A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, comparando o massacre promovido pelas forças militares de Israel contra palestinos na Faixa de Gaza à matança de judeus promovida pelo regime nazista de Adolf Hitler, serviu de base para um pedido de impeachment contra o mandatário articulado pela direita e extrema direita no Congresso Nacional.
O pronunciamento de Lula ocorreu durante a Cúpula da União Africana, na Etiópia, no domingo (18). O presidente afirmou:
Te podría interesar
"O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não tem precedentes na história. Na verdade, tem. Quando Hitler decidiu exterminar os judeus".
Apesar da reação virulenta do governo de Benjamin Netanyahu, que declarou Lula uma "persona non grata" em Israel e convocou o embaixador israelense no Brasil para retornar ao país, fazendo o presidente brasileiro reagir à altura e também convocar seu embaixador em Tel Aviv, nenhum outro líder mundial condenou a fala do titular do Palácio do Planalto. Pelo contrário, blocos multilaterais e chefes de Estado têm reforçado o pedido de Lula pelo cessar-fogo em Gaza, isolando o primeiro-ministro de Israel.
No Brasil, entretanto, boa parte da imprensa comercial encampou a narrativa da extrema direita na tentativa de demonizar Lula pela declaração. O movimento se materializou no Congresso Nacional com a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) liderando um pedido de impeachment contra o presidente que já reuniu mais de cem assinaturas da oposição.
Na peça, protocolada nesta terça-feira (20), os parlamentares de direita e extrema direita afirmam que, com a declaração sobre o massacre em Gaza, Lula teria cometido "hostilidade contra nação estrangeira", expondo o Brasil a "perigo de guerra", o que configuraria "crime de responsabilidade".
Consultado pela Fórum, o advogado constitucionalista Camilo Caldas, que é pós-doutor pela Universidade de Coimbra em Democracia e Direitos Humanos e doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), afirma que não há qualquer base jurídica e nem mesmo ambiente político para o pedido de impeachment contra Lula apresentado pelos bolsonaristas.
"Neste caso, não existe nenhuma dúvida de que não houve crime de responsabilidade por parte do presidente da República. No presidencialismo, o presidente só pode perder o mandato caso tenha cometido um crime. Não havendo, portanto, a prática de nenhum delito, não é juridicamente possível que ele venha a sofrer o impeachment e perder o mandato. Sob nenhuma ótica a fala do presidente expôs o Brasil ao perigo de guerra, porque não existe nenhuma possibilidade de que Israel venha a iniciar um conflito bélico com o Brasil por conta de uma declaração dessa natureza."
Segundo Camilo Caldas, "o que existe apenas é um movimento político para se aproveitar da repercussão que a fala do presidente Lula provocou".
"Os próprios partidos e deputados que estão falando em pedido de impeachment sabem que não existe nenhuma viabilidade jurídica, muito menos política, desse pedido prosperar. Mas eles sabem que falar que foi protocolado um pedido de impeachment gera visibilidade para eles nos meios mediáticos e, portanto, o objetivo deles é, essencialmente, utilizar-se desse instrumento para se destacar diante da repercussão do caso", explica o especialista.
O advogado chama atenção para o fato de que, para um pedido de impeachment prosperar, não basta que um crime tenha sido cometido: é necessário, também, que exista um ambiente político para a deposição do presidente. Caldas relembra, por exemplo, que vários crimes foram imputados a Jair Bolsonaro ao longo de seu governo, mas nenhuma proposta de impedimento avançou pois o "ambiente político acabou o blindando desse julgamento".
No caso do pedido de impeachment contra Lula, Camilo Caldas sustenta que não há nenhum dos dois elementos: nem a base jurídica tampouco o ambiente político.
"É necessária uma combinação desses dois elementos, um ambiente político favorável e uma causa jurídica fundamentada. Nesse caso, não existe nenhuma das duas coisas. Não há um ambiente político capaz de mobilizar o Congresso a levar esse pedido adiante e muito menos um fundamento jurídico para que o impeachment viesse a ocorrer."
Padilha: "Não vai progredir"
Em entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, na segunda-feira (19), o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, além de defender Lula com relação à declaração sobre o massacre de Israel na Faixa de Gaza, classificou como "desqualificado" o pedido de impeachment articulado por bolsonaristas contra o presidente.
"É desqualificado. O primeiro ano do governo foi o melhor resultado de aprovação de projetos de lei", disse, listando vitórias do governo no Congresso feitas, segundo ele, na base do diálogo.
“Ele [o pedido de Impeachment] não vai progredir, assim como outros não progrediram”, emendou.
Nos bastidores, o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que tem o poder de decidir se aceita ou não a análise do pedido de impeachment, já sinalizou a parlamentares que engavetará a peça.