A operação de busca e apreensão da Polícia Federal (PF), nesta segunda-feira (29), que teve como alvo o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), ensejou uma pergunta no debate público brasileiro: afinal, o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro será preso?
Autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a operação da PF se deu no âmbito das investigações sobre a chamada "Abin paralela", um esquema montado, segundo as investigações, por uma organização criminosa dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro para espionar ilegalmente adversários políticos do ex-presidente e seus aliados.
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Segundo as investigações, Carlos Bolsonaro seria integrante do "núcleo político” da organização criminosa instalada na Abin. No despacho de Moraes que autorizou a operação da PF, foi revelado que o vereador pedia através de seus assessores informações de espionagem sensíveis aos seus interesses políticos ao ex-diretor-geral do órgão, Alexandre Ramagem, também alvo da PF. A suspeita é de que os dados ficassem armazenados em computadores sem acesso à internet. Por isso a autorização das buscas e apreensões.
Em outras palavras, os investigadores suspeitam que Carluxo, como é conhecido o vereador, não só compunha o grupo que promovia espionagem ilegal utilizando a Abin, como também era beneficiado com materiais ilegais obtidos pela organização criminosa, como informações sobre inquéritos contra membros de sua família e aliados.
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Há a suspeita, ainda, de que membros da gestão Bolsonaro remanescentes na Abin teriam repassado, antecipadamente, informações sobre a operação ao clã do ex-presidente. Tanto é que, no momento em que a PF bateu à porta da casa da família Bolsonaro em Angra dos Reis (RJ), Jair e Carlos tinham saído para "pescar" - fator que fez surgir a desconfiança de que eles teriam indo para a tal "pescaria" com o objetivo de descartar no mar supostas provas - como celulares e outros equipamentos eletrônicos - que pudessem incriminá-los.
“Desse modo, os elementos de prova colhidos até o momento indicam, de maneira significativa, que a organização criminosa infiltrada na ABIN também se valeu de métodos ilegais para a realização de ações clandestinas direcionadas contra pessoas ideologicamente qualificadas como opositoras, com objetivo de “obter ganho de ordem política posto que criavam narrativas para envolver autoridades públicas de extrato politico oposicionista da então situação”, bem como para “fiscalizar” indevidamente o andamento de investigações em face de aliados políticos", diz trecho do despacho de Moraes.
Prisão de Carlos Bolsonaro
Ao autorizar a operação da Polícia Federal contra Carlos Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes não mencionou pedido de prisão contra o vereador, mas narrou uma série de evidências constatadas pelas investigações que podem imputar crimes graves ao filho do ex-presidente e, consequentemente, levá-lo à cadeia.
Em entrevista à Fórum, o professor e advogado Guilherme Gonçalves, especialista em Direito Público e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), avaliou que as acusações contra Carlos Bolsonaro são "graves", até porque as investigações apontam que a estrutura criminosa na Abin teria sido utilizada para espionar ministros do STF, entre eles o próprio Moraes e Gilmar Mendes.
"Se de fato restar confirmada a existência dessa articulação criminosa, veja, o vereador não tem prerrogativa de foro; ele pode ser processado em primeiro grau. No entanto, como está no âmbito do Supremo Tribunal Federal e há pessoas com prerrogativa de foro, e pelo próprio fato de terem sido, pelo menos conforme se divulga, objeto do ataque, o ministro do STF, notadamente o ministro Alexandre de Moraes e o ministro Gilmar Mendes, essa circunstância pode dar margem a uma série de crimes, inclusive de organização criminosa, além de violação de sigilo e uso indevido de violação ao sigilo telefônico e telemático sem autorização judicial", explica Gonçalves,
"Isso pode conduzir, inclusive, a um processo direto no Supremo Tribunal Federal, uma vez que algumas das vítimas eram os próprios integrantes do Supremo. Nesse caso, o Regimento Interno do Supremo determina que a competência para apreciação e julgamento é do STF. O Supremo entende que, quando a vítima é um ministro da Corte, atinge-se o próprio tribunal, a própria instituição. Essa é a gravidade do caso", prossegue.
Sobre a possibilidade de ser emitido um pedido de prisão preventiva contra Carlos Bolsonaro, o advogado Guilherme Gonçalves pondera que "o Supremo tem sido rigoroso com o devido processo legal", principalmente após os "erros e escândalos da Lava Jato", mas chama atenção para o fato de que, caso seja comprovada a existência da organização criminosa na Abin e tentativa de interferência nas investigações, o vereador carioca pode, de fato, ser preso.
"Me parece que, se comprovar que integrantes da Abin atual, dentro da Abin ou mesmo dentro da própria Polícia Federal estavam agindo em coordenação com os investigados, entre os quais o vereador Carlos Bolsonaro, para impedir as investigações, teríamos, em tese, os requisitos de interferência na produção probatória e de interferência na investigação com contemporaneidade. E aí sim, a princípio, há os instrumentos que podem resultar em medidas cautelares criminais, inclusive a prisão preventiva".
Para Guilherme Gonçalves, a suposta destruição de provas, cuja suspeita foi gerada a partir da "pescaria" da família Bolsonaro no momento da operação da PF, também pode ensejar a prisão do vereador, visto que se trata, caso comprovado, de um crime grave.
"Caso for comprovado que eles [a família Bolsonaro] eventualmente foram avisados por algum vazamento de que haveria uma operação da Polícia Federal, e se provar que essa saída para a pescaria foi um simulacro, e ainda se provar que equipamentos eletrônicos foram descartados ou destruídos, aí não há dúvida de que teríamos uma situação grave, que é um exemplo acadêmico daquilo que pode levar à determinação de uma prisão preventiva dentro de uma visão garantista e dentro do que a gente chama de sistema acusatório, onde se ressalvam e resguardam os amplos direitos de defesa, exatamente o que não foi feito na Lava Jato, onde prisões preventivas eram decretadas um ano depois do fato ter acontecido, quando as pessoas não estavam mais em cargos de poder. Nesse caso, a contemporaneidade é evidente, a gravidade da destruição de provas, ainda mais se houver provas que a operação foi vazada para os integrantes da família Bolsonaro, aí me parece que há um ambiente para a própria prisão preventiva".
E Jair Bolsonaro?
Em entrevista ao programa Fórum Café, da TV Fórum, nesta terça-feira (30), o advogado criminalista e jurista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que as investigações sobre a "Abin paralela" devem atingir, além de Carlos Bolsonaro, seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Eu não tenho nenhuma dúvida [de que as investigações chegarão em Bolsonaro]. Há uma máxima no direito penal que é ver quem é que se beneficia mais em determinada ação. Assim começam as investigações. Quando tem uma investigação que envolve política e poder econômico. Eu tenho para mim que ainda vamos ter uma série de questões graves. As imputações que foram colocadas nesse processo são gravíssimas", declarou.
"O grupo político que se beneficiou e que se beneficiaria, seguramente, chegará no ex-presidente da República", prosseguiu o advogado.