GOLPISTAS

Investigação da PF mostra que Alto Comando do Exército sabia das articulações golpistas

Áudios e mensagens expõem inércia dos mais graduados oficiais generais da Força diante de articulações golpistas, levantando suspeitas de prevaricação

Créditos: Estevam Costa/PR
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Mensagens e áudios obtidos pela Polícia Federal no âmbito de investigações sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022 revelam que o Alto Comando do Exército Brasileiro tinha ciência das articulações golpistas. O material traz diálogos entre oficiais de alta patente, incluindo o coronel Reginaldo Vieira de Abreu e o general Mário Fernandes, expondo divisões internas, inércia e, em alguns casos, apoio explícito ao plano de subversão da democracia.

"Cinco não querem, três querem muito, e os outros, zona de conforto"

Em áudio datado de 19 de dezembro de 2022, Reginaldo Vieira de Abreu descreve a postura dos integrantes do Alto Comando em relação ao golpe: “Kid Preto, cinco não querem, três querem muito e os outros, zona de conforto. É isso. Infelizmente.” O comentário expõe uma divisão clara entre os generais. Enquanto uma minoria defendia ativamente o plano, a maioria ou se opunha de forma passiva ou mantinha-se indiferente. No entanto, mesmo os contrários não denunciaram as articulações, optando pelo silêncio.

O coronel lamenta ainda o modelo de tomada de decisão do Alto Comando, que exige unanimidade, dificultando qualquer ação efetiva. “Essa palhaçada de unanimidade, acaba essa porra. Foi essa aula que a gente deu pra eles, infelizmente”, afirmou.

General admite pressão popular como fator decisivo

Em outro diálogo, datado de 4 de novembro de 2022, o general Mário Fernandes reforça a percepção de inação e vulnerabilidade do Alto Comando diante da pressão popular. “O clamor popular, como o senhor disse mesmo, porque é a única coisa que o Alto Comando ouve, que a defesa quer”, afirmou. Fernandes mencionou que, para os generais, a permanência de manifestações nas ruas poderia ser decisiva, ainda que tardia, para qualquer movimentação em direção ao golpe.

Fernandes também criticou a falta de disposição dos demais integrantes em tomar qualquer atitude proativa, afirmando que muitos estavam mais interessados em preservar sua própria posição do que em agir com base em princípios.

Omissão que pode configurar crime

As mensagens revelam um padrão de omissão entre os generais, que pode configurar prevaricação. De acordo com a legislação brasileira, a prevaricação ocorre quando um servidor público deixa de tomar as medidas necessárias diante de um crime conhecido, seja por interesse próprio ou negligência. No caso do Alto Comando, mesmo cientes do plano para desestabilizar o Estado Democrático de Direito, os generais limitaram-se a discussões internas e não comunicaram as autoridades competentes.

A inação estende-se até mesmo aos generais contrários ao golpe, que, apesar de discordarem da articulação, não tomaram nenhuma atitude para barrá-la. Esse comportamento levanta questionamentos sobre o papel das Forças Armadas em momentos de crise institucional e sua capacidade de proteger os valores democráticos.

Criticando o modelo de comando

Outro aspecto das mensagens é a crítica à estrutura de comando das Forças Armadas, descrita como engessada e dependente de consenso. Reginaldo, em conversa com outros militares, sugere mudanças estruturais, comparando o modelo brasileiro ao de países como os Estados Unidos e o Uruguai, onde o comando é descentralizado e as decisões não exigem unanimidade. “No Uruguai é assim também. E o Comandante Conjunto”, argumentou.

Frustração com a falta de apoio do governo Bolsonaro

As mensagens também revelam o descontentamento com a falta de posicionamento do então presidente Jair Bolsonaro. Em um dos trechos, Reginaldo relatou ter mobilizado apoiadores para irem à casa de Bolsonaro, mas o presidente não apareceu. “Lotaram, ficaram três horas lá, ele nem apareceu. Deve tá com vergonha, né?”, lamentou o coronel. Esse episódio reforça a percepção de desorganização e falta de liderança nas tentativas golpistas.

O papel do general Mário Fernandes

O general Mário Fernandes, figura central nas conversas, reconhece a pressão exercida por alguns membros do Alto Comando para avançar com o golpe. Em um trecho, ele menciona o general Paulo Sérgio, afirmando que este não poderia ser diferente de seus pares, apesar de também não demonstrar interesse em liderar ações concretas. Fernandes reforça a ideia de que o Exército deveria agir com maior autonomia em vez de esperar alinhamento político ou pressão externa.

Alto Comando sob suspeita

Se as informações levantadas pela investigação forem confirmadas, o Alto Comando do Exército poderá ser responsabilizado por sua omissão. A postura descrita nas mensagens compromete não apenas a integridade da instituição, mas também sua credibilidade perante a sociedade. A omissão diante de uma tentativa de golpe de Estado representa uma grave falha ética e funcional, com implicações legais e institucionais.

As mensagens obtidas pela Polícia Federal são um retrato perturbador de um momento de instabilidade política no Brasil. A divisão interna no Alto Comando do Exército e o silêncio de seus integrantes diante de uma ameaça à democracia exigem investigações aprofundadas e transparência. O papel das Forças Armadas em proteger a ordem democrática não pode ser comprometido por omissões ou interesses individuais, e a responsabilização dos envolvidos é essencial para evitar que episódios semelhantes se repitam.

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