O governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem promovido trocas no alto escalão da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP), desde quarta-feira (21), em uma séria crise interna na instituição. As mudanças abriram caminho para o protagonismo de oficiais com histórico na Rota e perfil bolsonarista.
A medida foi entendida como uma demonstração de força do secretário estadual de Segurança Pública, Guilherme Derrite, uma vez que foram destacados nomes de confiança dele, como os oficiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), onde o secretário foi capitão e que integram o Batalhão de Choque.
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No total, foram 34 coronéis remanejados na cúpula da PM, mais da metade das funções de comando para o coronelato na instituição. A mudança inclui a exoneração do número dois da corporação, o coronel José Alexander de Albuquerque Freixo, decisão que enfraquece ainda mais o comandante-geral da PM, Cássio Araújo Freitas, na avaliação dos oficiais superiores.
Segundo eles, os coronéis ficaram sabendo das mudanças por meio da publicação no Diário Oficial, conduta considerada como desrespeitosa no trato dos oficiais de comando com décadas de experiência à frente da PM. O coronelato promete retaliações e, até mesmo, promover a queda de Derrite.
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A demissão do subcomandante teria sido uma medida rara, registrada em ocasião única. Freixo é um dos mais respeitados coronéis paulistas, visto como principal opositor do avanço da "mentalidade bolsonarista" na corporação e de outras interferências políticas.
O coronel era responsável pela implementação das políticas de segurança na instituição e seria um dos mais assíduos críticos das operações letais na Baixada Santista, que acumulam cerca de 60 mortes, entre as operações Escudo e Escudo II, apelidada de Verão.
As trocas ocorrem em meio à Operação Verão, que já assassinou 32 pessoas na Baixada Santista, no litoral de São Paulo, desde o dia 3 de fevereiro. Ao ultrapassar o número de óbitos na Operação Escudo, esta se tornou a segunda operação mais letal na história de São Paulo, atrás somente do massacre do Carandiru.
Assim como parte dos oficiais exonerados, Freixo também era defensor da ampliação do programa de câmeras corporais acopladas nos uniformes dos policiais, medida rechaçada pelo seu sucessor, coronel José Augusto Coutinho. Ex-comandante da Rota, ele é apontado como um homem alinhado à política combativa de Derrite.
Para o Centro de Altos Estudos em Segurança, foi nomeado o coronel Aleksander Lacerda, afastado da corporação por indisciplina em 2021, durante a gestão de João Dória. O oficial tinha convocado seus seguidores para os atos de 7 de setembro a favor do então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Então chefe do Comando de Policiamento do Interior-7 (CPI-7), fez publicações em sua página no Facebook incitando a colocação de "tanques nas ruas" no Dia da Independência do Brasil, na época sequestrado pelos bolsonaristas para manifestarem-se a favor do ex-presidente.
Outra mudança foi a nomeação de Pedro Luis de Souza Lopes para o Comando de Inteligência da PM, o porta-voz da Operação Escudo, entre julho e setembro do ano passado. Lopes anunciou o remanejamento de 400 câmeras corporais para Batalhões de Trânsito na capital, mesmo com o alto índice de letalidade das operações policiais na Operação Verão.
O contato com a Rota também gerou a promoção de outros três oficiais do batalhão à nova cúpula da PM: Valmor Saraiva Racorti, novo comandante da Tropa de Choque; Gentil Epaminondas de Carvalho Júnior, na Coordenadoria Operacional; e Fábio Sérgio do Amaral, na Corregedoria da PM.
Queda de braço
Além das transferências, três novos oficiais foram promovidos ao posto de coronel. Os outros 29 coronéis nas funções de comando ponderam uma retaliação com a permanência na ativa, uma vez que a ida à reserva permitiria a ascensão de novos oficiais vinculados à Derrite.
Com a valorização da experiência na instituição, somente a exoneração ou a aposentadoria dos policiais remanescentes abriria vagas para tenentes-coronéis a serem promovidos. No caso de promoção, a escolha de comando é realizada pelo secretário.
Os novos indicados também podem não assumir suas funções, o que também acentuaria a crise interna na corporação. Os coronéis esperam que determinados nomes sigam este caminho, a exemplo do recém-nomeado subcomandante, Coutinho, que teria manifestado receio de assumir o comando e causar uma "implosão" na PM.
Desde a nomeação de Derrite por Tarcísio de Freitas, os coronéis demonstraram descontentamento. No ano passado, ele já havia sido criticado pela substituição de cargos na reserva sem aviso, e apenas descoberto através do Diário Oficial.
A troca na alta cúpula seria uma tentativa de fortalecimento da imagem de Derrite, que já vem sendo prestigiado pela aprovação do projeto de lei que proíbe as "saidinhas" de condenados, de sua autoria quando era deputado federal pelo PL, entre 2018 e 2022. O secretário tem a pretensão de se candidatar ao Senado Federal em 2026.
Sob o seu comando, a letalidade da PM-SP voltou a crescer após três anos. 540 pessoas foram mortas no primeiro ano do governo Tarcísio com Derrite como secretário de segurança pública. O aumento foi de 13% em comparação ao contingente de 2022.
Em 2024, policiais assassinaram mais de 130 pessoas até a terceira semana de fevereiro, sendo que 121 (93%) foram à óbito em confrontos com a Polícia Militar. Nos 20 primeiros dias de fevereiro, foram registradas 70 mortes, mais que o dobro de mortes causadas em 2022 e em 2023.
O que diz a PM
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) comunicou que as trocas no comando da PM ocorreram em razão de "promoções por mérito", e fazem parte de uma série de "movimentações de rotina" nas polícias do estado.
"A atual gestão da Secretaria da Segurança Pública reconhece e valoriza o trabalho dos policiais paulistas e informa que, desde o início do ano, uma série de promoções por mérito e movimentações de rotina foi efetivada junto às polícias Civil, Militar e Técnico-Científica do Estado", diz a nota completa.
Com informações da Folha de S.Paulo