A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) quer revelar quem foram os organizadores, financiadores, incitadores e mentores dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e da noite de terror em 12 de dezembro de 2022, que ocorreram na capital federal.
Em entrevista à Revista Fórum, o presidente do colegiado, deputado distrital Chico Vigilante (PT), avaliou que o cenário político ainda requer cuidados e que é fundamental que os trabalhos dos parlamentares da CPI avancem para conscientizar a sociedade brasileira.
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"Os golpistas se apresentam às claras, não estão mais tramando no escuro. Isso é muito perigoso e muito ruim", pondera.
Vigilante observa que os atos de 8 de janeiro e de 12 de dezembro se alimentaram de um caldo de cultura golpista e autoritária, temperado ao longo de toda a gestão de Jair Bolsonaro. Tanto pelas falas do ex-presidente quanto pelo apoio que ele deu às manifestações de cunho antidemocrático. Em especial durante as celebrações do Dia da Independência, em 7 de setembro, por dois anos consecutivos.
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O ápice da tentativa de golpe, em 8 de janeiro, quando uma horda vestida de verde e amarelo invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes da República — Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal —, para além do patrimônio, vandalizou a democracia brasileira.
Tanto quanto a fúria incendiária do dia 12 de dezembro, quando os golpistas inconformados com a soberania popular das urnas atearam fogo em veículos e tentaram invadir o edifício-sede da Polícia Federal.
Houve ainda a tentativa, felizmente frustrada, de ataque terrorista com a explosão de uma bomba nas proximidades do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek em plena véspera do Natal. Além dos bloqueios criminosos de rodovias, dos acampamentos golpistas em frente a quartéis Brasil afora e de incursões terroristas com sabotagem de torres de energia.
Para o deputado distrital, todos esses fatos contaram com o apoio de setores das Forças Armadas. "É preciso que a sociedade saiba disso. Não dá para esconder que teve a participação direta de setores do Exército brasileiro, que se envolveram profundamente com isso", alerta.
A CPI dos Atos Antidemocráticos iniciou os trabalhos no dia 14 de fevereiro. Até esta semana haviam sido realizadas quatro rodadas de depoimentos.
Apagão das forças de segurança do DF
Já passaram pelo colegiado o secretário-adjunto da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), Fernando de Souza Oliveira, que estava à frente da pasta no dia 8 de janeiro e prestou depoimento no dia 2 de março.
Oliveira chefiava a SSP-DF no dia 8 de janeiro e revelou que houve um erro de execução da PM e que o então titular da pasta, Anderson Torres, saiu de férias sem passar o cargo para ele. Aquele final de semana teve um apagão na segurança pública da capital federal.
Alertas foram feitos e ignorados
A segunda oitiva, no dia 9 de março, foi com a delegada da Polícia Federal Marília Ferreira Alencar, que ocupava o cargo de subsecretária de Inteligência da SSP-DF no dia dos atos golpistas de 8 de janeiro.
Ela declarou à CPI que alertou com antecedência os gestores da Secretaria sobre os riscos da mobilização golpista do dia 8 de janeiro. “O que se tinha foi recebido e repassado”, garantiu.
Segundo Marília, os informes da inteligência mostravam possibilidade de “fatos alarmantes, embora não confirmados”, demonstraram que os golpistas apresentavam “ânimos exaltados, dispostos a confronto com as forças de segurança”, ocupação de prédios públicos, e que visavam à “tomada de poder”.
Epicentro dos atos golpistas
O terceiro a ser ouvido pelos parlamentares, no dia 16 de março, foi o ex-comandante de Operações da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), Jorge Eduardo Naime. Preso desde a 5ª fase da Operação Lesa Pátria, ele prestou o depoimento mais contundente e revelador até agora.
Naime informou que a única informação recebida pela PM foi a de que a manifestação de bolsonaristas no final de semana de 8 de janeiro era com "ânimos tranquilos e com baixa adesão”. Mas a realidade foi outra.
Ele relatou à CPI que nunca havia visto “tanta facilidade” na invasão dos prédios e que poderia ter havido mortes se a polícia “não tivesse tido parcimônia” e “não tivesse agido de forma inteligente”. Comentou que os golpistas utilizavam técnica de guerrilha e contraguerrilha e que a polícia disparou 4 mil tiros de borracha para contê-los.
Ele comentou ainda que o Exército protegeu os vândalos após a invasão da sede dos Três Poderes e que, no momento da prisão dos que voltavam da Esplanada, a PM se deparou com uma “linha de choque montada com blindados e, por interessante que parecesse, eles não estavam voltados para o acampamento. Eles estavam voltados para a PM, protegendo o acampamento”.
O ex-comandante afirmou que o acampamento em frente ao Quartel-General (QG) do Exército era o “epicentro de todos os atos” golpistas e que os oficiais do Exército impediram a prisão de pessoas acampadas no local.
Segundo Naime, havia agentes de inteligência, incluindo do próprio Exército, no acampamento, e foram identificadas várias irregularidades, como comércio ilegal, que envolvia aluguel de tendas para ambulantes, indícios de tráfico de drogas, prostituição e até denúncia de estupro.
Também existia, de acordo com o coronel, uma “máfia do Pix”: “Várias lideranças ficavam no acampamento o tempo todo pedindo que as pessoas fizessem Pix com a intenção de manter o acampamento”.
Ele revelou que foram feitas várias tentativas para retirada do acampamento em frente ao QG, mas que todas foram canceladas por ordem do Comando do Exército. Cerca de 500 homens foram mobilizados para a operação no dia 29 de dezembro, que acabou não sendo realizada.
Para o ex-comandante, os golpistas do acampamento viviam em um "mundo paralelo”, numa “espécie de seita”. Ele relatou que um dos integrantes se apresentou a ele como um dos extraterrestres que ajudariam o Exército no esperado golpe de Estado. Eles viviam “numa bolha”, com acesso restrito à informação, disse Naime.
Comandante Militar do Planalto protegeu acampamento golpista
O quarto depoimento à CPI dos Atos Antidemocráticos foi feito no dia 23 de março. O delegado da PF Júlio Danilo Souza Ferreira, que esteve à frente da SSP-DF até 2 de janeiro, confirmou o depoimento de Naime e informou que as tentativas de desmobilização do acampamento golpista foram canceladas pelo então comandante Militar do Planalto, General Gustavo Henrique Dutra de Menezes.
“O general Dutra disse que não poderíamos desmontar o acampamento. Era uma área do Exército", revelou Ferreira.
Sobre o episódio de violência do dia 12 de dezembro, quando vândalos ameaçaram invadir a sede da Polícia Federal e queimaram veículos no centro de Brasília, Ferreira, então titular da SSP-DF, disse que a PMDF foi orientada a restituir a ordem pública para justificar que não tenha sido feita nenhuma prisão.
Anderson Torres se nega a falar à CPI
Um dos depoimentos mais esperados pela CPI é o do ex-secretário da SSP-DF Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. No entanto, a defesa do delegado da PF acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para informar que ele se nega a participar da oitiva.
Os deputados chegaram a dar condições especiais para Torres, como a dispensa do uso de algemas em uma oitiva sem transmissão ao vivo. Mas a defesa dele manifestou-se contra a participação do ex-secretário sob a justificativa de que “nada mais têm a acrescentar ao que já foi declarado à Polícia Judiciária”.
Torres está preso no 4º Batalhão da Polícia Militar, no Guará II, e vem sendo investigado pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
CPI vai ouvir general Heleno
A CPI dos Atos Antidemocráticos aprovou requerimentos para convocar para oitivas o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). Segundo policial federal lotado no Planalto, o órgão teve envolvimento direto nos atos golpistas.
Também serão ouvidos o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, ex-chefe do Comando Militar do Planalto; o atual titular do GSI, general Marco Edson Gonçalves Dias; o general Carlos José Russo Assumpção, então secretário-executivo do GSI; e o tenente-coronel Paulo Jorge Fernandes, que era o comandante do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) à época das invasões e depredações.
Além dos militares serão ouvidos Oswaldo Eustáquio, blogueiro bolsonarista apontado como um dos principais incentivadores dos atos, Rubem Abdalla, Alexandro Lermen e Diego Albs Passos, todos suspeitos de participarem como financiadores dos atos terroristas.
A CPI aprovou ainda a quebra do sigilo bancário e fiscal das pessoas jurídicas WS Promoções, Azê Mídia, Layout Propaganda e Look Painéis, assim como solicitações de cópias de inquéritos que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
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