continuarão como autônomos – isto é, seguirão podendo escolher seus horários de trabalho, com flexibilidade, bem como para quais plataformas desejam trabalhar, sem limite de empresas.
Veja abaixo os pontos de destaque do projeto:
- Reconhecimento dos motoristas de aplicativo como trabalhadores autônomos;
- Contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) de 7,5% sobre o salário recebido;
- Pagamento de hora de trabalho no valor mínimo de R$ 32,09;
- Remuneração mensal de pelo menos o salário mínimo (R$ 1.412);
- Criação de uma nova categoria profissional: trabalhador autônomo por plataforma;
- Limite de horas de trabalho, de até 12 horas por dia, visando à segurança e saúde dos trabalhadores e usuários;
- Responsabilidade das empresas de aplicativos de recolher 20% sobre a remuneração mínima do profissional (correspondendo a 25% da renda bruta) como contribuição à Previdência Social;
- Inscrição dos dados do profissional em sistema próprio da Receita Federal;
- Possibilidade de fiscalização das plataformas por auditores do trabalho;
- Multa para empresas que descumprirem a lei, no valor de cem salários mínimos (atualmente R$ 141,2 mil);
- Reajuste anual da remuneração do trabalhador de acordo com o aumento do salário mínimo.
Para Maurício Corrêa da Veiga, advogado trabalhista ouvido pela Fórum, o projeto apresentado pelo governo Lula para regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo é uma iniciativa "significativa".
"O projeto de lei proposto pelo governo Lula para regulamentar os motoristas de aplicativo é uma iniciativa significativa que visa garantir direitos e proteções para uma categoria profissional em ascensão (...). É uma tentativa positiva de equilibrar os interesses dos motoristas de aplicativo e das empresas, promovendo condições de trabalho mais justas e seguras", avalia o advogado.
"No entanto, é crucial que haja um debate amplo e aberto durante o processo legislativo para garantir que as necessidades de todas as partes interessadas sejam consideradas e que o resultado final promova verdadeiramente o bem-estar dos envolvidos", prossegue o especialista.
Motoristas podem ganhar mais que o dobro da remuneração atual
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) considera que a principal conquista do projeto de lei apresentado pelo governo Lula é a garantia de um piso de remuneração para uma jornada de trabalho de oito horas por dia e um valor mínimo para os custos efetivos do trabalhador, como manutenção do veículo, impostos, combustível, internet utilizada no celular, alimentação, entre outros.
Com o novo valor definido pelo projeto, que é de R$ 32,09 por hora trabalhada – sendo R$ 8,02 referentes ao trabalho em si e R$ 24,07 referentes aos custos –, a remuneração mínima de um motorista que trabalhar 8 horas por dia, durante 22 dias no mês, será de R$ 5.649,60 – e ainda será possível estender a jornada para 12 horas diárias.
Dessa maneira, os ganhos mensais dos trabalhadores e trabalhadoras de aplicativos de transporte devem mais que dobrar, já que atualmente, de acordo com o IBGE, essa renda mensal é, em média, de R$ 2.454,00.
“Hoje é um dia histórico para a classe trabalhadora, o Brasil tornou-se um exemplo para o mundo. Esse é o primeiro caso que conheço de um país que regulamenta, por meio de lei, a proteção aos trabalhadores", afirmou o presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre.
"Marco no mundo do trabalho"
Em discurso na cerimônia de assinatura do projeto de lei, realizada no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou a iniciativa como "um marco no mundo do trabalho".
"Hoje é um dia especial porque representa um marco significativo no mundo do trabalho, um momento em que trabalhadores e empresários se sentam à mesa de negociações para moldar um novo quadro organizacional. Vocês acabaram de criar uma nova modalidade no mundo do trabalho”, declarou o mandatário.
“Vocês deram um banho de inteligência no restante do Brasil, que não acreditava que fosse possível organizar trabalhadores de aplicativo. Deram um banho de inteligência, de competência, de sabedoria, e agora vão dar um banho de experiência, porque vocês vão fazer isso dar certo de verdade”, prosseguiu Lula.
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, disse, por sua vez, que "o mercado de trabalho brasileiro sofreu um grande retrocesso entre 2016 e 2022, empurrando os trabalhadores para a informalidade”.
"Desde o ano passado, estamos reorganizando esse mercado para que esses trabalhadores tenham seus direitos assegurados e para que os empregadores também tenham segurança jurídica. A lei dos aplicativos é um exemplo disso. Durante um ano, a mesa tripartite debateu a regulamentação para trabalhadores que prestam serviços por meio de plataformas de transporte de pessoas. Criou-se uma categoria especial para os motoristas de aplicativo – o 'trabalhador autônomo por plataforma', que passa a ter proteção social, com o acesso a vários benefícios trabalhistas como outros trabalhadores”, pontuou o ministro.
O que dizem os representantes da categoria
Na cerimônia de apresentação do projeto de lei, o motorista Rogerio Isaías, de 49 anos, que atua para a Uber desde 2017, avaliou que a iniciativa do governo é "um marco em termos de segurança e garantias".
“Acho que o mais importante é o reconhecimento da classe. A união e a representação sindical são cruciais para garantir segurança aos trabalhadores. Perdas de motoristas de aplicativo impactam não apenas suas famílias e esposas, mas seus filhos. A regulamentação promete trazer mudanças significativas”, considerou.
Fábio Martins, de 44 anos, que atua como motorista de aplicativo há cinco meses, por sua vez, disse que a lei será essencial para garantir proteção em situações inesperadas, como acidentes, citando um acidente recente envolvendo um amigo da categoria.
“Esse incidente ilustra claramente a necessidade de apoio financeiro em situações difíceis. Nosso colega não tem segurança alguma. Tem que trabalhar para ganhar”, declarou.
Leandro Medeiros, presidente do Sindicato de Motoristas em Aplicativo do Estado de São Paulo, também celebrou o projeto de lei para regulamentar o trabalho da categoria.
“Daremos um novo passo de regulamentação e respeito por essa classe que foi tão importante na covid-19. Levou várias categorias a trabalhar, não se cansou, assumiu um risco, alguns perderam suas vidas, mas hoje estão sendo reconhecidos pelo presidente Lula", disse.