O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, saiu em defesa das estatísticas oficiais depois dos ataques levianos proferidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro contra os dados de desemprego no Brasil.
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Pelas redes sociais, Pochmann citou um documento divulgado em março de 2024 pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (UNECE, da sigla em inglês) que já no título faz um alerta contundente: A democracia morre na escuridão sem estatísticas oficiais.
A afirmação do presidente do IBGE reflete a relação estreita entre sistemas democráticos sólidos e a transparência proporcionada por dados confiáveis.
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De acordo com o estudo divulgado pela agência da ONU, a correlação entre o Índice de Democracia e o Índice de Desempenho Estatístico em 2019, abrangendo 167 países, atingiu 70,1%.
“Em síntese, países com alto nível de democracia experimentam elevado patamar de desempenho estatístico”, escreveu Pochmann.
Pochmann comenta ainda que, na Era Digital, a disseminação massiva de informações supera, em velocidade, a capacidade de interpretação do público.
O presidente do IBGE alerta que esse fenômeno, conhecido como iletramento digital, dificulta o discernimento entre dados confiáveis e informações distorcidas.
“No passado, o registro da presença do nazifascismo, por exemplo, transcorreu em plena ausência de estatísticas oficiais confiáveis”, relembra.
Pochmann também sai em defesa do IBGE. Ele comenta que o instituto é apontado como um exemplo global na produção de estatísticas confiáveis.
A instituição, ressalta o presidente, segue os Princípios Fundamentais das Estatísticas Oficiais das Nações Unidas, estabelecidos em 2014, que afirmam:
"As estatísticas oficiais fornecem um elemento indispensável no sistema de informação de uma sociedade democrática, servindo o governo, a economia e o público com dados sobre a situação econômica, demográfica, social e ambiental", cita.
“O ataque às estatísticas oficiais somente serve à minoria que insiste em promover o falecimento da democracia”, finaliza.
O ataque de Bolsonaro
O ex-presidente Bolsonaro questionou na última sexta-feira (27) a credibilidade dos dados de desemprego divulgados pelo IBGE.
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Em transmissão ao vivo na rádio AuriVerde Brasil, Bolsonaro afirmou que a taxa de 6,1% no trimestre encerrado em novembro, a menor da série histórica desde 2012, seria "uma mentira".
Bolsonaro argumentou que os critérios utilizados pelo IBGE distorcem a realidade do mercado de trabalho brasileiro.
“Quem não procura emprego, para o IBGE, está empregado. Para quem recebe qualquer benefício social, [como o] Bolsa Família, está empregado. Então sobra uma quantidade bem pequena de pessoas para saber se está empregado ou não. E essa mentira é corroborada pelo fato de ter aumentado o número de pessoas que procuram o seguro-desemprego”, declarou.
Estatísticas e democracia
O documento citado por Pochmann para a defesa das estatísticas oficiais foi apresentado durante a Conferência de Estatísticos Europeus. O evento, realizado entre os dias 26 e 28 de março deste ano em Genebra, na Suíça, sediou um workshop focado em questões de ética nos negócios e no uso de dados no cenário em transformação das estatísticas oficiais.
Intitulado "Democracy Dies in Darkness without Official Statistics", o documento foi apresentado pelo estatístico aplicado e pesquisador associado à Universidade de Malta Luca Di Gennaro Splendore.
Leia aqui o documento na íntegra, em inglês.
A pesquisa de Splendore concentra-se em estatísticas oficiais, ética de dados e a interseção entre estatísticas e democracia. No estudo, ele destaca a importância das estatísticas oficiais para o funcionamento das democracias modernas.
O trabalho de Splendore enfatiza a necessidade de sistemas estatísticos nacionais independentes e confiáveis para sustentar a transparência e a responsabilidade nos processos democráticos.
Confira alguns destaques do documento
Conexão entre democracia e estatísticas
- Uma análise quantitativa mostrou uma correlação de 70,1% entre o Índice de Democracia e o Índice de Desempenho Estatístico em 167 países para o ano de 2019.
- Democracias robustas tendem a ter sistemas estatísticos eficientes e independentes.
Importância das estatísticas oficiais
- As estatísticas fornecem informações cruciais sobre a economia, sociedade e meio ambiente, sendo indispensáveis para tomadas de decisão e avaliações de políticas públicas.
- A produção e disseminação de estatísticas devem ser totalmente independentes de influências políticas.
Desafios e conflitos
- Casos de interferência política em sistemas estatísticos foram mencionados, como na Grécia, Argentina e China, ressaltando a vulnerabilidade de estatísticas à manipulação.
- Exemplos históricos, como a ausência de dados confiáveis durante regimes nazifascistas, demonstram os perigos da falta de transparência.
Recomendações futuras
- Nacionalmente, os institutos de estatística devem melhorar a produção de dados, adaptando-se a realidades complexas e integrando novas fontes e métodos.
- Internacionalmente, há a necessidade de cooperação para alinhar estatísticas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial os indicadores relacionados à transparência e ao progresso econômico e social.
Relação com a sociedade
- O texto enfatiza que a população muitas vezes desconhece a relevância das estatísticas e que os institutos devem ampliar sua comunicação para demonstrar o impacto de seus dados.
Citações em destaque
O documento sugere que as estatísticas oficiais são tão essenciais para democracias modernas quanto a liberdade de expressão, fornecendo uma base para políticas baseadas em evidências e accountability.
"Em uma sociedade democrática, a independência das estatísticas oficiais tem o mesmo status que a liberdade de expressão dos cidadãos."
"O ciclo de dados — conhecimento, decisão política, implementação e responsabilização — depende diretamente de estatísticas confiáveis."