Jair Bolsonaro é um dos investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito que apura os atos golpistas de 8 de janeiro. Há, nas apurações da Corte, quatro linhas de investigação: sobre os vândalos que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília; os financiadores do levante antidemocrático; as autoridades omissas e os "autores intelectuais".
É na frente sobre os "autores intelectuais" que Bolsonaro está sendo investigado. Para o STF, trata-se de pessoas que, direta ou indiretamente, fomentaram o golpismo que culminou nos atos violentos do dia 8 de janeiro.
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Nesta quarta-feira (26), o ex-presidente prestou depoimento à Polícia Federal, no âmbito desse inquérito, para se explicar sobre um vídeo com questionamentos ao sistema eleitoral brasileiro postado em seu Facebook no dia 10 de janeiro – ou seja, dois dias após a tentativa de golpe de Estado promovida por seus apoiadores.
A postagem desse vídeo seria, segundo os investigadores, a principal evidência de que Bolsonaro teria sido um dos "autores intelectuais" dos atos golpistas. Ele foi incluído no inquérito após pedido da Procuradoria-Geral da República ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, com base em uma representação assinada por mais de 80 integrantes do Ministério Público Federal (MPF), que acusam Bolsonaro de incitação ao crime.
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No depoimento à PF, Bolsonaro, segundo seus advogados, afirmou que fez a publicação do vídeo de teor golpista "sem querer". A ideia do ex-presidente, de acordo com eles, seria enviar para si mesmo o vídeo pelo WhatsApp, mas acabou publicando-o no Facebook de forma acidental. Os defensores argumentam, ainda, que Bolsonaro estaria sob o efeito de medicamentos quando a publicação foi feita, justificativa que gerou ironias nas redes sociais com a máxima "foi mal, tava doidão".
Incitação ao crime
Na representação encaminhada à PGR e aceita por Moraes para incluir Bolsonaro como investigado no inquérito dos atos golpistas, o grupo com mais de 80 integrantes do MPF argumentou que o ex-presidente incitou seus apoiadores a cometer crimes contra o Estado Democrático de Direito e que o fez de forma reiterada em inúmeras ocasiões, não só quando publicou o vídeo em questão.
"Embora isoladamente possa parecer inofensiva aos olhos desatentos, considerado todo o contexto acima exposto, a princípio, parece configurar uma forma grave de incitação, dirigida a todos seus apoiadores, a crimes de dano, de tentativa de homicídio, e de tentativa violenta de abolição do Estado de Direito, análogos aos praticados por centenas de pessoas ao longo dos últimos meses", diz um trecho do documento.
Alexandre de Moraes, ao acatar o argumento dos procuradores e incluir Bolsonaro no inquérito, destacou o suposto crime cometido pelo ex-presidente ao se utilizar de fake news para mobilizar sua base golpista.
"Efetivamente, a partir de afirmações falsas, reiteradamente repetidas por meio de mídias sociais e assemelhadas, formula-se uma narrativa que, a um só tempo, deslegitima as instituições democráticas e estimula que grupos de apoiadores ataquem pessoalmente pessoas que representam as instituições, pretendendo sua destituição e substituição por outras alinhadas ao grupo político do ex-presidente e, de maneira ainda mais grave, instiga que apoiadores cometam crimes de extrema gravidade contra o Estado Democrático de Direito", escreveu o magistrado.
À Fórum, o advogado Renato Ribeiro de Almeida, doutor em direito do Estado, destacou que "a Justiça brasileira tem sido muito severa com figuras públicas que têm se valido da sua notoriedade, das redes sociais, para divulgar fake news e colocar em dúvida o sistema eleitoral brasileiro".
"É um sistema acompanhado por autoridades do mundo inteiro, há observadores internacionais que acompanham as eleições no Brasil e não há nenhuma prova, nenhum indício de que nossas urnas eletrônicas ou de que até mesmo nosso sistema de totalização seja de alguma forma fraudado", observa.
Almeida explica que a publicação com o vídeo questionando o sistema eleitoral, a qual Bolsonaro afirma que fez "sem querer", é o elo que pode levá-lo à condenação pela prática de incitação ao crime, delito previsto no Código Penal Brasileiro com pena de 3 a 6 meses de prisão e multa.
"O ex-presidente faz esse tipo de postagem, que é uma postagem que pode vir a ser uma forma de responsabilizá-lo pelo crime de incitação. Embora ele não estivesse presente no local dos fatos, nos atos golpistas de 8 de janeiro, ele acaba por incitar e gerar uma comoção, uma emoção maior aos seus correligionários, às pessoas que o seguem, justamente para que, de alguma forma, isso chegasse aonde chegou", elucida o advogado.
"Defesa de altíssima periculosidade"
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, destaca que a justificativa dada pelos advogados de Bolsonaro no depoimento à PF, dando conta de que o ex-presidente publicou o vídeo de tom golpista "sem querer" e por estar supostamente medicado, configura uma tese de defesa "de altíssima periculosidade".
"Sem nenhuma crítica à linha adotada pela defesa do ex-presidente Bolsonaro, assumindo a completa condição do ex-presidente por não estar no gozo pleno de suas faculdades mentais, em não poder assumir os seus atos quando assinou suas mensagens postadas em momento crítico da história recente, ressalto que essa é uma defesa de altíssima periculosidade. O ex-presidente da República quer se eximir da responsabilidade do que assinou! Vulgar. Banal", dispara Kakay.
"Seria importante fazer uma comissão para analisar todas as decisões do ex-presidente. Talvez esta investigação pudesse chegar à conclusão óbvia: ou o Bolsonaro é um inepto, ou um bandido, ou só um idiota", emenda ainda o advogado.