Em busca da reeleição, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), está pagando quase R$ 800 mil mensais ao Grupo Estado para publicar conteúdos publicitários apresentados como jornalísticos e favoráveis à sua gestão diante da Prefeitura em uma sessão especial do site chamada “Estadão Expresso São Paulo”, que também é replicada no jornal impresso.
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No canal criado pelo Estadão, muito antes de chegar à informação de que se trata de propaganda da Prefeitura de São Paulo, o leitor será convidado a se registrar para receber as “notícias” pelo WhatsApp. Potencialmente, o Estadão poderia repassar os números para a campanha de Ricardo Nunes mediante pagamento.
Questionamos no início de setembro tanto o Estadão como a Prefeitura de São Paulo a respeito dos contratos que envolvem a parceria - e ao jornal especificamente sobre a gestão dos dados de leitores que se cadastrarem no grupo. Sem resposta, acionamos a Lei de Acesso à Informação e finalmente recebemos a atenção da Secretaria Especial de Comunicação de São Paulo, na pessoa de Affonso Prado Filho, seu Chefe de Gabinete.
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“A proposta comercial totaliza o valor mensal de R$ 712.500,00, já aplicados todos os descontos negociados e as bonificações recebidas. A prestação de contas do projeto realizado em parceria com o Grupo Estado está em curso, observados os prazos e requisitos da regulamentação pertinente,” revelou Prado Filho em resposta à Fórum.
Além disso, também rebateu a crítica de que a parceria se trate de propaganda da gestão, e defendeu que as publicações têm caráter educativo e de utilidade pública conforme manda a legislação.
"A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas da Prefeitura de SP seguem o que determina a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Município de SP, tendo caráter educativo, informativo e de orientação social, dela não constando nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. As veiculações de campanhas e demais conteúdos dizem respeito às ações de utilidade pública, realizadas pela Prefeitura de SP e são elaboradas por agências de publicidade, legalmente licitadas para essa finalidade, dentro do rigor imposto pela Lei n° 12.232/2010. Com relação ao projeto especial 'Estadão Expresso São Paulo', trata-se de compra de mídia, junto ao Grupo Estado e seus diversos veículos de comunicação, dentre eles: canais digitais, impresso e rádio,” escreveu.
Estadão Expresso São Paulo
Em matéria publicada no último 5 de setembro na Revista Fórum, o jornalista Luiz Carlos Azenha detalha a experiência do leitor que acessa o canal. Ou melhor, o “portal de conteúdos temáticos sobre tudo o que a cidade de São Paulo oferece pra você”.
“A linguagem copia a informalidade forçada da TV Globo, que adotou o ‘pra’ em busca do público do YouTube. E o anúncio traz um código de barras, para quem quiser receber as ‘notícias’ por WhatsApp. Os textos simulam a esterilidade de uma enfermaria: ‘como funciona o centro de adoção de animais’ e ‘alunos de ensino infantil da zona sul têm aulas de golfe’, são exemplos de manchetes. Só no canto inferior direito do anúncio está escrito, em letra miúda: Parceria. Embaixo, o símbolo da Prefeitura de São Paulo,” descreveu Azenha.
Ou seja, quem acessar o site pela internet também ficará com a impressão, falsa, de que se trata de material jornalístico. Só o leitor que for até o final da página conseguirá finalmente ler o seguinte anúncio: “O Estadão Expresso São Paulo é produzido pelo Estadão com foco em prestação de serviços, com criação de Estadão Blue Studio e em parceria de fornecimento de conteúdo com a Prefeitura da Cidade de São Paulo”.
“O link remete ao Portal da Prefeitura, que no dia primeiro de setembro tinha como uma das quatro manchetes: ‘Recapeamento: R$ 1 bilhão investidos para tornar a mobilidade urbana mais segura’. Em outras palavras, trata-se de propaganda política antecipada e disfarçada do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tenta a reeleição. Segundo pesquisa Datafolha, Nunes aparece com 24% da preferência do eleitorado, contra 32% de Guilherme Boulos (Psol),” diz outro trecho da matéria de Azenha.
Estúdio Folha
Em reportagem publicada no The Intercept Brasil, o repórter Paulo Motoryn obteve os contratos assinados entre a Prefeitura de São Paulo, a Folha de São Paulo e a agência de publicidade Propeg, que preveem a publicação dos conteúdos elogiosos em canal dentro do site da Folha chamado ‘Estúdio Folha’.
De acordo com a apuração do jornalista, os contratos da Prefeitura com a Propeg estão na ordem de R$ 200 milhões e são investigados pelo Ministério Público. Intermediadora da parceria entre Folha e Prefeitura, a Propeg repassou ao jornal R$ 500 mil em 2022 e R$ 2,3 milhões nesse ano.
Entre julho e agosto, foram publicadas pelo menos 60 reportagens elogiosas à gestão de Ricardo Nunes que podem ser facilmente interpretadas como propaganda eleitoral antecipada. Motoryn apontou, em sua reportagem, que a Folha sequer indicava que os conteúdos seriam publicitários, em prática que induz o leitor ao erro.
Após a publicação da matéria a Folha alterou o layout dos conteúdos corrigindo a indução ao engano apontada pelo jornalista. No entanto, seu Ombudsman acusou o repórter de fazer “inferências sem apontar nada de concreto”. Dias mais tarde, o The Intercept Brasil publicou nova matéria expondo os contratos na íntegra em seu site, obtidos via Lei de Acesso à Informação.
“E tem mais. O repórter Paulo Motoryn recebeu outro documento com detalhes sobre os pagamentos feitos por outra agência, a MWorks. Lá constam mais pagamentos à Folha: R$ 146.722,22 em ‘projeto especial’, ‘inserção de banners’, ‘branded pages’ e ‘mídias de divulgação’ em 2022. Neste ano, a MWorks ainda intermediou o pagamento de um anúncio relacionado à Virada Cultural no valor de R$ 213.750,00.”, diz trecho da matéria assinada por Tatiana Dias que revelou os contratos entre Prefeitura de São Paulo, a Propeg e a Folha.
O Globo – Metrópole
Assim como os canais Estúdio Folha e Estadão Expresso São Paulo, com os quais os seus concorrentes paulistas publicam as matérias da Prefeitura, o jornal O Globo criou o canal Metrópole, dentro do seu site, para o mesmo fim. O tom é o mesmo das outras parcerias: textos em formato jornalístico, com linguagem amena e toques de utilidade pública para “noticiar” de forma elogiosa uma série de pormenores da gestão paulistana.
“Bicicleta é alternativa sustentável de mobilidade urbana e conexão com transporte público”, diz o título de matéria publicada na sessão em primeiro de setembro. A linha fina aponta a origem da informação: “Prefeitura de São Paulo lança programa de empréstimo gratuito de bicicleta e aumenta em mais 300 quilômetros a malha cicloviária até o fim de 2024; hoje são 722 quilômetros, a maior de todo país”.
Já a primeira matéria da sessão, publicada em 30 de junho deste ano, diz na chamada: “Um novo Centro para a cidade de São Paulo: Ações da Prefeitura, diálogo com a sociedade e parceria com o setor privado geram onda inédita de investimentos na região.” O texto – publicado em momento de acalorados debates sobre o futuro da chamada ‘cracolândia’ – já começa com um elogio, anunciando que a capital paulista teria encontrado um “caminho eficaz” para “revitalizar” o centro da cidade de forma “sustentável”. Bem, basta caminhar pelas ruas da cidade para constatar a irrealidade de tal narrativa.
O que muda em relação às demais parcerias são basicamente dois aspectos. O primeiro é que se trata de uma publicação semanal, diferente do que ocorre nos jornais paulistas em que diversos conteúdos são publicados no mesmo intervalo de tempo.
Outra diferença está nos ‘chapéus’ das matérias, que apontam claramente tratar-se de conteúdo pago. No campo da autoria do conteúdo, consta a própria Prefeitura de São Paulo como autora. No entanto, no rodapé da página não há maiores informações sobre a parceria como ocorre nos sites da Folha e do Estadão.
A Revista Fórum também questionou Prefeitura de São Paulo, via Lei de Acesso à Informação, sobre os valores pagos ao jornal O Globo. Leia, a seguir, a resposta, também assinada por Affonso Prado Filho, Chefe de Gabinete da Secretaria Especial de Comunicação.
"Com relação ao jornal O Globo, informamos que a tratativa realizada pela Prefeitura de SP em decorrência do seu apoio institucional a eventos, tem como contrapartida, não onerosa, espaço publieditorial para divulgação e promoção de turismo e lazer na cidade de São Paulo, aos munícipes interessados."