“Duas ladies com duas joias israelenses”, escreveu a pretensiosa deputada federal bolsonarista Júlia Zanatta (PL-SC) na última quarta-feira (24) na sua conta de Instagram como legenda de uma foto em que aparece armada com uma Uzi Pro da Israeli Weapon Industry (IWI) dentro do clube de tiro The Bullets, em Navegantes, Santa Catarina.
Como “duas ladies” ela se refere a si própria e a amiga Brenda Provesi, uma youtuber e empresária catarinense que tem um canal no YouTube com 20 mil inscritos e um Instagram com quase 16 mil seguidores, onde posta conteúdos de viagem, cosméticos e, claro, armas!
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Loiríssima, assim como Zanatta, Brenda segura uma Tavor 9 mm, também da IWI. A Uzi Pro da deputada também tem calibre de 9mm e ambas são usadas pela IDF (Israeli Defense Forces, o Exército de Israel) e pelo serviço secreto Mossad. Chama atenção que a promoção das armas se dá num formato muito parecido com o se apresentam quaisquer futilidades. Elas "vendem" os fuzis israelenses como se fossem roupas, cosméticos ou exercícios de calistenia.
Ao final da postagem, em que aparecem sorrindo, em pose de modelo, Zanatta dispara todo o seu proselitismo armamentista: “Se arme. Armas salvam vidas de mulheres. Não caia nas mentiras desarmamentistas que tiranos contam para vocês”, escreveu.
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Zanatta tem um papel importante no lobby armamentista brasileiro, principalmente no que se refere à formação do Proarmas em 2020 e a realização das Shot Fair de Joinville, a principal feira desses fundamentalistas, nos anos subsequentes. Em 2022, por exemplo, a feira foi frequentada por uma verdadeira estrela do setor: George Washington de Oliveira Sousa, que menos de dois meses depois seria preso portando um arsenal avaliado em R$ 160 mil por planejar, e quase conseguir executar um atentado terrorista com bomba no aeroporto de Brasília.
Ao documentário da Vice News, ele disse que se inspirou no então presidente Jair Bolsonaro (PL) para se tornar um armamentista. Meses depois disse para a Polícia Federal que no trajeto entre o Pará, onde vivia, e Brasília, onde foi preso, se parado pelas autoridades acionaria o Proarmas para ajudá-lo a comprovar o trânsito dos armamentos para competições de tiro. Só um exemplo da atuação do lobby.
Mas um movimento anterior foi crucial para a formação desse poderoso Proarmas brasileiro e todo o seu ecossistema neofascista: a aproximação do clã Bolsonaro, por meio de Eduardo Bolsonaro, com a National Rifle Association (NRA), o principal lobby internacional armamentista, sediado nos EUA.
O Shot Show de Las Vegas, versão original da Shot Fair de Joinville, é a principal feira mundial da indústria bélica e dos armamentistas. Ali é um espaço favorável para conhecer pessoas importantes nesse meio e fazer contatos. E foi justamente a IWI, que agora é promovida por Zanatta, quem forneceu credenciais a Eduardo Bolsonaro na edição de 2022 do evento nos EUA.
Negócios com as forças de segurança brasileiras
As relações entre Brasil e Israel no tema militar e de segurança são antigas. Em 2003 as Forças Armadas brasileiras abriram um escritório em Tel-Aviv. Sete anos depois, em novembro de 2010 o Brasil assinou um “acordo de cooperação em segurança” com Israel que facilitava a indexação de contratos entre os dois países relativos ao tema.
A partir daí, agentes de segurança e militares brasileiros passaram a fazer treinamentos com os israelenses, além do Estado brasileiro também iniciar suas compras de armas produzidas no país. O exemplo mais popular são os “Caveirões” do Bope do Rio de Janeiro, famosos também pelo filme Tropa de Elite, mas sobretudo pelo terror que causam nas comunidades cariocas.
Desde então não é raro vermos movimentos, como a das Mães de Maio e a Rede de Comunidades contra a Violência, afirmarem que “as mesmas armas que matam nossos filhos também matam os palestinos”.
O movimento israelense Stop the Wall, que defende a paz com os palestinos, apontava em 2011, em documento publicado sobre as relações brasileiro-israelenses, que um dos interesses de Israel seria vender as armas eficazes em execuções extrajudiciais e equipamentos utilizados nas políticas de assentamento.
Àquela altura a IWI, que ainda se chamava IMI, estaria envolvida em “escândalos de corrupção com a compra de autoridades brasileiras para fazer valer seu interesse comercial”, diz o documento. Na mesma época, a IWI também autorizou a Taurus, fabricante de armas brasileira, a produzir os rifles Tavor que posteriormente eram comprados pelas Forças Armadas brasileiras.
“O Brasil reconheceu o Estado palestino nas fronteiras de 1967. A indústria de armas israelense está lucrando conscientemente com a ocupação contínua do território original palestino à medida que desenvolve suas armas graças à “experiência” adquirida na ocupação. O apoio à indústria armamentista israelense contradiz, portanto, claramente o apoio declarado do governo brasileiro para a criação de um Estado palestino nas fronteiras de 1967”, diz trecho do documento.
As informações sobre as vendas da IWI à polícias de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo entre 2020 e 2022 são as que constam na ‘memória recente’ da imprensa. Não se sabe o total dos contratos celebrados enquanto a somatória das compras de armas descritas a seguir estão na ordem de R$ 30 milhões.
São Paulo
A IWI fechou contratos milionários de venda de fuzis com as polícias militares do Rio de Janeiro e de São Paulo. As negociações ocorriam desde 2020, quando a empresa vendeu dez metralhadoras do modelo Negev NG-7 para a Polícia Militar de São Paulo. À época, o advogado e militante pacifista israelense Eitay Mack entrou com uma ação na justiça de Tel-Aviv em nome de outras 80 pessoas para anular o contrato.
As metralhadoras Negev têm calibre 7,62x51mm e podem disparar 600 a 750 tiros por minuto. Com um valor estipulado à época de R$ 56,2 mil por unidade, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo chegou a gastas um total de R$ 562 mil.
Ao Uol, em matéria de Rubens Valente publicada em setembro de 2020, Eitay Mack contou que viu um anúncio da IWI no Instagram anunciando a venda do equipamento para a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e achou um grande absurdo.
“Pensei que isso era uma loucura. A Negev não é o tipo de arma que deve ser usada em áreas residenciais. É uma arma muito poderosa, que pode ser usada contra tanques. Não é precisa, é uma arma de mass killing [assassinatos em massa]. O uso em favelas em São Paulo é muito perigoso, pode ser usado em massacres”, declarou.
"O armamento foi oficialmente apresentado ao centro de material bélico da PM. A metralhadora Negev NG-7 foi projetada para operar sob condições extremas. Foram realizados testes de metrologia, de tiro, precisão, resistência e queda. O armamento será empregado em modalidades de policiamento especializado na capital e o interior do estado. Com essa aquisição, a Polícia Militar busca melhorar seu potencial bélico trazendo maior segurança ao cidadão paulista," diz um vídeo oficial da PM publicado em fevereiro de 2020 nas suas redes sociais.
Outro negócio com o Governo de São Paulo foi fechado em agosto de 2021, ou seja, poucos meses antes da ida de Eduardo Bolsonaro ao Shot Shot de Las Vegas com a credencial da IWI. Dessa vez, o montante de R$ 21 milhões, destinados à empresa, serviria para armar a Polícia Civil paulista. Foram adquiridas na ocasião 10 mil pistolas 9mm da Glock America SA e 200 carabinas produzidas pela própria IWI, após pregão internacional.
Para o movimento BDS (Boicote, Desinvestimentos e Sanções), a compra de armamentos israeleneses por governos ao redor do mundo “sustenta a ocupação e apartheid israelenses, ao mesmo tempo em que proporciona a violação dos direitos fundamentais nos países onde as armas são utilizadas, como o Brasil”.
De acordo com nota da Polícia Civil do Estado de São Paulo, duas empresas se credenciaram no pregão para fornecer 200 carabinas e a empresa israense IWI venceu. No pregão das 10 mil pistolas calibre 9mm, quatro empresas participaram e a Glock America S.A. deu a melhor oferta. “Ambas as empresas terão até 10 dias para apresentar as amostras das armas que serão submetidas a diferentes testes. Posteriormente, há fase de habilitação das empresas. A estimativa de entrega das armas é para janeiro de 2022”, relataram. À época, a Polícia Civil de SP passava por processo de modernização dos seus equipamentos. Além das armas compradas junto à IWI, também adquiriu 4,5 mil coletes à prova de bala. O total investido nessa outra compra esteve na ordem dos R$ 7 milhões.
Rio de Janeiro e Espírito Santo
Em outubro de 2022, o jornal Extra noticiou que a PM do Rio de Janeiro também fez negócios com a IWI. A corporação adquiriu 600 fuzis da IWI, modelo Arad. Diferente do fuzil vendido à PM paulista, esse tem um potencial destrutivo menor e prevê uma melhor precisão.
“Com mira holográfica, menor e mais leve; ofuzil calibre 556 de fabricação israelense da marca IWI é o novo modelo integrado ao arsenal da PMRJ”, diz o abre da reportagem.
Ao todo, o estado gastou R$ 9 milhões de reais do fundo da Secretaria de Polícia Militar. 300 fuzis foram entregues ainda em 2022, no mês de dezembro, e o restante no início desse ano.
Já o Estado do Espírito Santo comprou outros 874 fuzis de guerra israelenses IWI Arad em junho de 2023. A matéria que noticiou a compra, publicada pela Folha de Vitória, não dá o valor contrato, mas por aproximação, comprando ao valor pago pela PM carioca no mesmo modelo, podemos supor que a compra girou em torno de R$ 13 milhões. O novo arsenal se junta a outros 300 fuzis do mesmo modelo que a corporação já havia adquirido.
Outro lado
As informações a respeito dos contratos foram encontradas através de pesquisa em material disponível na imprensa brasileira e publicados na Revista Fórum em 10 de outubro de 2023.
À época, entramos em contato com a empresa, por meio de e-mail disponibilizado no seu site, mas jamais obtivemos resposta.