Conhecido pelas manobras e evasivas usadas para escapar da Justiça, assim como fazem também seus filhos, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi prestar depoimento à Polícia Federal (PF) nesta quarta-feira (26) para se explicar por um episódio de contornos golpistas que protagonizou nas redes sociais logo após a tentativa de derrubada da democracia brasileira por seus seguidores, ocorrida em 8 de janeiro deste ano.
Dois dias depois, em 10 de janeiro, o ex-presidente postou na madrugada um vídeo em que um homem identificado como Felipe Gimenez, procurador no estado do Mato Grosso do Sul, durante uma entrevista, diz que o sistema eleitoral brasileiro é fraudável, elencando uma série de absurdos, para assim colocar em dúvida a lisura da eleição em que Bolsonaro foi derrotado por Lula (PT).
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Ainda que a postagem tenha sido apagada poucos minutos depois, e que parte dos internautas tenha interpretado a atitude como algo realizado por seu filho Carlos, que administra suas redes, o antigo mandatário de extrema direita foi arrolado num inquérito que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, dessa forma, foi parar na PF para prestar esclarecimentos. O mais surreal, no entanto, foi a desculpa dada por Bolsonaro aos federais nesta manhã.
Segundo o ex-presidente, ele estava sob efeito de medicação, tomando morfina, quando fez a postagem. Com essa versão, sua intenção, claramente, é parecer que não estava em condições psíquicas normais quando levou à frente a empreitada golpista na internet.
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O vídeo com a fala do procurador foi removido de todas as plataformas e redes sociais, mas o teor do que foi dito por Felipe Gimenez e compartilhado por Bolsonaro segue abaixo, na íntegra.
“Lula não foi eleito pelo povo brasileiro. Lula foi escolhido pelo serviço eleitoral. E digo isso, insisto, vou repetir: Lula não foi eleito pelo povo brasileiro. Lula foi escolhido pelo serviço eleitoral, pelos ministros do STF, pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral. Porque se fosse uma escolha do povo, haveria poder do povo sobre essa escolha, poder do povo sobre o processo de apuração dos votos. É isso que eu venho repetindo há anos. Eu estou bastante cansado de dizer. E as pessoas não dão importância para isso. Existe um princípio que constitui a democracia, que é o princípio da publicidade. É um dos princípios que está lá, no Artigo 37, que é o princípio da publicidade. As pessoas ouvem isso e não dão importância. É como se fosse a buzina de um carro. Quando eu digo assim: o princípio constitucional da publicidade foi quebrado em 1996. As pessoas não dão importância. Entra por um ouvido e sai pelo outro. É como se fosse a buzina de um carro passando. Se eu dissesse para você. O edifício está caindo. Uma das vigas, uma das colunas do edifício, rachou. Entendam isso. Em 96, uma das colunas do edifício foi quebrada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, foi quebrada pelo serviço eleitoral brasileiro. E as pessoas ficam nessa fantasia, como se estivesse assistindo um filme do James Bond. Cada um querendo ser mais interessante na discussão do assunto. Não interessa como o ladrão entrou na sua casa. Você foi roubado. O que importa é isso. Você não vê a apuração dos votos. Você não vê nem o seu voto. Como você pode ter certeza de que uma imagem, que um software mostra em uma tela para você é igual aquilo que saiu da sua consciência. A imagem que você vê é produzida pelo software. Um software que não está sob seu controle, que não foi escrito por você, que não é verificado por você. O Estado é laico. Não existe fé do cidadão. Ninguém é obrigado a confiar em servidor público. Confiança é confidere. Fidere de fides, fé. O estado é laico. Ninguém tem que ter fé em ninguém em uma democracia. Não existe princípio de fé em uma democracia. O serviço público é obrigado a fazer esse trabalho as claras, diante dos olhos do cidadão. É por isso que a Alemanha recusou as urnas de 1ª geração. É só por isso. A Corte constitucional alemã, quando rejeitou a urna de 1ª geração, basicamente o que ela disse foi: qualquer pessoa, qualquer pessoa, do cientista ao catador de latinhas, têm que ter a possibilidade de ver a apuração dos votos. É por isso que a Dinamarca vota numa cédula do tamanho de uma folha de jornal. É por isso que o Japão materializa o voto. É por isso que a Índia materializa o voto. É por isso que o Paraguai usa uma urna de 3ª geração, que materializa o voto. Porque nós, seres humanos, não temos nenhum sentido que nos permita vê pulso elétrico. E não adianta essa bobagem de comparar o sistema financeiro com o voto. Os dados que trafegam na cibernética do mundo financeiro são dados rastreáveis até a origem. Qual a origem do sei voto, Mário? É a sua consciência. Como é que alguém pode rastrear a sua consciência? Só você, e ninguém mais no universo, pode dizer que o registro fora de você é igual a sua consciência. Por isso que o voto tem de ter matéria.”