Ricardo Nunes (MDB), o prefeito de São Paulo com a pior avaliação nos últimos 14 anos e pré-candidato à reeleição nas eleições municipais de 2024, já se movimenta há meses em busca de melhorar sua imagem. Nos últimos dias foram reveladas as parcerias da Prefeitura de São Paulo para a publicação de conteúdos elogiosos à atual gestão nos principais jornais da cidade – pagas, é claro, com o dinheiro do contribuinte paulistano. No entanto, a propaganda também se estende para o jornal O Globo, historicamente baseado no Rio de Janeiro.
Assim como os canais Estúdio Folha e Estadão Expresso São Paulo, com os quais os seus concorrentes paulistas publicam as matérias da Prefeitura, o jornal O Globo criou o canal Metrópole, dentro do seu site, para o mesmo fim. O tom é o mesmo das outras parcerias: textos em formato jornalístico, com linguagem amena e toques de utilidade pública para “noticiar” de forma elogiosa uma série de pormenores da gestão paulistana.
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“Bicicleta é alternativa sustentável de mobilidade urbana e conexão com transporte público”, diz o título da última matéria publicada na sessão, datada do dia primeiro de setembro. A linha fina aponta a origem da informação: “Prefeitura de São Paulo lança programa de empréstimo gratuito de bicicleta e aumenta em mais 300 quilômetros a malha cicloviária até o fim de 2024; hoje são 722 quilômetros, a maior de todo país”.
Já a primeira matéria da sessão, publicada em 30 de junho deste ano, diz na chamada: “Um novo Centro para a cidade de São Paulo: Ações da Prefeitura, diálogo com a sociedade e parceria com o setor privado geram onda inédita de investimentos na região.” O texto – publicado em momento de acalorados debates sobre o futuro da chamada ‘cracolândia’ – já começa com um elogio, anunciando que a capital paulista teria encontrado um “caminho eficaz” para “revitalizar” o centro da cidade de forma “sustentável”. Bem, basta caminhar pelas ruas da cidade para constatar a irrealidade de tal narrativa.
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Ao todo, já foram publicados 7 conteúdos na sessão, que é alimentada uma vez por semana.
O que muda em relação às demais parcerias são basicamente dois aspectos. O primeiro é que se trata de uma publicação semanal, diferente do que ocorre nos jornais paulistas em que diversos conteúdos são publicados no mesmo intervalo de tempo.
Outra diferença está nos ‘chapéus’ das matérias, que apontam claramente tratar-se de conteúdo pago. No campo da autoria do conteúdo, consta a própria Prefeitura de São Paulo como autora. No entanto, no rodapé da página não há maiores informações sobre a parceria como ocorre nos sites da Folha e do Estadão.
Segundo pesquisa Datafolha publicada no último dia primeiro de setembro, Nunes aparece com 24% da preferência do eleitorado paulistano, contra 32% de Guilherme Boulos (Psol). As eleições ocorrem no segundo semestre de 2024 e a pesquisa supracitada é a primeira sobre o tema.
Tentamos contato
A Fórum tentou contato com a Secretaria Especial de Comunicação da Prefeitura de São Paulo, mas até o momento da publicação da reportagem não nos foi apresentado um posicionamento oficial. Foram questionados os valores pagos ao jornal O Globo e pedido o acesso a cópias dos contratos. Os questionamentos agora tramitam no âmbito da Lei de Acesso à Informação (LAI) e devem ser respondidos nas próximas semanas.
Também tentamos contatar o jornal O Globo que, além de não ter um canal de comunicação de fácil acesso disposto em seu site, também não respondeu mensagens enviadas por e-mail e WhatsApp a contatos oficiais. Ao jornal foi questionado, além dos valores e contratos, se a empresa apoia editorialmente a pré-candidatura de Nunes em São Paulo.
Estúdio Folha
Em reportagem publicada no The Intercept Brasil, o repórter Paulo Motoryn obteve os contratos assinados entre a Prefeitura de São Paulo, a Folha de São Paulo e a agência de publicidade Propeg, que preveem a publicação dos conteúdos elogiosos em canal dentro do site da Folha chamado ‘Estúdio Folha’.
De acordo com a apuração do jornalista, os contratos da Prefeitura com a Propeg estão na ordem de R$ 200 milhões e são investigados pelo Ministério Público. Intermediadora da parceria entre Folha e Prefeitura, a Propeg repassou ao jornal R$ 500 mil em 2022 e R$ 2,3 milhões nesse ano.
Entre julho e agosto, foram publicadas pelo menos 60 reportagens elogiosas à gestão de Ricardo Nunes que podem ser facilmente interpretadas como propaganda eleitoral antecipada. Motoryn apontou, em sua reportagem, que a Folha sequer indicava que os conteúdos seriam publicitários, em prática que induz o leitor ao erro.
Após a publicação da matéria a Folha alterou o layout dos conteúdos corrigindo a indução ao engano apontada pelo jornalista. No entanto, seu Ombdusman acusou o repórter de fazer “inferências sem apontar nada de concreto”. Dias mais tarde, o The Intercept Brasil publicou nova matéria expondo os contratos na íntegra em seu site, obtidos via Lei de Acesso à Informação.
“E tem mais. O repórter Paulo Motoryn recebeu outro documento com detalhes sobre os pagamentos feitos por outra agência, a MWorks. Lá constam mais pagamentos à Folha: R$ 146.722,22 em ‘projeto especial’, ‘inserção de banners’, ‘branded pages’ e ‘mídias de divulgação’ em 2022. Neste ano, a MWorks ainda intermediou o pagamento de um anúncio relacionado à Virada Cultural no valor de R$ 213.750,00.”, diz trecho da matéria assinada por Tatiana Dias que revelou os contratos entre Prefeitura de São Paulo, a Propeg e a Folha.
Estadão Expresso São Paulo
No Estadão a coisa é ainda mais sofisticada, conforme reportagem publicada nesta terça-feira (5) pelo jornalista Luiz Carlos Azenha aqui na Fórum. No site criado pelo Estadão, muito antes de chegar à informação de que se trata de propaganda da Prefeitura de São Paulo, o leitor será convidado a se registrar para receber as “notícias” pelo WhatsApp. Potencialmente, o Estadão poderia repassar os números para a campanha de Ricardo Nunes mediante pagamento.
Além disso, quem acessar o site pela internet também ficará com a impressão, falsa, de que se trata de material jornalístico. O logo do tradicional diário paulistano, associado a conteúdo conservador mas verídico, aparece duas vezes com destaque no topo da página. Só no canto inferior direito do anúncio está escrito, em letra miúda: “Parceria”. Embaixo do anúncio, o símbolo da Prefeitura de São Paulo.
A Fórum questionou o Estadão Blue Studio sobre o uso que será feito do cadastro, que tem o potencial de atingir centenas de milhares de leitores/eleitores, bem como pediu mais informações sobre a "parceria" com a prefeitura, incluindo os valores do contrato. Até a publicação desta reportagem, entretanto, não obtivemos uma resposta do jornal.
A reportagem da Fórum também entrou em contato com a prefeitura de São Paulo para saber a quantia de dinheiro que está sendo desembolsada para publicar conteúdo no Estadão e solicitou detalhes da parceria. A gestão municipal, via assessoria de imprensa, se comprometeu a repassar as informações, mas até o momento não houve retorno.