ORCRIM BOLSONARISTA

Elo que liga Javier Milei ao clã Bolsonaro atuava em OrCrim golpista investigada pela PF

Publicitário argentino atuou nas campanhas de Bolsonaro e de Milei e protagonizou "núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral", segundo a investigação da Polícia Federal.

Javier Milei e Jair Bolsonaro.Créditos: Youtube / Reprodução
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Guru das redes sociais na campanha de Javier Milei à presidência da Argentina, o publicitário Fernando Cerimedo é citado com destaque na investigação da Polícia Federal (PF) sobre a Organização Criminosa comandada por Jair Bolsonaro (PL) que tentou um golpe de Estado no Brasil durante as eleições vencidas por Lula em 2022.

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Segundo a PF, o publicitário argentino fazia parte do "núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral", composto por figuras como o ex-ministro Anderson Torres (Justiça) e o assessor Tércio Arnaud Tomaz, que estava com Bolsonaro durante a apreensão do passaporte na casa de veraneio na vila de Mambucaba, em Angra dos Reis (RJ), nesta quinta-feira (8).

A investiga aponta que o núcleo atuava na "produção, divulgação e amplificação de notícias falsas e de "estudos" quanto à falta de lisura das eleições presidenciais de 2022, bem como sobre supostos registros de votos após o horário oficial, inconsistências no código-fonte, com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e de instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para a execução de um golpe de Estado".

"O episódio envolvendo FERNANDO CERIMEDO, com divulgação em uma live de notícias fraudulentas sobre uma suposta investigação sobre as eleições brasileiras e constatação de disparidades entre a distribuição de votos nas urnas eletrônicas mais novas e mais antigas (que implicariam anomalia favorável ao candidato de número 13 nas urnas fabricadas antes do ano de 2020) é exemplo de tal estratégia ilícita e antidemocrática", diz o relatório, que consta na decisão de Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que desencadeou a megaoperação Tempus Veritatis.

Próximo a Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) - que chegou a contratar Giovani Larosa, jornalista do grupo de Ceridemo no Brasil -, o publicitário recebeu o filho de Bolsonaro na Argentina para gravar vídeos para a campanha de 2022.

Após a derrota de Bolsonaro para Lula, Cerimedo usou seu portal, La Derecha Diario, e suas redes sociais para propagar um vídeo com a chamada "O Brasil foi roubado" para acusar o TSE de fraude na eleição.

Na investigação, a PF comprova que o vídeo feito por Cerimedo foi combinado diretamente com Mauro Cid e fazia parte da estratégia de "disseminar informações falsas sobre o processo eleitoral brasileiro".

"Uma pasta no serviço de nuvem GOOGLE DRIVE, criado por FERNANDO CERIMEDO, teria sido alimentado com arquivos de autoria do Major ANGELO MARTINS DENICOLI. Os arquivos estariam relacionados a disseminação de informações falsas sobre as urnas eletrônicas”, diz a PF.

Major do Exército, Angelo Martins Denicoli integrava a milicia digital que propagava fake news em grupos bolsonaristas e faz parte do mesmo núcleo de Cerimedo.

"Visando burlar as ordens judiciais de bloqueio, os investigados disponibilizaram o conteúdo em servidores localizados fora do país. Identificou-se ainda que o mesmo conteúdo também estava contido no documento nominado "bolsonaro min defesa 06.11-semifinal.docx", endereçado ao General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, então Ministro da Defesa e encaminhado por MAURO CID ao General BRAGA NETTO, por WhatsApp", diz a PF em outro trecho.

Os dois generais seriam responsáveis por disseminar a informação mentirosa de Cerimedo, criada com base em informações já desmentidas pela Justiça Eleitoral.

O publicitário argentino ainda teria repassado informações a Eder Balbino, dono da empresa Gaio Innotech Ltda, que auxiliou na produção do estudo que levou o PL a contestar as urnas após o segundo turno.

"Todo o panorama exposto, segundo a Polícia  Federal, aponta a ação coordenada dos integrantes do grupo criminoso para amplificação das falsas narrativas que construíram e replicavam acerca do sistema eleitoral brasileiro, estando ainda devidamente comprovada a relação mantida entre FERNANDO CERIMEDO e ANGELO MARTINS DENICOLI e EDER BALBINO, na dinâmica de divisão de tarefas fixada para aquela finalidade", diz Moraes ao autorizar a operação.

As multifacetas de Cerimedo

Funcionário de empresas até 2018, o publicitário passou a ser diretor da agência de publicidade McCann na Argentina. Nesse período na agência, Cerimedo diz ter trabalhado na campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2018, quando o ex-presidente surpreendeu as pesquisas eleitorais brasileiras e deflagrou uma onda da direita latino-americana. 

Ele afirma ter participado devido ao bom relacionamento construído com Eduardo Bolsonaro em Harvard – que o contratou – e que a população brasileira é entusiasta de seu trabalho: "Sou um herói para metade do país. Eles me chamam de argentino mais querido do Brasil", declara.

"Entrei nos últimos 40 dias, quando tudo tinha ficado muito difícil. Fizemos um trabalho paralelo à campanha oficial, para convencer os haters de Bolsonaro, como os homossexuais. Também fizemos uma campanha de contraste, que é mostrar tudo o que o candidato rival não quer que se saiba", lembra

A Numen teve participação ativa na desinformação na votação da nova Constituição do Chile. Mesmo sem sucesso, sua agência buscou alterar a percepção das pessoas quanto à avaliação da população sbre o tema.

Cerimedo e seu veículo La Derecha Diario

O argentino diz administrar 30 pequenos sites, uma empresa de segurança privada e quase 200 funcionários. Entre os sites está o La Derecha Diario, comandado e representado legalmente, desde 2018, por Natalia Basil, sua esposa e sócia. Mesmo diante da desinformação publicada no portal, Cerimedo reduz o alcance das suas mentiras: "La Derecha Diario é o único dos meus veículos que faz travessuras".

Uma das publicações, por exemplo, assinalava que o kirchnerismo sabia com antecedência da tentativa de assassinato de Cristina Kirchner, em setembro de 2022. O argumento utilizado foi uma nota do canal de televisão C5N publicada com data anterior ao atentado, o que foi usado de instrumento político pela direita em um cenário caótico. 

A nota, no entanto, continha um erro técnico devido à diferença de horário com o servidor e, portanto, não exibia esse conhecimento prévio do ataque. “Chamar-nos de desinformadores em série por duas ou três bobagens é a única maneira que eles têm de nos atacar. Sou contra as fake news”, afirma Cerimedo à aliança jornalística.

Durante a pandemia da Covid-19, disseminou fake news sobre a composição das vacinas, alegando que eram prejudiciais à saúde. Cerimedo também atacou o governo argentino pelo portal em virtude da política rígida de medidas sanitárias aplicada, ao contrário da feita no Brasil de Bolsonaro.

O La Derecha Diario cobriu a ida do filho de Bolsonaro à Argentina, em uma viagem apoiada pelo Itamaraty e paga pelo dinheiro da campanha eleitoral do então candidato à reeleição. Na excursão de Eduardo, Cerimedo se aproveitou da situação econômica do país para associar o desabastecimento de mercados argentinos com o socialismo.

Após acusar o TSE de fraude e repetir as informações falsas em uma audiência pública do Senado, Cerimedo teve suas redes e as redes do portal suspensas. Com o chamado "O Brasil foi roubado", sua campanha de desinformação colaborou em incitar a onda bolsonarista nas eleições presidenciais que culminou, dois meses depois, nos ataques golpistas de 8 de janeiro, em terrorismo aos Três Poderes.

"Ficou provado judicialmente que não espalhei desinformação. Minhas contas foram suspensas em novembro e eles me desbloquearam quando aconteceu o do 8 de janeiro, porque descobriram que eu não era o responsável".