A trama é um tanto confusa, mas sobretudo burra e desastrada. Ao mesmo tempo em que ensaiava um golpe de Estado com o ex-deputado Daniel Silveira, com o objetivo de anular a eleição de Lula, o senador Marcos do Val (Podemos) entregava tudo para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Alexandre de Moraes.
Do Val tinha a vã esperança que Moraes se deixasse enredar em sua conversa e soltasse confidências que, uma vez gravadas, o pudessem levar para a cadeia, abrindo caminho para o golpe.
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O próprio Marcos do Val encontraria Moraes com aparelhos de escuta. O teor da gravação seria a base para que militares alinhados ao bolsonarismo anulassem a eleição, decretassem uma intervenção no país e evitassem a posse de Lula.
Os detalhes das conversas foram vazados à coluna de Rodrigo Rangel, no Metrópoles. Veja um resumo abaixo:
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A cronologia das conversas
6 de dezembro de 2022 – Do Val é procurado pelo ex-deputado federal Daniel Silveira a pedido de um interlocutor, “uma pessoa importante”. “Você tem algo nas mãos que salva o Brasil, literalmente”, disse Silveira. A tal missão estaria “restrita a três pessoas e só irá ficar, provavelmente, com mais cinco após concluída. Cinco estrelas”.
7 de dezembro de 2022 – Do Val manda mensagem para Alexandre de Moraes. “Boa tarde ministro! Ontem o Daniel Silveira me procurou. Me passou uma situação contra a democracia extremamente preocupante. Mas o melhor é te repassar pessoalmente. Fico em Brasília até sexta-feira. O Bolsonaro que pediu para ele me procurar”, escreveu o senador.
Moraes responde: “Se quiser passar aqui no Salão Branco (do STF) no intervalo da sessão hoje às 16h30 podemos conversar”. O senador ainda envia ao ministro, no mesmo dia, prints das mensagens que havia recebido de Daniel Silveira. “Para guardar”, escreveu. “Ótimo”, responde Alexandre um minuto depois.
“O objetivo é mesmo derrubar o presidente Lula”
8 de dezembro de 2022 – Do Val relata a Moraes que Daniel Silveira havia ido ao encontro dele, nas proximidades do Congresso Nacional: “Bom dia, ministro. Ontem à noite estava no plenário (do Senado) e o Daniel Silveira foi até a mim e lá fora ligou para o Bolsonaro. Bolsonaro pediu para falar comigo e me perguntou se poderia encontrar com ele hoje no fim da tarde. O objetivo é mesmo derrubar o presidente Lula. Quando sair da reunião, faço contato”, escreveu o senador.
9 de dezembro de 2022 – Do Val escreve para Bolsonaro: “Bom dia, presidente! Foi um grande prazer estar com você ontem. Dá para ver no seu olhar um desejo impressionante de ajudar o Brasil. Desta lista que você me enviou (refere-se a uma lista que Bolsonaro havia enviado com nomes de políticos que estariam sob risco de ficar inelegíveis em razão de ligações com os atos antidemocráticos), só o Magno Malta (também bolsonarista e também senador pelo Espírito Santo) que não consigo gostar. É uma pessoa que está sempre aproveito (sic) do sofrimento alheio para se sobressair. Enfim… Independente de qualquer situação, estarei ombreado com você. Durante os últimos 4 anos, não fiquei mais próximo porque eu sei que isso sufoca e não queria trazer mais trabalho”. Bolsonaro responde: “Um abraço”.
9 de dezembro de 2022 – No mesmo dia, Do Val escreve novamente para Alexandre de Moraes: “Boa noite, ministro! Desculpa incomodá-lo no seu horário de descanso. Acabei de pousar no meu estado, só retorno para Brasília na próxima terça-feira. Mas preciso adiantar uma parte do encontro que considero de alto grau de importância. Quem está fazendo toda movimentação com objetivo de levá-lo à perda da função de ministro e até ser preso, é o DS (Daniel Silveira). O PR (presidente da República) não está fazendo nenhum movimento neste sentido. O DS que está tentando convencê-lo, dizendo ao PR que eu conseguiria adquirir as peças fundamentais para que a missão fosse um sucesso. Para dar mais tempo de saber como proceder diante desse sensível assunto, falei que voltaríamos a conversar na próxima semana. Toda conversa foi na Granja e entrei junto com o DS sem precisar me identificar. Não sujaria o meu nome e a minha honra, compactuando com essa missão. Sou um democrata ferrenho e um admirador da sua coragem em prol do Brasil. Os detalhes de como seria essa missão posso te passar pessoalmente ou da forma que achar melhor”.
9 de dezembro de 2022 – Do Val escreve novamente para Alexandre de Moraes: “Boa noite, ministro! Desculpa incomodá-lo no seu horário de descanso. Acabei de pousar no meu estado, só retorno para Brasília na próxima terça-feira. Mas preciso adiantar uma parte do encontro que considero de alto grau de importância. Quem está fazendo toda movimentação com objetivo de levá-lo à perda da função de ministro e até ser preso, é o DS (Daniel Silveira). O PR (presidente da República) não está fazendo nenhum movimento neste sentido. O DS que está tentando convencê-lo, dizendo ao PR que eu conseguiria adquirir as peças fundamentais para que a missão fosse um sucesso. Para dar mais tempo de saber como proceder diante desse sensível assunto, falei que voltaríamos a conversar na próxima semana. Toda conversa foi na Granja e entrei junto com o DS sem precisar me identificar. Não sujaria o meu nome e a minha honra, compactuando com essa missão. Sou um democrata ferrenho e um admirador da sua coragem em prol do Brasil. Os detalhes de como seria essa missão posso te passar pessoalmente ou da forma que achar melhor”.
13 de dezembro de 2022 – Do Val volta a escrever para Moraes e envia novos prints de conversas com Daniel Silveira e confirma para o dia seguinte um encontro presencial com Alexandre no Salão Branco do STF.
13 de dezembro de 2022 – Daniel Silveira chama Marcos do Val. Por mensagem, avisa que estava a caminho de Brasília e que gostaria de encontrá-lo para “fechar aquela conversa”. Era para, supostamente, acertar a execução do plano de gravar Moraes. Do Val demora na resposta. Quando finalmente responde, o dia já estava no fim. É quando o senador dá uma resposta que a PF, na análise do relatório, considerou “estranha”: “Devido a outra função que exerço, tive que reportar para a inteligência americana” (leia mais aqui). Um dia depois, em uma curta mensagem, Marcos do Val diz a Daniel Silveira que não toparia a empreitada. “Irmão, vou declinar da missão”. Silveira responde: “Entendo… obrigado”.
Senador gabola
Apesar de todos os pedidos de sigilo por parte de Daniel Silveira, Do Val compartilha o plano com assessores e também num grupo de “amigas”, se gabando do papel que teria na história: “A missão entrará para a história do Brasil/mundo”, escreve num grupo com assessores. Em outro grupo, intitulado “Amigas para a eternidade”, ele diz: “Acabei de sair da Granja do Torto (residência do presidente). Ele me chamou com urgência e me pediu uma ajuda em uma missão para o Lula não ser empossado”.
Prestígio pessoal e político
O relatório da Polícia Federal sobre as trocas de mensagens do Senador registra que Do Val, com sua atuação de “caráter ambíguo”, “parecia valer-se de prints de conversas com as mais altas autoridades da República para, colocando-as umas contra as outras, angariar prestígio pessoal e político”.
Com informações a coluna de Rodrigo Rangel, no Metrópoles