O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e professor de economia licenciado da Unicamp, Marcio Pochmann, publicou nesta quarta-feira (1) uma longa análise sobre o conceito de trabalho e como ele necessita ser repensado à luz da transformação digital.
Para Marcio Pochmann, "mais de 13 décadas depois, o atual conceito do trabalho, próprio da Era Industrial, mostra-se insuficiente para compreender a realidade laboral, própria do primeiro quarto do século 21".
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Além disso, Pochmann considera que "a emergência de um novo sujeito social perturbador da ordem neoliberal gerada pela transformação digital. O desmonte das classes estruturais das sociedades industriais, compreendidas por burguesia e operariado da manufatura, tem enfraquecido a centralidade da relação capital-trabalho".
Confira abaixo a íntegra da análise de Marcio Pochmann sobre a categoria "trabalho" no século XXI:
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"O dia 1º de maio, como data do trabalho, surgiu em 1889, durante o primeiro congresso da Segunda Internacional. Na época, a visão estratégica da classe do trabalho transformadora.
Com isso, a centralidade do trabalho na agenda das nações consolidou a passagem do agrarismo para a nova sociedade urbana e industrial. Mas não foi unânime, pois foi disputada por distintos segmentos da esfera pública.
Em geral, de inspiração histórica do iluminismo do após 1789 que emergiu da Revolução Francesa . Assim, o longo passado da visão conservadora hegemônica assentada na vontade de Deus terminou sendo superado.
Nesse sentido, a importância de eventos antiberais europeus, enquanto centro dinâmico do mundo. Ainda nas duas últimas décadas do século 19, duas visões se constituíram em disputa direta com a perspectiva posta em movimento pela Segunda Internacional.
De um lado, o destaque para Otto von Bismarck, um dos principais personagens da Unificação Alemã que inovou ao contrapor ao liberalismo a garantia estatal de direitos laborais. No ano de 1883, por exemplo, a incorporação na política pública da previdência social (1883) permitiu à classe trabalhadora viver sem trabalhar, após longo tempo de contribuição laboral.
De outro, o destaque do papa Leão 13 que em 1891 patrocinou a encíclica Rerum Novarum. Na época, a crítica ao liberalismo por se mostrar insensível às péssimas condições dos operários, identificadas como injustiças laborais produzidas pela Revolução Industrial sem regulação estatal.
Mais de 13 décadas depois, o atual conceito do trabalho, próprio da Era Industrial, mostra-se insuficiente para compreender a realidade laboral, própria do primeiro quarto do século 21.
Em síntese, a emergência de um novo sujeito social perturbador da ordem neoliberal gerada pela transformação digital.
O desmonte das classes estruturais das sociedades indústrias, compreendidas por burguesia e operariado da manufatura, tem enfraquecido a centralidade da relação capital-trabalho.
Na Era Digital, o avanço do segmento do trabalho assentado cada vez mais na relação debito-crédito é uma realidade revolucionária. Mas não tem sido assim bem compreendida pelas atuais instituições de representação do conjunto dos interesses do trabalho.
Por seguirem prisioneiras à antiga sociedade industrial, perdem a oportunidade de ampliar o conceito de trabalho, conformado pelas forças explosivas e anti sistêmicas que decorrem da inegável exploração.
Pela receita neoliberal que combina a flexibilidade com precarização, o novo sujeito social perturba a ordem constituída pelo conceito patrão-empregado assalariado tradicional. Uma referência fundamental que precisa fazer parte da urgente e necessária reconsideração do trabalho."