O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) abriu, na quinta-feira (7), uma investigação sobre as denúncias feitas por funcionários da saúde contra a atuação da Polícia Militar do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) na Baixada Santista. Segundo as denúncias, a PM estaria levando pessoas mortas para hospitais como se ainda estivessem vivas.
De acordo com o documento, pessoas assassinadas nas operações da PM estariam sendo transportadas como vivas para hospitais. O procedimento prejudica o exercício da perícia no local das mortes, o que pode indicar alteração e não preservação dos locais das ocorrências.
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O Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), do MP-SP, vai recolher os prontuários médicos e identificar os socorristas para entender como se deu o transporte dos corpos. O Gaesp também notificou a Secretaria de Saúde de Santos para saber se foi instaurada sindicância interna.
Em um dos boletins de ocorrência, a falta de conservação do local do crime foi justificada da seguinte forma: "Em razão do tumulto causado nas imediações e com o eventual risco de novo confronto no local, ficou prejudicado para perícia, razão pela qual não foi possível a preservação do sítio do evento por parte dos componentes da Rota [Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar]".
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A Defensoria Pública de São Paulo assinou, no início de fevereiro, uma denúncia que aponta a repetição da mesma versão policial nos episódios de crime, baseada em suspeitos com porte de drogas, que teriam atirado contra os agentes e que foram socorridas ainda com vida.
"[Há] indícios da não preservação das cenas dos crimes [...] Nesse contexto, a ausência de corpos nas cenas de crimes impossibilitaria que a perícia coletasse provas técnicas", diz um trecho do texto da Defensoria Pública de São Paulo, junto de entidades de defesa dos direitos humanos, como a Conectas Direitos Humanos, o Instituto Vladimir Herzog e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A denúncia foi enviada à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), e indica "execuções sumárias, arbitrárias e extrajudiciais", na Operação Escudo, deflagrada no litoral paulista.
A Defensoria Pública pede providências imediatas, como a garantia da perícia e investigação independente sobre os casos, a fim de preservar os elementos que podem servir de evidência no local de morte e violações de direitos humanos.
O documento também solicita a obrigatoriedade do equipamento e uso das câmeras corporais nas fardas dos agentes de segurança, sobretudo nas operações policiais.
No final de fevereiro, o governo estadual promoveu uma série de mudanças no alto escalão da Polícia Militar de São Paulo, que abriram caminho para o protagonismo de oficiais com perfil bolsonarista. O número 2 da corporação, crítico das operações letais da PM, foi substituído por um ex-comandante da Rota, contrário à ampliação da política de câmeras policiais.
Sob o comando de Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública, a letalidade da PM-SP voltou a crescer após três anos. 540 pessoas foram mortas no primeiro ano do governo Tarcísio com Derrite como secretário de segurança pública. O aumento foi de 13% em comparação aos óbitos de 2022.
Em 2024, policiais assassinaram mais de 130 pessoas até a terceira semana de fevereiro, sendo que 121 (93%) foram à óbito em supostos confrontos com a Polícia Militar. Nos 20 primeiros dias de fevereiro, foram registradas 70 mortes, mais que o dobro de mortes causadas em 2022 e em 2023.
Iniciada em 2 de fevereiro, a Operação Verão já executou 40 pessoas na Baixada Santista. Ao ultrapassar o número de óbitos na Operação Escudo, esta se tornou a segunda operação mais letal na história de São Paulo, atrás somente do Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992.
Quando questionado sobre a denúncia de violência policial levada à ONU, Tarcísio de Freitas reagiu: "Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com relação ao que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta que eu não tô nem aí".
Outro lado
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), comunicou que a Polícia Militar irá "analisar os relatos dos socorristas do Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] apresentados pela reportagem, garantindo que o serviço de saúde faça seu trabalho corretamente", disse, em nota à Agência Brasil.
"Ressalta que o trabalho da perícia é fundamental para a investigação dos casos. A não realização da perícia técnica é exceção e pode ocorrer por fatores como em casos de chuva, localidade, em áreas de difícil acesso como em mangues e etc", declarou a SSP=SP.
De acordo com a secretaria, todos os casos de mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP) são investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento do Ministério Público e do Poder Judiciário, e das corregedorias das instituições.
"É importante reforçar que os casos MDIP são consequência direta da reação violenta de criminosos à ação da polícia no combate ao crime organizado, que tem presença na Baixada Santista e já vitimou três policiais militares desde 26 de janeiro. A opção pelo confronto é do suspeito, colocando em risco a vida do policial e da população", alegou a SSP.
O governador do estado de São Paulo, Tarcisio de Freitas, se queixou de uma suposta denúncia sem fundamento, em coletiva de imprensa realizada na sexta-feira (8): "Você conversa com o pessoal da Santa Casa de Santos, nenhuma informação dessa foi veiculada. É uma tremenda irresponsabilidade levantar esse tipo de situação sem evidência, sem lastro", disse.
Armas apreendidas de CACs
Um relatório do Tribunal de Contas da União apontou que pelo menos 8% das armas apreendidas em atividades criminosas no estado de São Paulo pertenciam a Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs). A lista se refere a apreensões policiais – feitos majoritariamente pela Polícia Militar – em casos de flagrantes de crimes como roubo, porte ilegal e ameaça.
O documento indica que, das mais de 47 mil armas recolhidas entre 2015 e 2020, 3.873 eram de CACs. Ao menos 1.312 (33,8%) delas foram adquiridas e registradas no Exército a partir do início do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ferrenho defensor do armamentismo.
Cerca de metade das armas apreendidas apresentavam numeração suprimida, o que impossibilita a associação das armas com o registro. De acordo com o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), base de dados do Exército, há mais de 1,3 milhão de armas nas mãos de CACs. As informações são da Folha de S.Paulo.